sábado, 17 de julho de 2010

Panorama da Literatura Italiana



Após a queda do Império Romano, verificou-se na Europa uma série de transformações políticas que determinaram um processo de desenvolvimento das línguas faladas, dando origem ao “vulgar”, no qual a língua do povo prevalece sobre a língua erudita. Entre as línguas românicas, isto é, derivadas do “romano”, ou seja do latim, tiveram especial importância para o início da literatura italiana a língua e a literatura provençal, e a língua e a literatura francesa. No Século XII, a cultura ainda é monástica e assim não surpreende o florescer de uma literatura religiosa com Francisco de Assis, Jacopone da Todi, etc. Mais importante, na segunda metade do século, foi o movimento do Dolce Stil Nuovo, que teve início em Bolonha com Guido Guinizelli e prosseguiu em Florença com Guido Cavalcanti, Dante Alighieri, Lapo Gianni, etc.

No final do século, aparece a primeira obra de Dante Alighieri (Vida Nova) e os anos iniciais do século XIV são marcados pela publicação das outras obras de Dante (Convivio, De Vulgari Eloquentia, De Monarquia) e, sobretudo, pela Divina Commedia, a grande composição em versos que sintetiza e conclui a Idade Média, obra que tanta importância teve em toda a história literária da Europa até à nossa época. Mas quando a Idade Média entrava em declínio, uma nova cultura, inspirada na redescoberta das obras clássicas da antiguidade, dava os seus primeiros passos. Dessa nova era são testemunhas imortais as obras de Francesco Petrarca, do Secretum ao Canzoniere, inspiradas no mais alto lirismo, cristão e profano, clássico e renovador ao mesmo tempo.

Se as obras do Petrarca já parecem voltadas no sentido de uma nova cultura humanista, o Decameron de Giovanni Boccaccio demonstra estar profundamente ligado à realidade comum, numa narração cómico-realística, inspirada nos horizontes da classe mercantil que nela encontrava o seu momento privilegiado.

O século XV oferece-nos a explosão do conhecido movimento humanista que, nos primeiros cinquenta anos procura e estuda os clássicos, mas que, na segunda metade do século, dá-nos uma floração de obras de inspiração nova e de uma beleza singular.

E do Humanismo passou-se ao Renascimento, que domina toda a cultura italiana do século XVI. Eis aqui as obras de Ludovico Ariosto (autor do poema Orlando Furioso), Torquato Tasso (autor da Gerusalemme Liberata), de Niccolò Machiavelli (autor de Il Principe e I Discorsi), de Francesco Guicciardini (Storia d’Italia), de Castiglione (Il Cortegiano). Foi uma época memorável não só para a literatura, bem como para todas as artes e até a língua se renovou, não somente nas obras dos autores, mas também nos estudos dos filólogos.

A busca de um esmero formal exagerado, as dificuldades criadas pelas autoridades religiosas, a decadência política, privou a Itália daquela supremacia cultural da qual até então tinha desfrutado. Entretanto, a Europa se encaminhava para um novo ciclo de civilização, o Iluminismo, que chegou à Itália só em meados do século XVIII.

O século regista também um nome importante, o de Carlo Goldoni, reformador da Commedia dell’arte e do teatro italiano em geral. As suas peças são ainda hoje representadas em todo o mundo.

Depois de um breve período neoclássico, o romantismo, que já se tinha afirmado na Europa do Norte, chegou à Itália, precedido de mil disputas e polémicas com os defensores do Classicismo.

As motivações principais do Romantismo italiano resumem-se ao princípio de espontaneidade da poesia, na recusa das regras clássicas e da imitação de modelos, no carácter popular da literatura que deve ter motivações nacionais e patrióticas, na exaltação dos grandes acontecimentos do passado, na função social, moral, educativa e religiosa da literatura e, finalmente, na pesquisa de uma linguagem cada vez menos académica.

Ugo Foscolo e Giacomo Leopardi encontram-se numa posição dialéctica entre Classicismo e Romantismo. Enquanto Le ultime lettere di Jacopo Ortis de Foscolo são ricas em influências pré-românticas e Le Grazie reproduzem uma arquitectura clássica, os Sepolcri ainda estão parcialmente ligados a modelos do século XVIII com a criação de grandes mitos e a pesquisa romântica do sublime. De Leopardi podemos sublinhar a classicismo de alguns Canti, a elegância e o equilíbrio da composição e o romantismo da autobiografia, o sentimento do infinito, a concepção existencial, a ideia do destino e da natureza, a linguagem poética que tanto nos Idilli, quanto nas Operette morali, oferece a lúcida constatação da inelutável infelicidade humana.

Rejeitando o Romantismo lírico e individualista, Alessandro Manzoni revoluciona de vez a tradição clássica italiana, de tipo lírico e ainda inspirada em Petrarca, a fim de actuar na História, vista como relação homem-sociedade, dirigida pela Providência e pela Graça.

Após a tensão espiritual que nos Inni Sacri parece uma verdade reencontrada e nas tragédias colide com a história e com a descoberta da vitória do mal, o autor de I Promessi Sposi chega a uma afirmação confiante de que o bem acaba finalmente triunfando. O romance histórico torna-se, com Manzoni, um romance de ideias e o realismo literário coincide com a substância do seu cristianismo numa concepção da obra de arte estritamente ligada a um fim moral e civil.

O Romantismo italiano correspondeu ao espírito nacional e literal do Risorgimento, ao qual transmitiu também um firme fundamento ideológico, influenciando o público que viveu o problema nacional mais como um problema moral do que político. A literatura dos primeiros anos do século XIX é, portanto, uma literatura “militante”, visando a criação de uma consciência nacional e a pesquisa de um conteúdo moderno, popular e concreto. Podemos distinguir duas correntes dentro do Romantismo, de acordo com a distinção feita por Mazzini: os manzonianos eram os escritores que actuavam baseando-se num prudente reformismo; os foscolianos, os que procuravam soluções radicalmente revolucionárias. O crítico De Santis aceitou esta distinção e falou de uma escola liberal cujos máximos expoentes foram Manzoni, Cesare Cantù, Massimo D’Azeglio, Niccolò Tommaseo, Tommaso Grossi, o grupo toscano da Antologia e uma escola democrática que se desenvolveu em torno da figura de Giuseppe Mazzini e que produziu uma corrente de adeptos que chegou até Carlo Cattaneo.

No período do Risorgimento desenvolveu-se o género “memorialístico” que, por um lado, correspondia a uma precisa exigência de compromisso ético-político e, por outro lado, apoiava o gosto romântico pela confissão autobiográfica. Desta corrente, que voltará um século mais tarde com a literatura memorialística do segundo pós-guerra, são testemunhas Le mie prigioni, de Silvio Pellico, Le ricordanze della mia vita, de Luigi Settembrini e I miei ricordi, de Massimo D’Azeglio.

Na poesia, ao lado das composições épico-políticas de Berchet e das sátiras de Giuseppe Giusti, verificou-se uma grande produção de obras em dialecto, como as Poesie do milanês Carlo Porta, os Sonetti do romano Giuseppe Goacchino Belli, La scoperta dell’America de Cesare Pascarella e as poesias napolitanas de Salvatore di Giacomo.

Uma característica da segunda metade do século XIX é o novo papel intelectual que explode em toda a sua contraditoriedade com o movimento chamado Scapigliatura segundo o título de um romance de Cletto Arrighi.

A Scapigliatura não encontrou uma formulação teórica e poética completa como o Futurismo, mas teve, da mesma forma, o papel de colocar em crise a cultura oficial e o gosto burguês, embora não tenha com seguido evitar muitos motivos da escola romântica, como a ideia do suicídio, da morte, do macabro, do individualismo, motivos que até mesmo o Romantismo dos primeiros anos do Século XIX não tinha recusado. Emilio Praga, Arrigo Boito, Iginio Ugo Tarchetti e Giovanni Camerana são considerados os escritores mais interessantes do movimento.

A “Scapigliatura” é o momento no qual a literatura italiana começa a se separar do provincianismo e da falta de correspondência com a grande literatura europeia: começa-se a ler Victor Hugo, Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire, Heinrich Heine e, mais tarde, Maupassant, Zola, Goncourt e Balzac.

Dali vemos surgir o fenómeno do Verismo, literalmente ligado ao Naturalismo francês, mas com a notável diferença que o Verismo italiano tem carácter regional, dialectal e provincial (sobretudo do Sul de Itália), enquanto o Naturalismo francês se coloca num ambiente de proletariado urbano (Zola). O maior teórico do Verismo é Luigi Capuana, mas não podemos esquecer Federico De Roberto, Matilde Serao e os representantes da cultura regional toscana, Mario Pratesi e Renato Fucini. O maior representante do Verismo italiano é Giovanni Verga, cuja actividade literária é claramente dividida em dois períodos pela primeira novela de ambiente siciliano e de inspiração verística, Nedda, do ano de 1874, Grazia Deledda da Sardenha, Prémio Nobel no ano de 1926, escreveu seus romances com um estilo sóbrio, vigoroso e austero.

