Saci-Pererê... O moleque atrevido!
Só tendo uma perna, veloz como o vento,
faz mil peraltices sem ser pressentido...
- Transforma a quietude da noite em tormento!
Dispara a boiada.,. Galopa e extenua
os pobres cavalos... e a crina lhes trança!
Cachimbo na boca... nas noites de lua,
remoinha a poeira na trêfega dança!
Se alguém, de surpresa, um dos gorros vermelhos,
consegue roubar... E, com sorte, reter...
terá como escravo o Saci de joelhos
que, sem o capuz, perde o mago poder!
Não raro, o Saci pode ser caluniado!
Se às vezes o culpam do extremo alvoroço,
nem sempre de tudo, em verdade, é culpado...
Do mal, talvez, seja até pálido esboço...
Pois... há muita gente, de pele bem alva,
que tem duas pernas... cachimbo nem vê,
que bole com tudo... nem santo salva!
E é muito pior... que um Saci-Pererê!
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O RIO MAR I
(lenda amazônica - origem do rio Amazonas)
Jassyendy* prateava a natureza!
Jassy** era feliz, serena e amada
pelo formoso Cuara***, na certeza
de tudo ter... sem desejar mais nada!
O amor, pujante e livre, na largueza
do azul crescia, em força imensurada,
com esplendor intenso e tal grandeza,
que a Onipotência estava preocupada:
- Não fosse logo essa paixão contida,
em pouco a morte extinguiria a Terra!
Secariam os rios... sem mais vida
e secaria, assim... todo o Universo!
- Sol e Lua... Tupã**** separa! E encerra,
com seu poder, aquele amor adverso!
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*Jassyendy = luar
**Jassy = lua
*** Cuara = sol
**** Tupã = Deus
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O RIO MAR II
A sentença é implacável - sem poesia!
Separação - é a fórmula sensata:
- Cuarassy*, sendo o Sol - brilha de dia!
- Jacy, a Lua - à noite, a luz desata!
Tupã, o poderoso, decidia!
E Curussá**, num brilho que arrebata,
a cruz de estrelas no amplo céu abria,
marcando para sempre a triste data!
A alternar-se no azul, em desalento,
não se encontram jamais o Sol e a Lua!
Ao ver Jassy, tão pálida, em tormento,
Cuarassy, em protesto, ostenta um halo
de dor e de saudade... E o adeus flutua
em cada triste ocaso... A torturá-lo!
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* Cuarassy = Sol de verão
** Curussá = Cruzeiro do sul
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O RIO MAR III
Em vão as súplicas! Também baldados
os apelos dos astros que se uniram
aos pés de Tupãssy!*... Desalentados,
Jassy e Cuarassy de amor deliram!...
Lágrimas, em roldão, pelos costados
e planícies rolaram!... Não se ouviram
na Amazônia os lamentos dos copados
seringais que, engolidos, sucumbiram!
E o pranto de Jassy, protesto insano,
em caudal impetuoso e avassalante,
foi arrojar-se aos braços do oceano!
E a rugir, a gemer e a espumejar,
do manancial de um coração amante,
nascia, então, grandioso - o Rio Mar!
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* Tupâssy = mãe de Deus
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O CANTO DO UIRAPURU
(Lenda da Amazônia)
Pequenina e graciosa,
a índia, cor de canela,
tinha voz meiga, maviosa...
e a tanga verde e amarela.
Olhos de corça amansada,
mais negros do que o saci,
era feliz... porque amada
por um guerreiro tupi.
Na verde mata, fez ninho.
E a cantar seu grande amor,
parecia um passarinho,
a adejar de flor em flor!
Mas... o guerreiro, malvado,
seu carinho desprezou,
e por outra apaixonado,
o ninho antigo deixou!
Foi definhando, angustiada,
aquela índia menina,
pelo noivo abandonada…
e a guarda-lo na retina!
Enfim... Tupã, condoído,
a abrandar-lhe a triste sorte,
dá-lhe à vida outro sentido,
para poupá-la da morte:
- Numa avezinha encantada,
cor auri-verde-canela,
foi a índia transformada
e voz maviosa revela!
Uirapuru é seu nome
e pelas frondes viçosas,
toda a angústia que a consome,
canta... em notas dolorosas[
Seu trinar, límpido e triste,
a mata escuta silente!
E a mágoa que nele existe,
é a mágoa que a gente sente!
Numa pergunta constante,
dorida, Uirapuru diz
ao seu amado distante:
– Tão triste estou!... És feliz?!...
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LOBISOMEM
(Folclore Universal)
Meia noite... sexta-feira...
- Cruiz-credo!... Yaiá escuitô?!
Lápras banda da portêra,
foi lobisome... que uivô!
- Lobisomem, Benedita?!
Yaiá senta alvoroçada
no leito... e a Dita se irrita:
- Tão tarde!.... E Yaiá acordada?
- Calminha... amanhã desconto!
- Antes do cuco acusar
que são dez horas em ponto,
ninguém venha me acordar!...
- E agora, me conte a história,
meu sono já está no fim...
- Bem... si nun faia a memória,
as coisa cumeça anssim:
Sete fio encarrerado,
mêmo que tenha bom nome,
ninguém foge do ditado:
- o caçula... é lobisome!
-E... em noite de lua, quando
é sexta-fêra, minina,
ôio de brasa... escumando,
num grande cão se acumbina!
- Peludo... as presa arreganha,
assustando bicho e gente!
- E mata... tudo qui apanha...
guardando as sobra nos dente!
- Di manhã... ôtra veiz home,
esquece o que assucedeu
...e, inocente, se consome,
pranteando arguém qui morreu!
- Os home... são sempre os mêmo!
- São mau... sem sabê pruquê!
- Santinhos pur fora... e demo
pur drento! - saiba vancê!
- Pur isso... muita cautela...
num querdite neles, não!...
- Mêmo qui a muié... costela
seje desse tar de Adão!
- Dum hôme se adiscunfia...
tenha inté cara di bobo...
pois, se alembre, minha fia:
- num zás-trás... si vira in lobo!!!
Fonte: Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Enviado pela autora.
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