Chove. A velha está no seu esconderijo. Mas não está só; rodeiam-na suas três filhas que querem sair mesmo a chover. E a velha raposa, de um lado para o outro, trabalhadora, inquieta, vigiando as maldades das filhas, acabou por se cansar e sentou-se molengona a abrir a boca e a fechar os olhos.
- Mãe, conta-nos uma história; mas não uma história moral; está a chover, e quando há chuva a moral não sai muito limpa...
- Disparates, respondeu a mãe. Uma história sem moral é como uma capoeira sem galinhas. Vou, pois, contar uma história, mas é preciso que as meninas estejam com atenção:
Era uma vez uma nossa parenta que possuia a mania de colecionar só objetos brilhantes: pedaços de cristal, metais, botões, jóias, esmaltes, e em poucos meses a casa dela era um verdadeiro museu variado e valioso. E quando alguém lhe passava ao pé da porta, só de pálpebras cerradas poderia resistir a tanto brilho ali concentrado. A colecionadora mal comia. Alimentava-se a olhar para os diamantes brancos e azuis que eram os que mais distinguia na sua paixão pelos brilhos. Mas uma noite de Inverno choveu tanto, tanto, tanto que o mundo quase se desfazia alagado em tanta chuva. Uma noite, não enganei-me: foram três dias e três noites - fechada, sozinha, sem alimentos, e sem poder consegui-los...
- Morreu de fome, já se vê, disse a filha mais novinha.
- Não, respondeu a raposa. Pôs-se a gritar e ouviram-na.
Ao cabo de algum trabalho, lá conseguiram chegar ao famoso esconderijo e socorreram-na como foi possível: dois frangos por sete lascas de brilhantes, e outras trocas assim. Mas salvou-se, e era o importante.
- É perto daqui, minha mãe?, perguntou a do meio.
- Ainda que esteja perto, ainda que lhe toquemos com o dedo, tudo quanto não é nosso está na lua, entendeste?
Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. RJ: Livraria Bertrand.
- Mãe, conta-nos uma história; mas não uma história moral; está a chover, e quando há chuva a moral não sai muito limpa...
- Disparates, respondeu a mãe. Uma história sem moral é como uma capoeira sem galinhas. Vou, pois, contar uma história, mas é preciso que as meninas estejam com atenção:
Era uma vez uma nossa parenta que possuia a mania de colecionar só objetos brilhantes: pedaços de cristal, metais, botões, jóias, esmaltes, e em poucos meses a casa dela era um verdadeiro museu variado e valioso. E quando alguém lhe passava ao pé da porta, só de pálpebras cerradas poderia resistir a tanto brilho ali concentrado. A colecionadora mal comia. Alimentava-se a olhar para os diamantes brancos e azuis que eram os que mais distinguia na sua paixão pelos brilhos. Mas uma noite de Inverno choveu tanto, tanto, tanto que o mundo quase se desfazia alagado em tanta chuva. Uma noite, não enganei-me: foram três dias e três noites - fechada, sozinha, sem alimentos, e sem poder consegui-los...
- Morreu de fome, já se vê, disse a filha mais novinha.
- Não, respondeu a raposa. Pôs-se a gritar e ouviram-na.
Ao cabo de algum trabalho, lá conseguiram chegar ao famoso esconderijo e socorreram-na como foi possível: dois frangos por sete lascas de brilhantes, e outras trocas assim. Mas salvou-se, e era o importante.
- É perto daqui, minha mãe?, perguntou a do meio.
- Ainda que esteja perto, ainda que lhe toquemos com o dedo, tudo quanto não é nosso está na lua, entendeste?
Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. RJ: Livraria Bertrand.
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