Também Carducci, Pascoli e D’Annunzio representam um problema para a crítica contemporânea, embora esta concorde em sublinhar a sua importância para a poesia do século XX. Os três poetas representam três diferentes soluções para um único problema, o métrico-estilístico, que se torna uma tentativa de superar a métrica italiana tradicional no sentido do verso livre e da grande revolução poética deste século.

Crítico e filólogo, Giosuè Carducci inaugurou um tipo de escola chamada “histórica” erudita, dirigida no sentido de pesquisas positivistas e analíticas, de edições críticas e da reconstrução do desenvolvimento da cultura e da vida nacional italiana, influenciando as tendências historiográficas sucessivas.

Gabriele D’Annunzio é considerado o maior representante do Decadentismo famoso graças aos romances Il Piacere e L’Innocente aos quatro livros das Laudi às poesias de Alcyone, às tragédias La figlia di Iorio e La Fiaccola sotto il moggio e à sua poesia, rica de uma temática variada, que abrange problemas de estética, parnasianismo, a ideia do super-homem, etc., características estas do chamado fenómeno do dannunzianesimo. A poesia torna-se, para D’Annunzio, uma descoberta intuitiva, para além das mediações intelectuais e reais, uma verdadeira orgia de imagens, sons, sensações, que encontram a sua expressão literária num estilo refinado e sensual.

A personagem-homem (naturalista) morre num dos romances mais famosos de Luigi Pirandello, Il fu Mattia Pascal, aonde, pela primeira vez, um protagonista actua sem motivações, podendo ou não fazer certas coisas. A personagem é desumanizada, avulso do seu próprio ser, observa a realidade, mas não participa nela.

É esta a linha da grande literatura europeia, de Pasternick a Beckett, que na Itália continua até hoje, nos romances de Moravia ou nas tentativas da nova-vanguarda.

Além de Pirandello, autor de romances, novelas e dramas (Così è se vi pare, Sei personaggi in certa d’autore, Enrico IV, Tutto per bene) è preciso recordar um inovador da nossa tradição cultural: Italo Svevo de Trieste, pseudónimo de Schmitz. Representante da cultura da Europa Central, foi o criador do romance psicológico La coscienza di Zeno, ao qual se seguiu Una vita e Senilità.

Ao lado de uma poesia denominada “crepuscular”, cujos maiores expoentes são Sergio Corazzini, Guido Gozzano e Marino Moretti, que nos transmitiram uma produção poética e narrativa de tipo intimista e decadente, porém rica, como demonstrou a crítica mais recente, de temas e técnicas que relembram as experiências de Pascoli e Montale, encontramos a poesia futurista.

O movimento que se desenvolveu em torno da figura de Filippo Tommaso Marinetti é importante, não só pela produção artística em si, mas também por ter sido a primeira verdadeira vanguarda, na Itália e na Europa, em que a arte tem ligação com a vida. O Futurismo é caracterizado pelo gesto, pela revolução anarquista, voltada no sentido da destruição, do enfraquecimento do poder burguês, através dos mesmos mitos que da sociedade eram símbolo e produto.

O período entre as duas guerras regista uma série de fenómenos: na poesia, o Hermetismo; na prosa, o Surrealismo italiano, o Realismo e o Neo-realismo de Vittorini e Pavese. Vittorini, depois da experiência de revolta política de Il garofano rosso atingiu, apenas em 1936-37, a superação definitiva do Naturalismo e a identificação da celebração histórica da personagem com o seu lirismo. Toda a produção de Pavese se desenvolveu na dialéctica entre o mundo do campo e a cidade, pólo negativo que significa falsidade e engano. Entre as suas obras lembramos Paesi tuoi, la Spiaggia, Ferie d’Agosto, La luna e i Falò, Il carcere, Il Compagno e I dialoghi com Leucò.

Ungaretti, Montale, Quasimodo e Saba, representam as vozes mais importantes da lírica do século XX, dirigida no sentido de uma realidade inexplicável, desdobrada em momentos, impossível de ser configurada num significado preciso, num estilo justamente chamado “hermético” que, como foi demonstrado em recentes estudos, representa o último desenvolvimento de uma tendência clássica que percorre toda a literatura italiana.

