quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Laé de Souza (Maria Sebastiana [Sacha])

As luzes que espocavam não eram flashes, mas faróis que passavam a mais de noventa por hora na Marginal do Rio Tietê e clareavam por baixo da Ponte do Limão.

Ao choro fraco, Anterôncio pegou a caneca de água, extraída do rio e fervida por duas vezes para matar micróbios sobreviventes da primeira fervura, e iniciou seu trabalho de parteiro da própria mulher. Relembrava as conversas e teorias da sua velha mãe, parteira, que ele colocava agora em prática.

Ao cortar o cordão umbilical, segurou-a nas mãos e bem alto para que quem passasse visse e gritava mostrando ao mundo a sua princesa Sasha.

Hoje, enfezou-se ao lembrar que ainda não tivera coragem de contar para a mulher que não tinha como levar a registro o nome. Tentou ainda conversar com o cartorário, mas foi tratado com desdém e sem margem para argumentos. E não podia nem discutir, era de graça mesmo. De qualquer forma, não se dava por vencido e tinha escrito ao presidente pedindo que interferisse no caso e que ele precisava ver como a Sasha era linda e merecia o nome. Era uma esperança. Afinal, fora reeleito com seu voto e tinha de zelar pelos seus súditos, pensava.

Subscrevera o envelope em letras garrafais e ainda dentro avisava: "Mandar para o Bar do Magrão na Rua Canindé s/n - Pari, a ser entregue em especial favor ao Anterôncio."

Se bem, que vinha observando que a Marinete não andava lá muito boa da cabeça. Não pelo nome escolhido, mas pelas atitudes. Ficou meio "assim" quando a viu juntar um monte de cascalho, que chamava de brilhantes, para ornamentar um cesto que dizia ser um berço banhado em ouro; apanhou latas de cerveja jogadas na pista e amarrou num pano pendurado nas colunas da ponte, que dizia que ser uma porta enfeitada com sinos dourados na entrada do quarto. Recortou aquela blusa velha, preta na cor e no tempo, dizendo ser seda rosa e um lindo vestido; pegou seu litro ainda não bebido de Caninha e colocou sobre uma lata com toalha de papel, num canto, dizendo que era champanha para brindar o nascimento. Conversa sem resposta com quem estava parado no trânsito do final de tarde, dizendo que estava bem e que sentia a sua Sasha se mexer e que logo, logo, ela estaria nascendo. Abismou-se o Anterôncio quando ela lhe falou que, se no dia não houvesse estrelas, ele escalasse o céu e abrisse caminho nas nuvens para surgir ao menos uma para a sua Sasha que nascia. Quis proibi-la de sair com aquele barrigão para ir até São Miguel Paulista para votar, mas cedeu aos argumentos de não querer ser responsável pela não mudança no país, ainda mais agora que trazia sua filha ao mundo. Ele a acompanhou e percebeu que ela não diminuiu nem um pouco seu sorriso diante das caras feias pelo seu corte na imensa fila. E, pelo jeito, com os mesmos argumentos, ainda sob risco de quebrar o resguardo irá com sua Sasha no colo dar o seu voto no segundo turno.

Não tivera nenhum entojo nem desejos na gravidez. É, parece que está com algum parafuso solto, mas ele é que não vai apertar. Como é que vai dizer que tudo aquilo que ela vê é ilusão? Tomara que não seja só nesta fase puerperal. Mesmo porque, ainda que a menina seja Maria Sebastiana no escrito, na boca será sempre Sasha e breve, vai virar nome de boneca. Portanto, não há porque ela saber já.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

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