quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Antonio Botto (Leviandade)


Havia uma figueira muito velha, e o dono, que também era velhote, um dia, depois de a olhar, exclamou:

- Esta árvore não presta.

Durante setenta anos, carregadinha, dera saborosos frutos, mas, maltratada, carcomida pelo tempo, apenas as suas folhas, quando o sol na Primavera aquecia as almas e o mundo, rebentavam ainda viçosas, plenas de graça e de frescura. Já não podia dar figos.

Outro dia, o velho dono, voltando-se para o filho mais novo, murmurou num tom velado de saudade e de tristeza:

- Creio que é tempo de eu poder descansar um pouco e ficar em sossego, sem canseiras, sem cuidados, a aproveitar esta luzerna de vida que me resta, depois de setenta anos de trabalho.

- Setenta anos!, como a figueira, meu pai!

- O velho baixou a cabeça e nunca mais repetiu: - Esta árvore não presta.

Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. Livraria Bertrand

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