1.
Ninguém jamais passou pelo Acre.
Ou você vai ao Acre ou não vai.
O Acre não é passagem: é destino.
2.
O Acre tem suas idiossincrasias.
Uma delas é não aceitar a reforma ortográfica.
Não é o primeiro estado a fazer isso: segue o exemplo da Bahia, que se recusou a virar Baía quando o Piauhy, mais resignado, topou ser Piauí.
Brasileiro nascido no Acre, pelas normas vigentes, é acriano.
Acriano nascido no Acre é acreano mesmo.
Há muito os açoreanos aceitaram ser açorianos, mas a Academia Acreana de Letras bateu pé e garantiu que a população será acreana com “e” até morrer, digam o que disserem os lexicógrafos.
Se for fazer concurso público por lá, lembre-se disso na prova de português. Duvido que eles abram mão dessa pegadinha.
3.
O Acre foi por 3 vezes uma república independente.
É o único estado que realmente pertence ao país, com escritura passada em cartório e tudo, porque foi comprado da Bolívia. E não custou um cavalo, como diz a lenda, mas uma boa grana.
Sem contar que quase foi arrendado por um consórcio de capitalistas ingleses e americanos.
4.
Quem for ao dicionário procurando o significado de “acre” vai encontrar: ácido, afiado, agudo, áspero, avinagrado, azedo, cortante, mordaz, picante, queimante, sarcástico, ríspido, rude.
Nada a ver.
Acre é uma corruptela de “Aquiri”, que significa “rio dos jacarés” na língua dos apurinãs, que originalmente habitavam a região.
Mas, pensando bem, jacarés costumam ser ásperos ao toque, ríspidos no trato, ter dentes afiados e cortantes, algo rudes no convívio social, ter temperamento mordaz, lágrimas azedas e (repare bem) um sorriso sarcástico.
Os portugueses podiam ser ruins na fonética dos apurinãs, porém de psicologia de jacaré eles entendiam.
5.
Há 52 paulistas para cada acreano.
E quando você precisa de um João Donato, vai buscar onde? No Acre.
Foi de lá, da Amazônia, no sul da América, que veio a Glória Perez para nos ensinar o caminho dos índios e das índias (e eu prometo – com o coração partido ao tomar essa decisão – que não vou cometer o pecado capital de buscar mencionar que clones têm dupla identidade, para não alugar a paciência de ninguém ou criar uma barriga neste texto).
Mas quando você tiver um desejo, daqueles de corpo e alma, tipo “explode, coração!” e nem o santo guerreiro Jorge te salvar do canto da sereia dessa força do querer, onde é que vai achar alguém que traduza esse seu furacão e o da sua diarista? No Acre.
6.
Imagine se um garoto de Roraima ia encher o quarto de mensagens criptografadas e abduzir a si mesmo? Se um bacuri do Amapá ia ensinar como ser gênio com pouco sono e nada de sexo? Se um curumim de Rondônia ia escrever um besticéler sobre a teoria da absorção do conhecimento, cheio de “não obstante”, “antemão”, “entrementes”, “outrossim”, “amiúde”? Quem mais faria isso senão um… menino do Acre?
7.
Não me esqueci do Chico Mendes, não. Nem do José Vasconcelos. Nem do Jarbas Passarinho. Ou do Armando Nogueira. E do Adib Jatene.
É que não sei como o Acre consegue ter menos de 0,5% da população e esse tanto de gente.
Deve ser por isso – por desafiar todas as probabilidades – que seu mapa parece que está rindo.
O Acre é inacreditável.
Fonte: Blog do autor. 23.setembro.2019.
https://tianeysa.wordpress.com/2019/09/23/o-acre-e-um-misterio/
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