Branca chegou a ficar zangada com Narizinho.
— Como é que para uma festa destas convida um monstro como esses? Se eu soubesse não vinha.
A menina desculpou-se, dizendo que não resistira à tentação de verificar se aquela barba era mesmo azul como diziam. Mas as princesas que não se assustassem, pois Rabicó não abriria a porta. E ansiosa por ver a tal barba, correu a espiar pelo buraco da fechadura.
— E é azul mesmo! — exclamou. — Azul como um céu!... Que horrendo monstro! Imaginem que traz na cintura um colar de seis cabeças humanas...
Não podendo resistir à curiosidade, as princesas também foram espiar. Cinderela observou:
— É esquisito isto! Sempre supus que o irmão da sétima mulher de Barba Azul o houvesse matado...
— É que não o matou bem matado — explicou Emília. – Outro dia aconteceu um caso assim aqui no sítio, Tia Nastácia matou um frango, mas não o matou bem matado e de repente ele fugiu para o terreiro...
Barba Azul danou de o não deixarem entrar. Deu vários murros na porta, ameaçando casar-se com toda aquelas princesas. Emília perdeu a paciência; botou boquinha no buraco da fechadura e berrou:
— Pois case, se for capaz! Mando Pé-de-Vento te ventar para os confins do Judas. Vá pintar essas barbas de preto que é o melhor, seu cara de coruja!
Barba Azul virou as costas e lá se foi, furioso da vida, resmungando que nem negra velha.
Logo em seguida chegou Aladim, recebido com grandes festas. Todos queriam ver a sua lâmpada maravilhosa e o seu anel mágico. Emília perdeu a vergonha, chegando a pedir-lhe a lâmpada.
— Não seja tão pidona assim, Emília! — advertiu a menina puxando-a de lado.
— Não é dada que eu quero, Narizinho. É emprestada; depois eu a entrego outra vez.
Aladim era um belo rapaz. As princesas rodearam-no com tantas festas que os príncipes, seus maridos haviam de ficar com ciúmes, se estivessem presentes. Depois veio o Gato de Botas. Narizinho e Emília aproveitaram a ocasião para lhe contar toda a história de falso gato Félix, que se impingiu como seu cinquentaneto.
— Mentira cínica! — disse o Gato de Botas. — Nunca me casei.
Não tive nem filho, quanto mais cinquentaneto!
O Pequeno Polegar veio cochichar-lhe ao ouvido alguma coisa — com certeza a respeito da tal conspiração contra dona Carocha.
Emília bem que apurou os ouvidos para ver se pescava alguma coisa, mas foi inútil, Nisto Cinderela bateu na testa, exclamando muito assustada :
— Céus! Deixei minha varinha de condão em cima do criado mudo. É capaz dalgum mau gênio aparecer por lá e furtá-la...
Imediatamente o Gato de Botas e o Pequeno Polegar se ofereceram para irem ao castelo em busca da varinha. Cinderela aceitou, com um sorriso de alívio. Minutos depois voltaram os dois, cada qual segurando a vara por uma ponta. Tanta foi a alegria da pobre princesa que deu um beijo na testa de cada um. Emília quis por força que Cinderela lhe desse a varinha, ao menos para a segurar por uns momentos. Insistiu tanto que Narizinho teve de ralhar com ela.
— Se continua com esses peditórios, leva um beliscão, está ouvindo? — disse-lhe ao ouvido.
A boneca fez bico e emburrou. Rosa Vermelha consolou-a, pondo-a ao colo e prometendo mandar-lhe um saco de presentes cada qual mais lindo. E estava ainda dizendo que presentes eram, quando a porta se abriu com violência. Havia chegado um novo personagem, muito aflito, com ar de quem foge da perseguição de alguém. Entrou, fechou a porta com a tranca e ainda ficou a escorá-la com os ombros, de olhos arregalados de pavor.
— Ali Babá! — exclamou Cinderela, que o conhecia dos bailes no castelo do príncipe Codadad.
O jovem voltou-lhe os olhos, como que pedindo que se calasse.
— Os quarenta ladrões souberam que eu vinha. Armaram uma emboscada aí no terreiro e por um triz que não me apanham...
— Como? — exclamou Narizinho. — Pois a Morgiana não matou essa gente toda com azeite fervendo?
— O azeite não estava bem fervendo — respondeu Ali Babá. — Queimou só, não deu para matar. Sararam, e agora andam me perseguindo por toda parte.
Aladim pulou à frente com a sua lâmpada na mão.
— Espere que já curo esses malandros! — disse. — Chamo o Gênio e num pingo de minuto ele espalha os quarenta ladrões.
— Que horríveis fuças! — dizia Narizinho com os olhos no buraco da fechadura. — Parece que foi nas caras que caiu o azeite fervendo. Todas ainda mostram as cicatrizes...
Aladim passou a mão pelo vidro da lâmpada. Uma fumacinha começou a surgir, que logo se transformou no Gênio.
— Amigo Gênio — disse ele — vá lá fora e espalhe duma vez para sempre esses quarenta bandidos que vivem atropelando o meu caro Ali Babá.
Ninguém sabe o que o Gênio fez, mas quem logo depois fosse ao terreiro não veria nem rasto de um ladrão, quanto mais os quarenta juntos! Ali Babá agradeceu muito a boa ação de Aladim.
Abraçaram-se, ficando desde aí os maiores amigos do mundo.
–––––––
Continua... Cara de Coruja– VI – Outros convidados
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Nenhum comentário:
Postar um comentário