sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Carlos Lúcio Gontijo (Poesias Escolhidas)

ANO NOVO

Não me importa a frase feita
Se a mulher amada não me vem
Não me importa nenhuma seita
Se a fé diz-me amém
Não me importa o termo
Se todos os ermos me acham
Não me importam os fenestrados
Se as portas não me encaixam
Não me importam os enlatados
Se a toda fome me abro
Não me importa o velho quadro
Se já pendurei-me um novo olhar.

CASA DE HERANÇA

Os olhos são o cio das luzes
Sem eles a claridade não teria razão
Nossa emoção espiritual é fio condutor
Calor que faz a prosopopéia dos objetos
Por isso, mãe, ao vender nossa casa
Foi como negociar meu berço
Cortar as asas de pássaro
Perder o terço de orações
Mãe, confesso que chorei
Molhei meu rosto feito nuvem de chuva
Abandonei paredes que erguemos com a mão
E o limoeiro, mãe, lá no meio do terreiro
Quando for de seca a estação
Quem vai adivinhar-lhe a sede?
Mãe, em outra rede a paisagem da janela
Nova sentinela para nossas coisas
Recordo uma vida de menos solidão
Quando antes desta minha viuvez de mãe
Até havia mais doce na acidez do limão!

JESUS SALVADOR

Do Menino-Jesus todos se sentem donos
         Assentados no trono frio do egoísmo humano
         Fazem-No patrono da eterna crucificação
         Depositário fiel de repetida salvação
         Relicário dos Céus à disposição do pecador
         Pincel miraculoso a nos renovar a cor
         Apontando-nos o amor como iluminada prece
         Oração da qual jamais se esquece o Criador! 

LÓGICA DAS BORBOLETAS

Cada borboleta é uma alavanca
Que arranca tumores do chão
Tudo então ganha asas e voa
Em coisa à toa se transforma toda mágoa
Não há por que se afogar em água rasa
Quando até larva se ergue alada
E faz do rastejar vida passada!

ALDEIA CAPITAL

Meço infinitos entre concreto
Num secreto desejo de abolição
Como rio que  sonha cachoeira
Meus olhos voam na poeira das ruas
Senzalas nuas da injustiça social
Crucificando braços, erguendo escuridão
Paisagens e laços da construção capital

Fonte:
Poesias enviadas pelo autor

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