CONHECI A TAMMY por puro acaso. Parei numa padaria num desses terminais de ônibus urbanos quando ia embora para casa. Aproveitei para comprar pão, e, de lambuja, visando não perder o costume, tomar um café com leite e comer um pão com manteiga. Sempre faço isso. Se não tomar um café com leite e comer um pão com manteiga, ou dois, meu dia (ainda que no final dele), se torna mais chato e maçante. De repente, saindo de um desvão que fiquei sabendo depois acessava à cozinha, ela apareceu e eu fiz o meu pedido. Tive a sensação de mergulhar num caldeirão de água quente fazendo com que o suor escorresse por todos os poros disponíveis dentro do indumento que usava.
Nossos olhos então se cruzaram pela primeira vez. De cara, na lata, sem maiores considerações, depois de feito meu pedido, quando ela regressou trazendo o solicitado, conversa vai, conversa vem, perguntei se era casada, ou se tinha compromisso. Ela me mostrou a mão (deixou que a pegasse entre as minhas) e percebi que, de fato, não havia aliança. Ao ir embora, passei os cinco dedos num guardanapo e escrevi meu telefone e entreguei a ela. “Me liga, eu disse – mas somente se não tiver ninguém à sua espera.” Ela sorriu e ao guardar o bilhete com meu número prometeu me mandar um “oi” quando saísse do emprego. “Vou embora as dez da noite” -, confirmou à voz finória. “Ao chegar em casa -, entrarei em contato” -, completou com um sorriso encantador que achei fora de série.
Não levei muito a sério, pois o local onde trabalha é frequentado por um bocado de homens mais novos que eu, e, certamente, ela teria alguém. Tammy, a mulher cujos predicados me deram a impressão de serem portais para um mundo de mistérios e encantos me engalanou. Ela não me pareceu uma figura comum. Sua presença clareava os cantos mais sombrios do local onde trabalhava (apesar de tudo bem guarnecido com forte iluminação), e da mesma forma, pensei com minhas dúvidas -, “se de fato me ligar, resplandecerá a minha vidinha cotidiana contribuindo com a pitada do tempero certo e necessário para tornar meus dias futuros mais promissores e recheados de sabores igualmente prazerosos.”
Minha alegria foi tão ampla e dilatada, que esqueci um livro na hora em que me aproximei do caixa e paguei os pães comprados e o café. No ônibus, a imagem dela me apareceu enchendo a viagem de uma “contaminação” até então nunca sentida. Seus olhos, grandes e expressivos, pareciam conter (e não só conter, contar) segredos ancestrais. Tammy não se deslumbrava apenas numa mulher bonita. As perspectivas mais verossímeis, a meu entendimento, estavam estampadas em toda a sua silhueta. Ela escondia uma história viva. Seus olhos (voltando a repetir), emanavam um brilho profundo, como um oceano calmo ao tempo em que harmonizavam a jornada de uma alma amena que havia enfrentado tempestades e navegado por rincões de distâncias desconhecidas.
Eles se esboçavam (indo um pouco além), às janelas abertas para um futuro cheio de aventuras e desafios. Nossos encontros (se ela, de fato desse um “alô”), certamente se fariam sempiternos (eternos). Deixariam marcas perpétuas e indeléveis em minha solidão. Em casa, depois do banho, liguei a televisão e fiquei à espreita. Nada! Nenhum telefonema. Imaginei: “Deve ter jogado o papelzinho fora.” Para sorte minha, a preciosa não jogou. As vinte e uma horas, eu havia ido com minha neta a uma pizzaria e ela mandou um “oi.” Não escutei o sininho de alerta. Só fui perceber e responder às vinte e três e oito.
Mandei uma “boa noite” e lasquei um “seja bem-vinda. ” Imaginei, embevecido, ela em sua residência, de banho tomado, deitada em sua cama ou jantando, sei lá. Nosso papo começou informal. Em pouco tempo descobri que havia se separado contava nove anos, e tinha desse relacionamento um casal de filhos: Brayan e Isabelly. Mais nova que eu (uma diferença de vinte e oito anos), engalanava a sua escultura na esteira dos quarenta e dois e eu pelejava com os meus setenta. Trocamos fotos, discorremos sobre vários assuntos culminando em mandar para ela uma de minhas músicas prediletas. A escolhida foi Zélia Duncan, interpretando “Tudo sobre você.”
Tarde da noite, sonhei que andando de mãos dadas com a diva, entramos numa galeria de arte, e ela se maravilhou estudando as pinceladas de um quadro impressionista. Sempre com aquele olhar curioso e o sorriso tímido bailando nos lábios pecaminosos. Tammy não precisava de palavras para se comunicar. Seus desejos escondidos se transformavam em poesias silenciosas; narravam histórias de amor; falavam de perdas e esperanças; esmiuçavam vivencias distantes. Quando me fitava, sentia como se estivesse mergulhando em um abismo de emoções. Tipo assim, como se a jovem conhecesse todos os meus segredos e receios mais recônditos.
Voltando do sonho à realidade, espero, sinceramente, que no nosso próximo encontro ela me fale de um pôr do sol dourado, que me exponha sobre a sua paixão por dias melhores. Pretendo esfiapar à fundo a sua vida. Intenciono que me segrede sobre estradas não exploradas; que me desenhe desertos longínquos; me fale de bobagens como se estivesse escalado uma montanha e dançando sob a lua cheia em praias insuladas. Sua visão indescritível, acredito piamente, nesse momento meio que mágico, como um emaranhado de fios condutores, brilharão ao compartilharem essas quimeras, e eu me verei viajando com ela, mesmo que entre nós tenha apenas uma xícara de café com leite e um pãozinho com manteiga.
Tammy também traz no peito cicatrizes invisíveis. Seu rosto, por mais belo que seja, me mostram tristezas profundas. Ela deve ter perdido um amor, ou amores, enfrentado desilusões e lutado contra suas próprias sombras. No entanto, a sua resiliência se mostra admirável. Ela continuará a sorrir, acreditando que cada novo dia trará oportunidades de recomeço. De minha parte, espero que ela não desapareça. Que se faça em minha estrada não como um sonho fugaz, deixando apenas as lembranças de sua gargalhada infantil. Agora há pouco, antes de me recolher, fechei os meus medos e tentei reencontrá-la nas estrelas ou nas páginas de um livro novo que estou lendo.
Tammy, é a mulher dos meus encantados. Sua silhueta permanece como um enigma em minha memória. Sua voz; seu cheiro; sua presença; a quentura das suas mãos; os trejeitos de seu corpo; a intimidade que me faz pensar avassaladoramente em mil estripulias. Tudo nela, me ensina que a verdadeira beleza é invisível aos olhos. A formosura, o arroubo, o garbo, estão na profundidade da alma e não só lá, na capacidade de enxergar além das aparências. Mesmo que nunca mais a veja, sei que a sua história continuará a ecoar em minhas exortações e nos suspiros de quem também cruzou, um dia, o seu caminho. Todavia, espero que a minha alegria nunca se divorcie da que ela carrega no peito e no coração. Aliás, espero que as nossas batidas vindas do mais entranhado de nosso âmago, se entrelacem numa só ESPERANÇA.
Fonte: Enviado pelo autor
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