Em torno da década de 30, paralelamente à literatura tradicional, embora renovada com romances tipo Il Mulino del Po, de Bacchelli, Le Sorelle Materassi, de Palazzaschi, desenvolve-se, em Itália, o fenómeno chamado Realismo ou Primeiro Realismo, para diferenciá-lo do Neo-realismo da década de 50, parcialmente inspirado na tradição literária do período entre as duas guerras.

Levi e Pratolini não se incluem cronologicamente na geração do Realismo da década de 30, mesmo tendo ressentindo-se da sua influência. O primeiro escolheu um caminho criado com a experiência de Turim e o exemplo de Gobetti, e o segundo voltou ao regionalismo toscano, seguindo a linha Pratesi-Palazzeschi-Tozzi.

Levi foi o arquétipo do escritor que transmitiu nas suas obras o empenho e a problemática do pós-guerra, como em Cristo si è fermato a Eboli e L’orologio, enquanto Pratolini se manteve sempre em equilíbrio entre autobiografia lírica, o memorialismo e o compromisso político.

O clima cultural do imediato pós-guerra sofreu enormemente com os problemas que a reconstrução impôs à classe política e, logo, também à intelectual.

No entanto, o termo “Neo-realismo” dilatou-se até atingir um arco de produção que abrange Vittorini, Pavese, Moravia, Calvino, Fenoglio, Soldati, Levi, Pratolini, Mastronardi e Seminara.

O fenómeno esgota-se no decénio 1950-60 por um processo interno de esclerotização. De qualquer modo, é importante lembrar Moravia que, a partir de 1929, assumiu o papel de moralista crítico da sociedade burguesa, ainda que permanecendo exclusivamente no campo narrativo. Da sua vasta produção podemos lembrar Gli Indifferenti, Le ambizioni sbagliate, L’imbroglio, Agostino, La romana, La ciociaria, Il conformista e i Racconti romani.

Tommasi di Lampedusa, autor do Gattopardo, representa o retorno a uma forma literária mais refinada e ao gosto do romance histórico.

Um discurso à parte merecem dois autores como Carlo Emilio Gadda e Pier Paolo Pasolini, os quais, na sua diversidade estilística, cronológica e literária, representam duas soluções diferentes para o problema da linguagem. Gadda iniciara a sua actividade literária em 1926, com Il giornale di guerra e di prigionia, ao qual se seguiram La madonna dei filosofi, Il castello di Udine, L’Adalgisa, Novelle del ducato in fiamme, até ao sucesso com Quer pasticciaccio brutto de Via Merulana, editado em 1957, mas já anteriormente publicado em capítulos, em 1947, na revista Letteratura. Gadda depois de ter passado por três diferentes fases literárias, inaugurou um tipo de experimentação linguística que se tornou o produto de uma série de elementos diversos, amalgamados de forma, às vezes, caricatural.

Pasolini pertence a uma geração mais jovem de escritores. Começou a escrever em dialecto friulano com La meglio gioventù até chegar à ideologia marxista, interpretada através de uma visão pessoal de Gramsci (Le ceneri di Gramsci). O momento final deste processo – do individual ao colectivo – é representado pelos romances, pela exaltação do primitivo, da adolescência e do proletariado urbano. Nascem, assim, Ragazzi di vita e Una vita violenta e, mais tarde, as poesias de La religione del mio tempo e Poesia in forma di rosa.

Cassola e Bussani são talvez os escritores mais representativos de uma certa atitude intelectual, visando mais a análise dos insucessos do que a interpretação da situação.

Depois de 1968, também a neo-vanguarda se encaminhou no sentido da liquidação de certos produtos que já tinham perdido grande parte da sua característica provocatória junto do público, que agora os consome como um produto literário qualquer. Por um lado, assiste-se à repetição de experimentações já conhecidas e parcialmente desgastadas, por outro lado, é restaurada uma literatura tradicional que põe entre aspas a neo-vanguarda: explode, com toda a sua força, a literatura kitsch.

Ressurge a literatura de tipo naturalístico e o romance psicológico, tendências que frequentemente se entrelaçam até mesmo numa única obra. Saem os novos romances de Cassola, Bassani, Berto, Piovene, Prisco, Pomilio e das escritoras Manzini, Morante e Ginzburg.

Um caso a parte é representado pelo escritor Ignazio Silone. Ele viveu a sua utopia em apartada solidão: o sonho do encontro entre socialismo e cristianismo. Dão disso testemunho os seus romances: Fontamara, talvez o primeiro romance coral do século XX italiano, Vino e Pane, Una manciata di mare, L’avventura di un povero cristiano, expressões do drama da sua consciência.

Fonte:
www.iicbelgrado.esteri.it/

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