quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Professor Garcia (Sonetos Avulsos) – 2 –


NOITE DE NATAL

Na noite tão divina, estou sempre sozinho,
na favela onde vivo, eu sei que não sou mal.
Já cresci, mas não sei por que, meu bom velhinho,
não mereço um presente, noite de Natal!

Não te esqueças, Noel, que eu tenho um sapatinho,
que eu tiro do meu pé e o ponho no quintal,
passa a noite a esperar teu gesto de carinho,
tremendo de emoção, nas cordas do varal.

O meu sonho não morre, e eu vivo esta esperança,
porque quero sonhar, e enquanto eu for criança,
cobrarei do senhor o bem que sempre fiz,

Meu pobre sapatinho já nem presta mais,
mas eu vou te esperar Noel, noutros Natais,
porque quero um Natal, mais justo e mais feliz!
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SONHOS DE UM SEPTAGENÁRIO

Aos setenta de idade, eu conto agora,
tudo quanto perdi, quanto ganhei;
venci muitas batalhas mundo afora,
quando fui derrotado, não chorei.

Esse velho poeta a Deus implora,
que proteja a família que eu sonhei,
que me guarde esse amor, sonhos de outrora,
o mais rico troféu que conquistei.

Eu não sei se meu sonho, na velhice,
terá sempre o vigor da meninice,
mas um sonho de amor não me envergonha...

Se eu errei, meu perdão pelo que fiz,
que quem sonha, na vida, em ser feliz,
será sempre feliz enquanto sonha!
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TRISTE CORAÇÃO

Vi teu rosto num sonho e fiquei rindo,
no verdor da mais linda mocidade.
Como é doce beijar a flor se abrindo,
aos suspiros do amor, na flor da idade.

Na verdade, eu te vi sempre sorrindo,
como estavas no sonho, sem maldade.
Mas o amor, mesmo em sonho, me iludindo,
redobrava o temor desta saudade.

E depois deste adeus, tu foste embora,
nem sequer, acenaste a um ser que chora,
num silêncio esquisito e sofredor...

E eu do sonho, acordava e, por lembrança,
só restava, do tempo de criança,
velha foto repleta de esplendor!
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MEMÓRIA

Esta dor que me fere e me magoa,
quando lembro da minha mocidade,
nem me importa, que a dor, tanto me doa,
se doendo, não cura esta saudade.

Melancolicamente, eu vou lembrando,
de saudade em saudade, eu vou vivendo,
mas não posso esquecer, de quando em quando,
que em teus braços, aos poucos, vou morrendo.

Nesta luta sem trégua, em desatino,
eu me agarro nas rédeas do destino
dos arquivos ingratos da velhice...

Mas não posso esquecer que fui criança,
guardarei para sempre, na lembrança,
a saudade feliz da meninice!
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GANÂNCIA DESUMANA

Quem me dera as belezas campesinas
das manhãs orvalhadas do meu chão,
aves soltas, voando nas campinas,
pirilampos riscando a escuridão.

Sem beber mais nas fontes cristalinas,
como bate tristonho o coração;
guardo tristes, gravados nas retinas,
os instantes felizes que se vão.

E os heróis da ganância irrefletida,
vão, aos poucos, matando a própria vida
de quem tudo, na vida, já lhes deu...

Chora a fauna, e a floresta não reclama,
porque sabem que o bruto também ama,
mas quem ama este mundo já morreu!

Fonte: Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA Edições, 2017.
Enviado pelo autor.

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