Cruzeiro/SP, 1931 – 2021
LENITIVO
Ouvir-te a voz! Saber-te ainda vivo,
eis a maior de todas as benesses!
Abate-me o pesar rude, aflitivo;
e vibra-me a alma debulhada em preces.
Ouvir-te a voz! Supremo lenitivo
que de amara distância me ofereces!
Pulsa-me forte o coração cativo,
onde senhor e uno permaneces.
Do meu insano amor a chama pura
desejara calar — quanta ventura!
a tua voz num beijo prolongado.
... E transformar o fone indiferente
em braços que me abracem ternamente
e nunca mais se afastem do meu lado!
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Cruz Filho
Canindé/CE, 1884 – 1974, Fortaleza/CE
A ÁRVORE DO SÂNDALO
Em vão estendo para os céus os braços,
sem que possa atingir essas alturas
em que julgo entrever-te os leves traços,
deusa tão pura quanto as deusas puras!
Busco-te em vão! Há entre nós espaços,
abismos negros e amplidões escuras:
detém-me o teu orgulho os tíbios passos,
sempre que ao meu olhar te transfiguras.
Com as tuas mãos sacrílegas de vândalo
ceifas-me as ilusões, uma por uma;
mesmo assim, de perdões minha alma é cheia!
Este amor é como a árvore do sândalo,
que, ferida de morte, inda perfuma
o gume do machado que a golpeia...
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David de Araújo
Santos/SP, 1933
SOL DAS ALVORADAS
Partiste. E o teu adeus foi um aceno leve...
Mas diz-me o coração, em sonhos adivinho,
que estás, como eu, saudosa, e que a saudade deve
trazer de volta o amor que havia em nosso ninho.
Teimo em pensar que a tua ausência vai ser breve,
que vais voltar, quem sabe, um dia, de mansinho,
trazendo em tuas mãos mais puras do que a neve
as estrelas do céu e as flores do caminho.
Nesse dia feliz, seguindo de mãos dadas,
havemos de chegar, tranquilos e risonhos,
aos bosques onde habita o espírito das fadas...
Com nossos corações abertos para os sonhos,
saudaremos, de lá, o sol das alvoradas,
deixando para trás crepúsculos tristonhos...
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Enrique de Rezende
Cataguazes/MG, 1899 – 1973
ÚLTIMA CARTA
Envelheci... Na minha ingenuidade,
sem que eu jamais o percebesse um dia,
surpreenderam-me os anos... Em verdade,
não sou quem fui, não valho o que valia.
Sempre afeito, porém, à fantasia,
pois quem vive a sonhar não tem idade,
povoam-me a cabeça, na invernia,
os mesmos sonhos meus da mocidade.
Fluiu-me a vida, descuidosa e mansa,
por entre sonhos de ilusões refertos,
por entre poemas que, a sonhar, componho.
Vida de poeta — um sonho de criança.
— Mas se em vida sonhei, de olhos abertos,
é que eras tu a vida do meu sonho...
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Franklin Magalhães
São João Del Rey/MG, 1879 – 1938, Rio de Janeiro/RJ
AVES GORJEIAM NO VERGEL...
Aves gorjeiam no vergel... Murmura,
perto, um rumor de fonte cristalina...
O sol espreita do alto da colina,
e beija ao lago azul a face pura.
Que harmonia inefável desce a altura!
Cantam os anjos... Que manhã divina!
Por que sorri, tão cândida, a bonina?
Por que tão claro o sol no céu fulgura?
Por que cantam, com tanto amor, as aves?
Por que exalam perfumes tão suaves
as flores, hoje, desde o abrir da aurora?
Por que é que as borboletas giram tanto?
É que passeais, a rir, cheia de encanto,
cheia de graça, pelo campo afora...
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Gothardo Neto
Natal/RN, 1881 – 1911
MINHA CAMPA
Quero-a entre moitas de rosais. Ao fundo,
triste cruzeiro humilde e suplicante,
onde venha pousar o mocho errante
cantando, à noite, a dor do moribundo.
E ao pé da lousa, como um ai profundo,
à luz crepuscular do céu, distante,
deixem cair o orvalho fecundante
dos olhos virgens que adorei no mundo.
Seja um soturno e calmo isolamento
onde, por noites longas de amargura,
soluce a treva ao palpitar do vento...
Junto — o cipreste um funeral cantando;
na lousa — o nome da saudade escura;
e um serafim de mármore chorando.
Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
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