quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Carolina Ramos (Histórias da Bisa)

Certo dia… a Bisa espiou pela janela e viu um bando de passarinhos a revoar ali por perto e pensou. Esses pássaros são parte de uma grande família que se espalhou por aí.

- Papai, mamãe, filhos, netos e até bisnetos...

Será que aquele casal de pássaros que gerou todo esse belo clâ alado, teria chegado mesmo até os bisnetos?!... Difícil saber!

O espaço é imenso!... E também imenso é o mistério que envolve esse espaço, não permitindo imaginar qual o parentesco existente entre aqueles pássaros e aquela outra avezinha pousada num galho, que de longe observava, quase que indiferente, o voo daquelas asas ligeiras a se afastarem dela cada vez mais, sem sequer imaginar se voltariam ou não, algum dia.

E, então, Bisa olhou os bisnetos que brincavam alegremente à sua volta.

Lembrou-se de que: - Logo, logo... ela mesma é que estaria de partida, deixando para trás, um total sempre crescente de algumas criaturínhas que dividiam com ela as alegrias de viver!

Alegrias que não conseguiam ficar caladas dentro deles. E, por isso mesmo, enchiam a casa toda de uma algazarra que não deixava dormirem em paz nem o gato preguiçoso e muito menos aquele cãozinho estabanado que tudo fazia para participar das brincadeiras infantis.

Continuava a pensar: - Quando chegasse a sua vez, ao contrário do que acontecia agora com aqueles pássaros vistos da janela, era ela que, em definitivo, iria embora! E logo seria esquecida por aqueles pequeninos travessos, que desde já, mal tinham tempo para lembrar-se de que ela existia. A não ser quando lhe entregavam, de surpresa, um ligeiro abraço. Um abraço tão rápido, que nem dava tempo para ser retribuído com a mesma espontaneidade e com o dobro de amor.

Seria esquecida, sim! E, com certeza, bem depressa! Já que a vida é assim mesmo, tem pressa para chegar ao Além. 

E foi justamente aí que o plano começou a brotar na cabeça daquela Bisa, que, só não era branca, porque ela era vaidosa e não deixava que assim ficasse.

Contudo, não era nada agradável àquela bisa saber que logo mais seria esquecida. - Mas... Como alguém poderia ser lembrado, depois do derradeiro adeus?!

Retirou, ao acaso, um livro da estante. E, por acaso, o livro era de sua autoria. Folheou-o sem ler. Sabia o que lá estava escrito. Seu pensamento estava longe, porém... Voava junto àqueles pássaros vistos lá da sua janela.

E foi quando, de repente, aquela ideia surgiu tomando posse dela, e acendendo uma luz faroleira no horizonte!

- Sim... Por que não escrever um livro especialmente para aquelas cinco criaturinhas – três bisnetas e dois bisnetos? Os cinco teriam tempo de ter acesso ao que esse livro lhes pudesse contar - dois daqueles pequeninos ainda sequer sabiam ler!

A Bisa já tentara fazer isso, certa vez, escrevendo para os filhos… e depois, para os netos... Não dera certo! O livro que pretendera ser para crianças, falava sobre bichinhos, mas... a linguagem evoluíra sem querer, indo além do pretendido.

Mais autobiográfico do que infantil, o texto fugira praticamente à finalidade. A linguagem não era adequada às crianças, tal como acontecera naquela aventura extraterrestre narrada em seu livro "Um Amigo Especial" - que agradara a tantos leitores, porém... Leitores adultos, não propriamente juvenis, como objetivara.

Desta vez, haveria de ser diferente. Tinha o respaldo das palavras do poeta luso, Fernando Pessoa, uma vez que ele assim se manifestara: 

“Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças."

-Êpa!... Um caso para pensar!

E a decisão acabou por chegar, sem muita espera:

– Aquela bisa resolveu que: - Contaria uma série de histórias edificantes, perfeitamente acessíveis às crianças, mas... teriam que ser histórias verdadeiras! Completamente isentas de fantasia ou ficção! Histórias vividas por alguém bastante importante e que pudessem ser úteis pela vida inteira, contribuindo, positivamente, para a formação do caráter dos seus bisnetinhos, não apenas na infância propriamente dita, mas principalmente, na adolescência, fase perigosa e de capital importância.

Bisa suspirou fundo para ganhar fôlego. Estava pronto o canteiro, ou seja, a decisão fora tomada.

Faltava ainda o ingrediente principal, ou seja, aquela semente viva, a alma do livro. Tão somente aquele enredo a ser carinhosamente escolhido, plantado e cultivado até virar uma história concreta, com base na verdade e digna do mais absoluto crédito.

Tudo bem... Mas, que história deveria ser essa, dentre tantas dignas de serem escolhidas?

Importante que fosse uma história bonita! Bastante bonita! E não somente bonita... edificante, também!

Uma História real! E, melhor ainda, se vivenciada em nossos dias. Uma história que comprovadamente merecesse ser contada! Não uma historinha inventada ou simplesmente uma verdade desvirtuada e enfeitada para agradar.

A decisão não tardou: - O assunto precisava ter fôlego transcendental. E méritos comprovados que justificassem a sua passagem à posteridade!

Foi o que decidiu aquela Bisa ao conversar consigo mesma, ternamente disposta a plantar a semente do bem no coraçãozinho daqueles seus cinco bisnetos: - Ângela e Sara - quase duas mocinhas. E seus três priminhos, os irmãos – Hosni, Lina e Tarik. Este último, ainda bem novinho. Conhecido pela bisa apenas por fotos, já que residiam em São Paulo e aquele ano, 2021, em que viera à luz, dificultava contatos, com suas restrições e pandemias.

A ideia literalmente caiu do céu, naquela tarde em que a Bisa leu na internet que Carlo Acutis, jovem adolescente de origem italiana, falecido há alguns anos, seria beatificado. O resumo da História de sua edificante vida foi aprovado no ato, pelo coração alvoroçado daquela bisa.

Carlo Acutis!... Perfeito! Personagem ideal para iniciar uma conversinha amena, e a um tempo séria.

Mas, afinal... Quem seria mesmo Carlo Acutis?! Quem?!...

Precisava informar-se melhor, antes de apresenta-lo às suas crianças!

Bisa colocou os óculos sobre o nariz e saiu apressada, em busca dos pormenores indispensáveis àquele caso que tanto a encantara e que pretendia repassar aos seus pequeninos, com precisão e carinho muito especiais.

- Bem... É aqui e agora, que esta história realmente começa.

E que siga adiante, contada pela voz emocionada desta Bisa aos seus cinco netinhos quando, de ouvidos prontos, desejassem ouvi-la.
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continua…

Fonte: Carolina Ramos. As histórias que a Bisa conta. Santos: Ed. da autora, 2022.

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