Dizem que as lebres dormem com os olhos abertos. Não sei se é verdade, nem para o caso isso tem importância de maior. O que é certo é que esta lebre de que vou falar, dormia uma tarde, à beira de um rio, quando as águas a atingiram rodeando-a lentamente... Espavorida, debateu-se entre o lodo e a água, mas, por mais esforços que fizesse, não pôde libertar– se daquela inesperada ameaça mortal. E ficou-se quase morta estendida, inerente, mal podendo respirar. Valeu-lhe o vento ter mudado e as águas tomarem novo curso...
Nisto, uma rã muito verdinha, vai ter com ela, sorrateira, e faz este comentário:
- Que parva!, que grande parva! Nadava, e era tão simples!
A lebre não estava morta. Com o sol, com o ar, tomou alento e ergueu-se até que chegou à sua toca. E desde então tomou tamanho susto pela água, que quando via uma gota de orvalho a faiscar nas relvas ou no arvoredo, ficava nervosa, perturbada, e já não sabia o que havia de fazer. Às vezes, recordava o palavreado da rã ouvido como um sonho e desejava encontrá-la para lhe contar duas tesas.
E, se bem o desejou, melhor o conseguiu. A pobre rã apareceu-lhe na curva de um caminho a coxear e a gemer.
- O que foi isso?, perguntou a lebre.
- Ai, menina, deixe-me cá. Um cão, um maldito cão que encontrei à pouco, atirou-se a esta minha perna que por um triz não se partiu... Mas, repare: não posso andar... Ai, a minha rica perninha; ai que dor, não posso andar! E se o dono do cão não se opõe, era uma vez uma rã...
- Idiota, grandessíssima idiota!, responde a lebre, desdenhosa: Se o remédio era tão simples, tão simples, tão natural: Correr, deitar a correr! Sim, correr e nada mais!
Assim disse a lebre que não sabia nadar à rã que não sabia correr. Uma e outra se julgaram como, em geral, na vida, sempre sucede: cada qual pensando em si só por si avalia o que aos outros acontece.
Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. RJ: Livraria Bertrand.
Nisto, uma rã muito verdinha, vai ter com ela, sorrateira, e faz este comentário:
- Que parva!, que grande parva! Nadava, e era tão simples!
A lebre não estava morta. Com o sol, com o ar, tomou alento e ergueu-se até que chegou à sua toca. E desde então tomou tamanho susto pela água, que quando via uma gota de orvalho a faiscar nas relvas ou no arvoredo, ficava nervosa, perturbada, e já não sabia o que havia de fazer. Às vezes, recordava o palavreado da rã ouvido como um sonho e desejava encontrá-la para lhe contar duas tesas.
E, se bem o desejou, melhor o conseguiu. A pobre rã apareceu-lhe na curva de um caminho a coxear e a gemer.
- O que foi isso?, perguntou a lebre.
- Ai, menina, deixe-me cá. Um cão, um maldito cão que encontrei à pouco, atirou-se a esta minha perna que por um triz não se partiu... Mas, repare: não posso andar... Ai, a minha rica perninha; ai que dor, não posso andar! E se o dono do cão não se opõe, era uma vez uma rã...
- Idiota, grandessíssima idiota!, responde a lebre, desdenhosa: Se o remédio era tão simples, tão simples, tão natural: Correr, deitar a correr! Sim, correr e nada mais!
Assim disse a lebre que não sabia nadar à rã que não sabia correr. Uma e outra se julgaram como, em geral, na vida, sempre sucede: cada qual pensando em si só por si avalia o que aos outros acontece.
Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. RJ: Livraria Bertrand.
Nenhum comentário:
Postar um comentário