Do professor Polyclínio: “Religião realmente ajuda muito, porém penso nos pecados capitais como um problema de saúde”
Estão lembrados do professor Polyclínio? Aquele que nunca foi professor, no entanto era assim chamado e respeitado na cidadezinha onde morava. “Professor honóvis fora”, como ele próprio, bem-humorado, costumava intitular-se. Bancário aposentado, era homem deveras erudito, versado em línguas clássicas e ledor de todo aquele nobre time de poetas e filósofos greco-romanos. Com essa bagagem, e com a autoridade dos seus oitenta e tantos anos, falava de qualquer assunto com segurança e desenvoltura.
Nas suas circuladas matinais habitualmente fazia uma parada na farmácia de um velho amigo. Ficava lá um bom tempo sentado, proseando com a clientela. Cada um que chegava puxava conversa com ele, aproveitando sempre para aprender alguma coisa.
Um dia entrou um freguês que lhe perguntou qual o segredo de sua ótima saúde apesar da idade. Ele pediu desculpas ao farmacêutico pela “concorrência” e deu a receita: “Olha, amigo, remédios são úteis sim, e acredito que na maioria dos casos sejam indispensáveis, porém o que mais vale é o autocuidado”. Fez uma pausa para explicar o que era autocuidado.
Prosseguiu: “Todo dia como ovos, frutas, saladas, um pedacinho de carne, tomo café com leite com angu, duas vezes por semana bebo uma taça de vinho, faço ginástica, jogo xadrez, ouço boa música, durmo bem… Mas sobretudo procuro manter distância dos pecados capitais”.
Surpreso com a referência aos pecados capitais, o homem aparteou: “Não sabia que o senhor era religioso”. O mestre fez outra pausa, limpou as lentes dos óculos, continuou: “Religião realmente ajuda muito, porém penso nos pecados capitais como um problema de saúde”.
– O senhor professor pode deixar isso mais claro?
– Tentarei. Avareza, inveja, ira, luxúria, preguiça, soberba são os piores venenos, principalmente a inveja e a ira, ou seja, a raiva. Milhões de pessoas, no mundo inteiro, passam anos padecendo de depressão, angústia, ansiedade, tristeza, insônia, mal-estar, fobias, úlceras, dor de cabeça, prisão de ventre, desmaios, palpitações, impotência, inapetência, etc., etc., etc., até se convencerem de que tudo isso são apenas efeitos. O que de fato estão é aos poucos morrendo de inveja ou de raiva de alguém”.
– “Uai sô”, disse o amigo. “Vai ver então que é isso que tá matando um parente meu. Ele fica horas que horas resmungando rancor contra um ex-sócio que lhe passou a perna. Vive com a cara casmurrada, xingando, reclamejando, não conversa com a família, não dorme direito, não come direito e tá emagrecendo de dar dó”.
– Nem precisa falar mais nada. Pecado capital é isso aí: um desarranjo mental que vai devagarinho corroendo a vítima. Seu parente está com a cabeça envenenada. Se ele conseguir esquecer o tal ex-sócio, desenfurecer os bofes e passar a conviver com a vida numa boa, ficará curado rapidinho. Ah… e a ajuda de um bom doutor poderá facilitar bastante as coisas.
(Crônica publicada no Jornal do Povo, em 22 de fevereiro de 2024)
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