Martinho era um rapazito, que ganhava a sua vida a fazer recados; um dia, tornando de uma aldeia muito distante da sua, morto de fadiga, deitou-se debaixo de uma árvore, à porta de uma estalagem, na beira da estrada. Principiava a comer um bocado de pão que tinha trazido para jantar, quando chegou uma bela carruagem, em que vinha um fidalguinho, com o seu preceptor. O estalajadeiro correu logo a perguntar aos viajantes se queriam apear-se, mas responderam-lhe que não havia tempo, e que lhes trouxesse ali mesmo um frango assado e uma garrafa de vinho.
O Martinho ficou pasmado a olhar para eles; olhou depois a sua côdea de broa, a sua velha jaqueta, o seu chapéu todo roto, e suspirando exclamou baixinho:
– Quem me dera a mim no lugar daquele menino tão rico! Antes ele aqui estivesse, e eu dentro da sua carruagem!
O preceptor ouviu o Martinho e repetiu as palavras dele ao seu aluno; este, lançando a cabeça fora da berlinda, chamou pelo Martinho com a mão.
– Diz-me lá é rapaz: ficavas satisfeito, podendo trocar a minha sorte pela tua?
Desculpe, meu senhor, replicou o Martinho corando, aquilo que eu disse não foi por mal.
– Olha que me não zango, tornou o fidalguinho. Ao contrário, vamos fazer a troca.
– Isso é mangação!... tornou o Martinho; um menino tão rico punha-se mesmo agora no meu lugar! Papo muitas léguas ao dia, como broa e batatas, e o senhor fidalguinho anda de carruagem, janta frangos e bebe do melhor.
– Pois se me dás o que tens e que eu não tenho, levas em troca e de boa vontade a minha riqueza toda.
O Martinho ficou de olhos pasmados, sem saber o que havia de responder; mas o preceptor continuou:
– Aceitas a troca?
– Ora essa! concluiu o Martinho, é boa a pergunta! Oh! como toda a gente da aldeia vai ficar assombrada quando me virem rodar numa carruagem tão bonita.
Então o fidalguinho chamou o trintanário, que abriu a portinhola e o ajudou a descer. Mas qual foi o espanto do Martinho, vendo-lhe uma perna de pau e a outra tão fraca, que se via obrigado a andar em duas muletas! Depois observando-o de mais perto, notou que era muito pálido, com cara triste de doente.
O fidalguinho sorriu e acrescentou com ar benévolo:
– Vê Já, sempre desejas a troca? Darias, se pudesses, as tuas pernas valentes e as tuas faces vermelhas, pelo gozo de ter uma carruagem e de andar bem vestido?
Oh! não, já não quero! replicou o Martinho.
– Pois eu, antes desejaria ser pobre e ter saúde. Mas, quis o destino que fosse aleijado e doente; sofro os achaques com paciência, dando graças a Deus pelos bens que me entregou na sua infinita misericórdia. Faz tu o mesmo, e lembra-te que, se és pobre e comes mal, tens força e saúde, coisas que valem bem uma carruagem, e que não podem comprar-se com dinheiro.
Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário