quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

J. G. de Araújo Jorge (Trevos de Quatro Versos) 1

SOBRE A TROVA

Tudo é trova: a flor, a onda,
A nuvem que passa ao léu
E a lua, trova redonda
Que a noite canta no céu!

Ah, trova com quem me enleio...
- Tens um gingado qualquer
Que lembra esse bamboleio
Do corpo de uma mulher...

A todos prende e cativa,
E não se rende a qualquer...
- É pequena, mas esquiva...
... Não fosse a trova, mulher...

TROVAS

Sejam felizes ou não
Cantando instantes diversos,
As trovas do coração,
são trevos de quatro versos.

Rico eu sou, mesmo sem ouro
E da riqueza, dou provas,
- eis aqui o meu tesouro:
Minha sacola de trovas.

Tão simples, as trovas são
Cantigas com que a alma expande
Tudo o que há no coração
Do poeta - um menino Grande.

Meu terço feito de trovas
Que em versos fico a compor,
Com ele rezo, e dou provas
Do meu culto ao teu amor!

EU FAÇO VERSOS

 Eu faço versos assim
Como quem respira ou canta,
A poesia nasce em mim
Como do chão nasce a planta...

E como que por encanto
Minha dor se vai embora
Pois estas trovas que eu canto
São feitas... como quem chora...

De mãos dadas com as lembranças
Com o mar, com a noite, com a lua
Faço versos, como as crianças
Fazem ciranda na rua…

TUAS MÃOS...

Ternura de cinco pontas
Viva, estranha, inquieta flor...
Tuas mãos são duas contas
Do meu rosário de amor.

Delicados diademas
Trabalhadas obras-primas...
...Tuas mão sãos dois poemas
Rimando, em vermelhas rimas...

Ah, mãos tão frágeis, parecem
Pedir arrimo e guarida...
E entretanto, se quisessem
Guiariam minha vida…

GLÓRIA ?

Minha maior alegria
minha glória humilde e nua
é ver a minha poesia
fazer ciranda na rua...

 Por certo que me comovo,
nem glória existe maior :
ouvir um poeta o seu povo
dizer seus versos de cor !

A POESIA

Poesia, flor de mistério
que brota do coração
e abre as pétalas de etéreo
no céu da imaginação.

Vivo a vida cada dia,
vida comum, sem engodos,
por isto a minha poesia
reflete a vida de todos

A poesia que desejo
tiro de mim como aquela
cantiga do realejo
se alguém roda a manivela…

SOLIDÃO

Por certo a pior solidão
É aquela que a gente sente
Sem ninguém no coração...
No meio de muita gente...

Praias longe, em solidão
Fora de todas as rotas,
Tal como o meu coração
Só como o sonho... das gaivotas…

A VIDA

Gota d'água transparente
que brilha, cresce...e que cai!
Assim a vida da gente
que num instante se vai!

A Vida, - mistério vão
sombra agora, depois luz,
- estranho traço de união
ligando um berço... a uma cuz!

A Vida - uma onda que avança
e volta, vai-vem do mar...
Quando vai, quanta esperança!
Quanta amargura, ao voltar!

A Vida - visão fugaz,
praia chã, mar que alteia,
onda que faz e desfaz
os seus cabelos de areia...

A Vida - ansiosa escalada
sobre a paisagem do mundo
Tanto esforço para nada
se há sempre abismo no fundo!

Às vezes penso que a vida
que há tanta gente a querer
só existe, - indefinida -
pra gente poder morrer...

Ó pobre vida suicida!
Teu destino é uma ironia
se o que chamamos de vida
é um morrer de cada dia!

Numa amizade perdida,
num amor que se desgraça,
a morte desconta a vida
a cada dia que passa!

Há uma ironia, contida
nas contigências da sorte:
- quanto mais se vive a vida
mais se avança para a morte.

Vive a vida bem vivida
e ao mais, esquece e revela,
que a gente leva da vida
a vida que a gente leva…
Fonte:
J.G. de Araujo Jorge . Trevos de Quatro Versos". 1. ed. Livraria São José, 1964

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