O Visconde gritou mais uma vez:
— Vem vindo uma poeirinha tão pequenininha que até parece poeira de camundongo!...
— Quem poderá ser? — exclamaram as princesas, interrompendo a conversa.
Logo depois ouviu-se um tic, tic, tic, na porta, e Rabicó anunciou:
— Um senhor pingo de gente com umas botas maiores do que ele!
— O Pequeno Polegar! — gritaram as princesas — e acertaram.
Esquecidas de que eram famosas princesas, foram correndo receber o pequenino herói.
Era ele o chefe da conspiração dos heróis maravilhosos para fugirem dos embolorados livros de dona Carocha e virem viver novas aventuras no sítio de dona Benta. Polegar já havia fugido uma vez, e apesar de capturado estava preparando nova fuga — dele e de vários outros. Emília ficou num assanhamento jamais visto. Agarrou o heroizinho e o não largou mais. Botou-o no colo, fê-lo contar toda a sua vidinha.
Depois levou-o ao seu quarto de boneca para mostrar-lhe a porção de brinquedos que tinha.
— Antes de mais nada, tire as botas. Nem sei como o senhor tem coragem de andar com tamanho peso nos pés...
— É que sem elas não valho nada. Sou pequenino demais e fraco, mas com estas botas não tenho medo nem de gigante.
— E de elefante?
— Nem de elefante, nem de hipopótamo, nem de rinoceronte, nem de girafa, nem de anão mau, nem de serpente...
— E de jacarepaguá? — perguntou ainda a boneca, para quem jacarepaguá devia ser o monstro dos monstros.
— Nem de jacarepaguá, nem de nada. Cada passo desta bota anda sete léguas. Acha que um jacarepaguá , pode me pegar?
— Que beleza! — exclamou Emília extasiada. — Eu, se fosse o senhor, deixava-as aqui no sítio por uma semana. Que bom! Poderíamos brincar o dia inteiro de estar aqui e estar lá no mesmo instante...
Das botas passou aos seus brinquedos. Mostrou-lhe uma coleção de feijões pintadinhos que tia Nastácia lhe dera, o pincel de goma-arábica que lhe servia de vassoura e mil coisas. Polegar gostou de tudo, principalmente dum pito velho que tinha sido de tia Nastácia — um pito sem canudo. Gostou tanto que a boneca lhe disse:
— Pois se gosta, leve, que arranjo outro. Mas, com perdão da curiosidade, para que é que o senhor quer esse pito?
— Para brincar de esconder — respondeu o pingo de gente dando um pulo para dentro do pito e ficando tão bem escondidinho que ninguém seria capaz de o descobrir.
Emília era muito interesseira. Gostava de receber presentes, mas não de dar. O único presente que deu em toda a sua vida foi aquele pito. Mesmo assim, mais tarde, quando se lembrava do pito vinha-lhe um suspiro.
Estavam naquilo quando rompeu um grande rumor na sala. A boneca foi correndo ver o que era. Encontrou Branca de Neve muito assustada dizendo a Rabicó:
— Não abra! É o malvado que matou seis mulheres!...
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Continua... Cara de Coruja– V – Barba Azul
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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