terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Jeanette Monteiro De Cnop (Tecelã de Textos)


Jeanette Monteiro De Cnop não se considera uma escritora, na acepção mais usual do termo, apesar de se sentir honrada por pertencer à Academia de Letras de Maringá, desde a sua fundação. Define-se como trabalhadora na seara da palavra, artesã da linguagem, ofício pelo qual se encantou desde menina, em Itaperuna (RJ). Vocação antiga!

Neste livro, Tecelã de Textos, expõe sua trajetória de vida, desde as primeiras experiências com o estudo e com o trabalho, mas especialmente com o seu fazer de professora. E é a esse abençoado labor que dedica a maior parte de sua obra. Delineia seu percurso de professora universitária e pesquisadora. Inclusive presenteia universitários de cursos ligados à docência e a professores de Língua Portuguesa (mas não só) com uma exposição minuciosa de sua prática pedagógica e dos projetos que desenvolveu na Universidade Estadual de Maringá (UEM), em especial a coordenação das “Oficinas de produção textual”.

Faz uma incursão na história do movimento trovadoresco no Estado do Rio de Janeiro e ainda recorda episódios que testemunhou nos eventos culturais de Maringá (PR), desde a primeira estada na cidade, em 1970.

Além de dedicar capítulo especial à sua obra-prima (4 filhos maringaenses), narra experiências como internauta, fala do afetivo envolvimento com alunos, com amigos e com a família, apresentando, junto a uma retrospectiva da vida, crenças, valores, justificativas para o teimoso otimismo que caracteriza toda a sua história, em construção.

No capítulo final, expõe sua maneira de ver a vida pelo ângulo da Doutrina Espírita, o que seguramente norteou a condução de sua trajetória, tanto pessoal quanto profissional, e no relacionamento com as pessoas

Permeia a obra de fotos, trovas e poemas, e conclui com pequena coletânea de textos de alunos, acadêmicos de Letras da UEM.

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TECENDO O TEMPO
(Sobre Tecelã de textos, de Jeanette Monteiro De Cnop)

* Luciana Rabelo

“Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepção de toda espécie… Ali repousa tudo o que a ela foi entregue, que o esquecimento ainda não absorveu nem sepultou… Aí estão presentes o céu, a terra e o mar, com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, exceto os que esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo e recordo das ações que fiz, o seu tempo, lugar, e até os sentimentos que me dominavam ao praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, aprendidos pela experiência própria, ou pelo testemunho de outrem.” (Santo Agostinho, Confissões)

Os leitores de Jeanette Monteiro De Cnop (e a própria Tecelã) que me perdoem o tamanho da epígrafe mas penso que os cinco períodos supraditos compõem um bloco inteiriço de poesia e realidade (que andam sempre juntas – sublinhemos – , ao contrário do que pensa muita gente desatenta). Desse modo, temi mutilá-lo, e daí a extensão demasiado longa da epígrafe, a qual me pareceu apropriada para dar início às minhas palavras sobre o livro de minha amiga, a Tecelã Jeanette Monteiro De Cnop. Seus leitores não precisam se assustar: serei breve e leve, mas não supérflua nem leviana (espero).

Tecelã de textos, que agora se reedita, tem, sim, tudo a ver com Santo Agostinho. Por quê? Porque tem a ver com esta deusa que pouco cultuamos e que muito nos enriquece, Mnemosyne, também conhecida como Memória, mãe das musas. É com o auxílio dessa deusa que Jeanette Monteiro De Cnop recupera para si e para nós a sua história e a dos seus, desde a Itaperuna natal até os nossos dias, lá na cidade que saiu da música de Joubert de Carvalho, a bucólica Maringá. Assim, pela anamnese, ou anamnésia, ou anámnesis, como queiram, a Tecelã fluminense-paranaense vai mais além das “vivências de uma professora de Língua Portuguesa”, subtítulo de seu livro. Vai ao encontro de si, de sua nascente (passado ou futuro?), de seu curso e de sua foz (futuro ou passado?), criança, adolescente-professora, mulher adulta, esposa, mãe, Professora, com todos os efes e erres, haja vista a foto da página 224, da qual sinto alguma inveja (sadia), saiba-o, Jeanette Monteiro De Cnop. Anamnese (minha forma preferida), é bom que frisemos aqui, que difere daquela que é tão-somente manobra literária, à Roland Barthes. Trata-se, portanto, de memória deliberada, voluntária (“memória-hábito, como a chama um dos grandes estudiosos do assunto, Henri Bergson), apesar de os “borbotões, numa madrugada após dias de chuva, numa temporada de férias em balneário Canoas, perto de Praia de Leste, no litoral do Paraná” fazerem-nos pensar o contrário, na “memória-pura”, espontânea, conforme ainda a tipologia bergsoniana. A “madeleine” de Jeanette é outra, não entra pela memória gustativa, como a de Marcel; mas sim pela memória intelectual.

Com isso não queremos dizer, por outro lado, que falte à Tecelã de textos a memória social, objetiva, histórica (basta que leiamos, por exemplo, logo de entrada, à página inicial, “Menininha tímida pede licença para chegar”), nem tampouco literariedade. Não, decididamente não. Quer pelo plano do conteúdo, em que a matéria é a memória da mulher e da profissional, quer pelo plano da expressão, pelo qual a “memorialista” arma seus textos verbais e não-verbais, o que dá ao livro o sentido mesmo de uma bem-acabada tessitura. A princípio, atrai-nos a experiência existencial e didática da Autora, o quê ela nos conta; à medida que a leitura avança, porém, percebemos-lhe a mensagem poética, o como ela se conta a nós. Depois da leitura de Tecelã de textos, o que nos resta é um gosto de “quero-mais”…

Obrigados nós, leitores, Tecelã Jeanette Monteiro De Cnop!

Jardim, MS, 8 de junho de 2005.

* Luciana Rabelo é professora universitária (UEMS) e Mestre em Literatura Brasileira (UNESP), com a dissertação Tempo e Memória em Os tambores de São Luís, em que analisa essa obra memorialista de Josué Montello.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

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