O CHICO MARRETA conversa animadamente com seu pai. Seu velho gosta muito de ler. Quando está em casa, devora os livros de romance como um faminto diante de um prato de comida. Todavia, em matéria de gramática para ser usada numa simples carta, não sabe diferenciar um “O” de qualquer outro objeto redondo.
Chico Marreta: — Pai, você sabe qual a diferença da palavra “porquê” junto para “por que” separado?
Pai: — Essa até a cadelinha aqui de casa, a Jujú, sabe responder.
Chico Marreta: — Então manda vê.
Pai: — “Porquê” junto tem chapeuzinho e “por que” separado não tem.
Chico Marreta: — Pelo amor de Deus, pai. Nada a ver.
Pai: — E qual a diferença?
Chico Marreta: — “Porquê” junto, com chapeuzinho, como o senhor mencionou é usado para apresentar um motivo e “por que” separado, é quando se vai responder a uma pergunta formulada.
Pai: — Manda outra.
Chico Marreta: — “Haver” junto de “A ver” separado?
Pai: — “Haver” junto é quando duas pessoas estão olhando para a mesma coisa. E “A ver” separado, é quando só uma pessoa está a espiar para algo que ainda não distinguiu a silhueta.
Chico Marreta: — Errou feio, pai. “Haver” junto, é usado no sentido de existir e “A ver” separado é uma comparação. Vou mandar uma bem “facinha.” “Conserto” com “S” e “Concerto” com “C”?
Pai: — “Conserto” com “S” é um Conserto de um sapato furado, de uma camisa sem botão. Já “Concerto” com “C” é o sapato consertado e a camisa sem botão dispensada de qualquer tipo de serviço futuro a ser feito.
Chico Marreta: — Pai, “Conserto com “S” se faz quando o senhor repara ou acerta alguma coisa que estava danificada e “Concerto” com “C” é quando o senhor vai ao teatro assistir a uma apresentação musical.
O pai se retorce na cadeira de balanço, se serve de um pedaço de pão com queijo trazido pela empregada e encara o filho:
— Agora é minha vez, seu espertinho. Me explica “Coser” com “S” e “Cozer” com “Z?”
Chico Marreta: — Pai, essa é mel na chupeta. Com “S” dá a ideia de costurar. Com “Z” se usa quando se coloca alguma coisa numa panela para cozinhar. Quando a mãe cose as suas camisas rasgadas, ela cose com “S”. Quando faz as nossas refeições, ela coze com “Z”.
Pai: — Estava careca de saber. Só queria ter certeza se você é um garoto estudioso. Agora outra: A diferença de “Apreçar” com Cê-cedilha de “Apressar” com dois esses?
Chico Marreta: — Eu nem preciso pensar, pai. Respondo na lata. “Apreçar” com “cê-cedilha” é quando o senhor, em seu trabalho lá no mercado, remarca os preços das mercadorias nas gôndolas com aquela maquininha chata. “Apressar” com dois esses é quando o senhor dorme demais, perde a hora de ir para bater o cartão e sai acelerado feito um maluco.
Pai: — Ok, sabichão. “Deferir” com “E” para “Diferir” com “I.?”
Chico Marreta: — O senhor defere com “E” ou concede um pedido meu, por exemplo, quando peço para sair com meus coleguinhas para ir jogar bola no campo perto do antigo aeroporto E Diferir com “I,” quando o senhor não diferencia a mamãe da dona Cristina, aquela moça que tem idade pra ser a sua filha, com quem o senhor está enroscando.
O pai, olha em direção da cozinha: — Fala baixo seu idiota. Pare de gritar. Quer que a sua mãe escute e me arranque os olhos?
Chico Marreta: — Desculpa, pai. A mãe não está. Foi ao mercado com a nossa empregada. Mas tome cuidado. Se ela descobre... o senhor dará com os burros n’água.
Pai (aos sussurros): — Vamos mudar o rumo da conversa. Manda outra. Esquece o papo que estamos levando. Belinha pode chegar sem que notemos...
Chico Marreta: — “Inflação” com “L” de “infração” com “R”.
Pai: — Essa eu mato o pau e mostro a cobra...
Chico Marreta: — Como é que é, pai?
Pai: — Errei na colocação da frase. Eu mato a cobra e mostro o pau... a ordem dos tratores não altera o viaduto...
Chico Marreta (as gargalhadas): — Cuidado para o senhor não se descuidar com a mamãe na hora de transar com ela. Ao invés de falar o nome da sua esposa, se esquecer e cair na esparrela ferindo uma das sagradas leis do matrimônio...
Furioso e descontrolado, o pai pula da cadeira de balanço, derruba o pão com queijo no tapete e parte com tudo para cima do filho e o agarra inopinadamente pela gola da camisa: — Como é que é fedelho? Repita!
Chico Marreta: — Nada, pai. Só disse para o senhor tomar cuidado com a desvalorização do dinheiro e não cair sem paraquedas e ainda por cima pisoteando uma lei.
O pai espuma de raiva e sem soltar o guri, vocifera: — Não entendi, seu monte de verme. Desembuche. Que lei?
Chico Marreta: — “Infração” com “R” é passar a mamãe para trás, violando o seu casamento de quinze anos. Se essa droga cair nos ouvidos dela, certamente o senhor a deixará pê da vida e fará (se Deus me livre uma fofoqueira aqui da rua “bater pra ela”) se for descoberto por conta das suas saidinhas com a dona Cristina...
O pai, completamente transtornado, parte de novo para cima do filho, e, desta feita, com mais fúria, lhe descarrega uma chuvarada de tapas no meio das ventas: — Desgraçado, filho do capeta. Vou te comer vivo. Não fale nunca mais nessa dona Cristina aqui dentro de casa. Está proibido, ouviu?
Culmina tirando a cinta da calça aplicando umas boas lambadas nos costados do pobre garoto.
Pai: — Maldito. Fique esperto. Não me tire do sério...
Chico Marreta não se dá por vencido: Aos prantos, se contorcendo de dor, em face dos açoites, segue na provocação ao pai. Berra.
— Experto com “X” ou com “S?!”
O sujeito cai novamente, desta vez distribuindo tapas e bofetões no escutador de novelas do pobre e indefeso filho.
Fonte: enviado por Aparecido Raimundo de Souza, de Lisboa, Portugal.
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