domingo, 11 de fevereiro de 2024

Mensagem na Garrafa = 103 =

Mia Couto
Beira/Moçambique

Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. 

Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento! Até que no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras. 

Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar. 

Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do universo. 

Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que aconteceu na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. 

A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar. 
(Mia Couto. A Confissão da Leoa)

Nenhum comentário: