quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Teófilo de Azevedo (Quadras Populares)


Para quem não sabe:
Quadra Popular
A forma lírica mais comum entre o povo; foi também utilizada por poetas de renome.
Composta por 4 versos de sete sílabas (redondilha maior), a rima surge geralmente no 2º verso e 4º versos, sendo os outros dois versos brancos (sem rima).
A quadra popular pode ser composta por uma única estrofe ou por várias.

Mandei buscar na botica
Remédio para uma ausência
Me mandaram uma saudade
Coberta de paciência

Sete e sete são quatorze
Com mais sete vinte e um
Soletra quem sabe ler
A paixão de cada um

Meu benzinho não é este
Nem aquele que lá vem
Meu benzinho está de branco
Não mistura com ninguém

Menina dos olhos pretos
Sobrancelhas de retrós
Dá um pulo na cozinha
Vá coar café prá nós

Quem quiser pegar morena
Arma um laço na parede
Que inda ontem peguei uma
Morena dos olhos verdes

Em cima daquela serra
Tem um ninho de carcará
Quando olho pra tua cara
Dou vontade de lançar

Atirei meu limão verde
Lá atrás da sacristia
Deu no ouro, deu na prata
Deu na moça que eu queria

Limoeiro pequenino
Carregado de limão
Eu também sou pequenino
Carregado de inluzão

Eu plantei e semeei
Carrapicho na “colonha”
A coisa que tenho raiva
É gente branca sem vergonha

A laranja de madura
Caiu nágua foi ao fundo
Os peixinhos estão gritando
Viva dom Pedro Segundo

Esta noite à meia-noite
Me cantava um gavião
Parecia que falava
Maria, meu coração

Cravo branco na janela
É sinal de casamento
Menina tira seu cravo
Inda não chegou seu tempo

Toda vez que considero
Que tenho de te deixar
Me foge o sangue na veia
E o coração do lugar

A garça pôs o pé n’água
Pode estar quarenta dia...
Eu fora do meu bem
Nem uma hora, nem um dia

Menina dos olhos pretos
Sobrancelhas de veludo
Vamos berganhar os olhos
Com sobrancelhas e tudo

Lá do céu caiu um cravo
De tão alto desfolhou
Quem quiser casar comigo
Vai pedir quem me criou

Eu joguei meu limão verde
Numa moça na janela
O limão caiu no chão
E eu caí no colo dela

Limoeiro pequenino
Carregado de “fulô’
Eu também sou pequenino
Carregado de “amô”

A perdiz pia no campo
Comendo seu capinzinho
Quem tem amor anda magro
Quem não tem, anda gordinho

Anum é pássaro preto
Pássaro do bico rombudo
Foi praga que Deus deixou
Pra todo negro beiçudo

Em cima daquela serra
Passa boi, passa boiada
Também passa moreninha
De cabelo cacheada

Batatinha quando nasce
Esparrama pelo chão
Meu benzinho quando dorme
Põe a mão no coração

Cigarrinho de papel
Fumo verde não fumega
Eu vejo moça bonita
Meu coração não sossega

As moças daqui da terra
Passam fome porque quer
Tanto coco macaúba
Tanto buriti no pé

Um coqueiro de tão alto
Que dá coco na raiz
Uma moça bonitinha
Com três palmos de nariz

Meu amor é só meu
Não é de mais ninguém
Quem tiver inveja dele
É fazer assim também

Amanhã eu vou-me embora
Eu não vou-me embora não
Se eu tivesse de ir-me embora
Eu não estava aqui mais não

O anel que tu me deste
Era de vidro e quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e já acabou

Caititu do Mato-Grosso
Corre mais do que cotia
Quando vejo mulher velha
Dou bênção e chamo tia

Se essa rua fosse minha
Eu mandava ladrilhar
Ou de ouro, ou de prata
Para meu bem passear

Alecrim da beira d’água
Não se corta de machado
Corta só de canivete
Cara de sapo rejado

Minha mãe me deu um pente
Todo crivado de ouro
Para fazer uma pastinha
Na janela do namoro

Duas correntes pesadas
Eu arrasto sem poder
Uma é do meu capricho
Outra é do meu dever

Bate bate coração
Arrebenta este peito
Como cabe tanta mágoa
Num espaço tão estreito?

Da Bahia me mandaram
Um presente num canudo
Tinha mais de conto de réis
Fora o dinheiro miúdo

Ninguém viu o que vi hoje
Um macaco fazer renda
E também vi um peru
Caxeirando numa venda

Camisinha de meu bem
Não se lava com sabão
Lava com raminho verde
Água no meu coração

Você disse que vai embora
Eu também já quero ir
Você disse não vai mais
Eu também “arresorvi”

Lá no céu tem três estrelas
Todas três encarrilhadas
Uma é minha, outra é sua
Outra de minha namorada

Mandei fazer um sobrado
De vinte e cinco janelas
Pra prender moça bonita
Morena cor de canela

Em cima daquela serra
Tem um caldeirão de ferro
Quem falar de minha vida
Está na porta do inferno

Calango desceu pra baixo
Foi vender sua farinha
Lagartixa respondeu
Vende a sua e deixa a minha

Lá no céu tem três estrelas
Vestidinhas de nobreza
Quem quiser casar comigo
Não repare minha pobreza

Trepei num morro de fogo
Com “precata” de algodão
Desci numa ponta de nuvem
Com mil coriscos na mão

Eu não dou a mão rapaz
Nem que seja meu parente
Porque rapaz tem o defeito
De apertar a mão da gente

Comprei uma camisinha
Que custou mil e quinhento
Toda vez que visto ela
Acho muito casamento

O anel que tu me deste
Na procissão do Senhor
Era frouxo no meu dedo
Acochado no amor

Da folha da bananeira
Pingou três pingos de prata
Da família de meu bem
É só ele quem me mata

Em cima daquela serra
Corre água sem chover
Os mocinhos da cidade
Me namoram sem me ver

Essas meninas dagora
Só sabem namorar
Botam a panela no fogo
E não sabem temperar

Menina de olhos pretos
Que inda ontem eu reparei
Se há mais tempo eu reparasse
Eu não amava quem amei

Lá vai a garça voando
Com as penas que Deus lhe deu
Contando pena, por pena
Mais pena padeço eu

Eu plantei um pé de rosa
Para te dar um botão
O pé de rosa morreu
Eu te dou meu coração

Baixa baixa serraria
Que eu quero ver a cidade
Meu amor aqui tão perto
E eu morrendo de saudade

Amanhã eu vou-me embora
Pela semana que vem
Quem não me conhece chora
Que fará quem me quer bem

Se eu soubesse quem tu eras
Quem tu havia de ser
Meu coração não te dava
Para agora eu padecer

Você disse que bala mata
Bala não mata ninguém
A bala que mais me mata
São os olhos de meu bem

Menina toma esta uva
Da uva faça seu vinho
Seus braços serão gaiola
Eu serei seu passarinho

A folha da bananeira
De tão verde amarelou
O beijinho de meu bem
De tão doce açucarou

Você disse que sou bonita
Mais bonito é seu cabelo
Cada cacho vale um conto
Cada conto vale um selo

Um coqueiro de tão alto
Pôs a rama na Bahia
Onde tem moço solteiro
Casado não tem valia

Lá no céu tem nuvem
Mas não é para chover
Antes de chegar domingo
Meu benzinho vem cá me ver

Sete cravos sete rosas
Na ponta de um alfinete
Meu benzinho está no meio
Servindo de ramalhete

Toda vez que o galo canta
No retiro onde moro
Me lembro do meu benzinho
Saio do terreiro e choro

Lá no céu está trovejando
Mas não é para chover
Meu benzinho está doente
Mas não é para morrer

Sete e sete são quatorze
Com mais sete vinte e um
Eu tenho sete namorados
Mas eu gosto é só de um

Sexta-feira faz um ano
Que meu coração fechou
Quem morava dentro dele
Tirou a chave e levou

Joguei o branco n’água
O moreno no jardim
Quem quiser o branco eu dou
O moreno é só para mim

Eu tenho um vestidinho
Todo cheio de babado
Toda vez que visto ele
Quarenta e cinco namorado

Em cima daquela serra
Tem um pé de papaconha
Tira a folha e lava a cara
Descarado sem vergonha

Em cima daquela serra
Tem dois pilãozinhos de ferro
Um bate, outro responde
Meu bem está no inferno

Ante-ontem à meia-noite
Saiu faca da bainha
Estão querendo me matar
Sabendo que a roxa é minha

O padre quando namora
Passa a mão pela coroa
Namora, padre, namora
Namorar é coisa boa

Menina não veste curto
Se tens a perna roliça
O padre da freguesia
Tudo que vê cobiça

Não me chame boiadeiro
Não sou boiadeiro não
Sou tocador de boiada
Boiadeiro é meu patrão

Quem tiver o segredo
Não conte à mulher casada
A mulher conta ao marido
O marido à rapaziada

Se eu soubesse da certeza
Que meu bem vinha cá hoje
Eu varria a casa cedo
Semeava pó de arroz

Amanhã eu vou-me embora
É mentira não vou não
Quem vai embora é meu corpo
Mas não vai meu coraçao

Em cima daquela serra
Tem um banco de areia
Onde assenta mulher velha
Pra falar da vida alheia

Esta noite eu tive um sonho
Mas, ó que sonho atrevido
Sonhei que estava abraçado
Com a forma de seu vestido

Esta noite eu tive um sonho
Um sonho todo de louco
Abraçado com uma pedra
Dando bicota num toco

Quem me dera estar agora
Lá no mato, no sertão
Onde está minha saudade
Onde está meu coração

Joguei meu chapéu pra cima
Para ver onde caía
Caiu no colo da velha
Cruz em credo, Ave Maria!

Adeus plantas, adeus rios,
Adeus gente do lugar
Vou partindo, vou chorando
Com vontade de voltar

Quando vim de minha terra
Muita gente lá chorou
Só uma velha muito velha
Muita praga me rogou

Quem inventou a partida
Não entendia de amor
Quem parte, parte chorando
Quem fica, morre de dor

Oh! linda Pirapora
Lugar de ganhar dinheiro
Vou ganhar mil e quinhentos
Na turma dos engenheiros

Marmelo é fruta gostosa
Onde dá na ponta da vara
Mulhe que chora por homem
Não tem vergonha na cara

Mamãe me chamou de feia
Ela só quer ser formosa
Ela vai ser roseira
Eu vou ser botão de rosa

Não tenho medo do homem
Nem do ronco que ele tem
O besouro também ronca
Vai se vê, não é ninguém

Em cima daquela serra
Tem um velho fogueteiro
Quando vê moça bonita
Fica todo regateiro

Você de lá e eu de cá
Ribeirão passa no meio
Você de lá dá um suspiro
Eu de cá, suspiro e meio

Eu pus minha mão na sua
Você a sua na minha
Ficou uma coisa justa
Como faca na bainha

Você ontem me falou
Que não anda nem passeia
Como é que hoje cedinho
Eu vi seu rastro na areia?

Não dês a ponta do dedo
Que logo te levam a mão
Depois da mão, vai o braço
Vai o peito e o coração

Uma velha muito velha
Mais velha que o meu chapéu
Foi pedida em casamento
Levantou as mãos pro céu

Um surdo disse que ouviu
Um pobre mudo dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr

Subi na serra do fogo
Com sapato de algodão
O sapato pegou fogo
E eu voltei de pé no chão

Prima pulga está doente
Taturana está parida
Meu compadre percevejo
Está de espinhela caída

Fonte:
Azevedo,Teófilo de. Literatura popular do norte de Minas: a arte de fazer versos.São Paulo, Global Editora, 1978. Cultura Popular, 3.

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