domingo, 26 de janeiro de 2025

Vereda da Poesia = 206


Trova de
MARIA THEREZA CAVALHEIRO
São Paulo/SP , 1929 – 2018

De meu peito arranquei tudo
que de ilusão ainda houvesse,
e ela então, mato miúdo,
com o tempo de novo cresce! 
= = = = = = = = =  

Poema de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Velho Teatro

Velho teatro abandonado,
que tantos sucessos houve,
palco de um tempo passado…

Hoje só restam cadeiras vazias,
quebradas, num canto jogadas,
memórias daqueles dias
de glórias conquistadas.

A parede carcomida
com cartazes, página rasgada
no livro de uma outra vida,
num passado condenada.

Na estação da saudade
cinzas de um fado,
testemunhas da verdade.
= = = = = = = = =  

Quadra de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Tem horas que é caco de vidro 
Meses que é feito um grito 
Tem horas que eu nem duvido 
Tem dias que eu acredito.
= = = = = = 

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...
= = = = = = 

Trova de
AMARYLLIS SCHLOENBACH
São Paulo/SP

Contra a angústia e o contratempo,
eu vivo de sobreaviso...
Pelos meandros do tempo,
perdeu-se meu pobre riso!
= = = = = = 

Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Há um tempo

Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares …
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...
= = = = = = = = = 

Trova de
ALBA HELENA CORRÊA
Niterói/RJ

Foi bem triste a descoberta:
o tempo, descontrolado,
me trouxe a pessoa certa,
porém, no momento errado!
= = = = = = 

Poema de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Dois Tempos

Eu ficava à janela olhando o trem.
Qual seria o seu destino?…
Era um fascínio imaginar, em fantasia,
quanta gente que partia,
enquanto eu ficava à janela 
olhando o trem.

Hoje voltei. Quis rever meu mundo antigo.
Talvez o anseio de buscar abrigo,
ou a esperança de encontrar comigo,
ou simplesmente ver o trem passar.
Daquela antiga estação,
do meu velho casarão…
nada encontrei, porém.
Onde está a vida que eu achava linda?
Afinal, o que será que resta ainda
de quem ficava à janela olhando o trem?… 
= = = = = = 

Trova de 
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Miguel Couto/RJ

Os vincos nas faces nuas
o tempo jamais refreia,
pois são rugosas as ruas
onde a velhice passeia!
= = = = = = 

Poema de
EMILY DICKINSON
Amherst/EUA, 1830 – 1886

Dizem que o tempo...

Dizem que o tempo ameniza
Isto é faltar com a verdade
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade

É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria
= = = = = = 

Trova de
DOMITILLA BORGES BELTRAME
São Paulo/SP

Envelheço!... E o tempo agora,
parece um menino arteiro,
no relógio, a toda hora,
acelerando o ponteiro...
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Recordo Ainda

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
= = = = = = 

Trova de
JESSÉ F. NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ

Tempo em louca disparada,
- isso me causa terror -
a vida na autoestrada
pisa no acelerador.
= = = = = = 

Soneto de
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Teresina/PI

Se

Se o tempo é sentinela lá nos cimos,
e permite a acumulação de dores,
sem fazer festas nem sequer rumores,
quando em adeuses todos nós partimos...

Se o tempo é o rei dos sentenciadores
e assim nos vê (mas creio que não vimos),
por que é que dele, embora assim, não rimos
como quem ri dos campos e das flores?

Se o tempo não pensa... Nem conforma,
do nascimento à morte a um bom destino,
a vida - onde o sofrer é sempre norma...

Só enxergo um caminho que conforte:
- Voltar ao nosso tempo de menino,
que foi quando tivemos melhor sorte.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova de
ADACY DE O. NETTO VALADÃO
Barra do Piraí/RJ

Só meu coração escuto
quando, na volta, demoras:
cada segundo é um minuto
e os minutos viram horas
= = = = = = = = = 

Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antonio do Monte/MG

Tempo Rei

Meus pés não encontram rastros no caminho
Minha rua não é mais cadinho de meus passos
Calçada nua que trocou
paralelepípedo por asfalto
Na casa em que morei não há mais samambaias
Dando saias verdes ao alpendre que me recebia
Onde logo eu via o rosto redondo de minha mãe
A vida vai compondo gosto novo para as gerações
Porções de desgosto agora moram em mim
O tempo realmente é invencível rei
Tudo o que eu pensei um dia dominar ou saber
O tempo cuidou de me provar que nada sei!
= = = = = = = = =  

Trova de
MARA MELINNI GARCIA
Caicó/RN

Segue o tempo, indiferente,
pela idade, em despedida...
Passa, mas deixa presente
o doce encanto da vida!
= = = = = = = = =  

Poema de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
= = = = = = = = =  

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