ACUSAÇÃO
Você me acusa
pelas sombras
que nos cobrem
Não tenho a quem culpar
Guardamos a chave
quando passou a vigésima quinta hora
e os deuses de que fala
nunca souberam de nós
Estamos abandonados
na última vez
na impossível desdobradura
E eu afirmo:
amanhã ainda seremos
somente os dois
o verbo coagulando no escuro.
HARMONIZAÇÃO
Demorasse a tua mão
um pouco mais
sobre o meu ombro
e me nasceriam asas
Em silêncio
logo o pressentimento
o pacto e o voo:
grades e escarpas
ruindo sob as pernas
cúmplices, entrelaçadas
as nossas.
REINVENÇÃO
Vertendo do branco:
eu, o anti-herói
preso a ganchos de ar
por sobre as fragas da razão
duras lâminas
que evisceram
a argamassa do corpo
a desbordar de mim
banal, rude, rala argila
não reluz. Só o que destila
por trás do que me é oculto
se esconde à vista
É grampo no avesso
— até a secreção
vir à voz, exposta
aos anjos e algozes
Então o instante que espero
quando me reinventam os dias
e as aves planam
sob o vulto explícito e sem sede
Gritem medos e mentiras
para o estômago do nunca
(o julgamento está surdo
e a tentação de não ser
para hoje
está morta
afogada).
POSSE
O ar é só pele:
teu corpo expira
das dobras do mapa
aquece os dedos
saliva doce na boca
as esferas do sal
A falta é tensão
teu vulto invasivo
conturbando o pulso
em pedras candentes
nas farpas da noite
O ventre esfria
e explode em tentáculos
da fluida água marinha
vertigem que plana e pesa
por sobre as vozes
os cortes do dia
— teu sempre
no fundo de mim.
METAMORFOSE
Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca
Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu
Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim
Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar
E já não chovia
E era tão bom.
INVERSÃO
O esgotamento vem
do vazio
esse fundo
enredo de vozes
que uma só valem —
atrás dos nódulos do espanto
das folhas da súplica
e da sequência de sombras
sem volta,
a ilusão habita
a insônia
vergonha e ridículo
do homem parado
diante da pedra.
MIRAGEM
Somos ficção
Simulamos o invisível
e a imagem
no reflexo
do espelho — ali nada há
como nada somos
Onde encontrar
a verdade
ou a real essência
desses fantoches
de nós mesmos
se os mistérios
não estão em lugar
mas no que mais fundo
escondemos?
FILME
I
Ao mundo invisível
ao avesso do que é
onde fôssemos sólidos
no todo em transparência
que nos puxasse a planta mágica
retorno cauterizado para sempre
No ar eu sentiria
só o teu sentir meu corpo
um esquecimento cheio de ti
da pele de doces frutas
na boca o sumo e do mundo só
o teu corpo todo meu
como voar pelas voltas do pescoço
e dos ombros
volta ao torso e teus quadris
de volta sobre as pernas
agora nas minhas mãos
nos teus cabelos
II
Funda imersão
dessas que um filme
guarda caleidoscópico
sussurrado, ardente.
NUNCA
Um dia encontrei o nunca
preso ao teto
para onde nunca olhei
Tinha a aparência terrível
de uma gárgula
úmida de sangue
Mas sob os flagelos
era apenas
um pardal
tão sem pressa
desses que banais habitam
as árvores, a cegueira
Com voz serena e doce
disse que sendo nunca
era eterno, letra em todo nome
Soube quem era o nunca
e meu peito, arfando
pelo que não se esquece
aprendeu a respirar assim
um pouco menos
seca a parte que nunca mais.
PULO DO GATO
Recostado
à porta do tempo
esperava a transfiguração
a clareza nos olhos
voo, mergulho, fogo
(viria a revelação
troca de pele)
Mas terras e nomes
disseram flores e ainda
flechas e farsas
e a hora foi mais veloz
do que os sentidos
Perdi o momento de partir
o norte da migração
Agora
nas pausas da noite
fica o gosto pouco
de raízes
a tênue respiração
de pequenas asas
o desconhecimento
da vontade dos pés
e das mãos.
Você me acusa
pelas sombras
que nos cobrem
Não tenho a quem culpar
Guardamos a chave
quando passou a vigésima quinta hora
e os deuses de que fala
nunca souberam de nós
Estamos abandonados
na última vez
na impossível desdobradura
E eu afirmo:
amanhã ainda seremos
somente os dois
o verbo coagulando no escuro.
HARMONIZAÇÃO
Demorasse a tua mão
um pouco mais
sobre o meu ombro
e me nasceriam asas
Em silêncio
logo o pressentimento
o pacto e o voo:
grades e escarpas
ruindo sob as pernas
cúmplices, entrelaçadas
as nossas.
REINVENÇÃO
Vertendo do branco:
eu, o anti-herói
preso a ganchos de ar
por sobre as fragas da razão
duras lâminas
que evisceram
a argamassa do corpo
a desbordar de mim
banal, rude, rala argila
não reluz. Só o que destila
por trás do que me é oculto
se esconde à vista
É grampo no avesso
— até a secreção
vir à voz, exposta
aos anjos e algozes
Então o instante que espero
quando me reinventam os dias
e as aves planam
sob o vulto explícito e sem sede
Gritem medos e mentiras
para o estômago do nunca
(o julgamento está surdo
e a tentação de não ser
para hoje
está morta
afogada).
POSSE
O ar é só pele:
teu corpo expira
das dobras do mapa
aquece os dedos
saliva doce na boca
as esferas do sal
A falta é tensão
teu vulto invasivo
conturbando o pulso
em pedras candentes
nas farpas da noite
O ventre esfria
e explode em tentáculos
da fluida água marinha
vertigem que plana e pesa
por sobre as vozes
os cortes do dia
— teu sempre
no fundo de mim.
METAMORFOSE
Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca
Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu
Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim
Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar
E já não chovia
E era tão bom.
INVERSÃO
O esgotamento vem
do vazio
esse fundo
enredo de vozes
que uma só valem —
atrás dos nódulos do espanto
das folhas da súplica
e da sequência de sombras
sem volta,
a ilusão habita
a insônia
vergonha e ridículo
do homem parado
diante da pedra.
MIRAGEM
Somos ficção
Simulamos o invisível
e a imagem
no reflexo
do espelho — ali nada há
como nada somos
Onde encontrar
a verdade
ou a real essência
desses fantoches
de nós mesmos
se os mistérios
não estão em lugar
mas no que mais fundo
escondemos?
FILME
I
Ao mundo invisível
ao avesso do que é
onde fôssemos sólidos
no todo em transparência
que nos puxasse a planta mágica
retorno cauterizado para sempre
No ar eu sentiria
só o teu sentir meu corpo
um esquecimento cheio de ti
da pele de doces frutas
na boca o sumo e do mundo só
o teu corpo todo meu
como voar pelas voltas do pescoço
e dos ombros
volta ao torso e teus quadris
de volta sobre as pernas
agora nas minhas mãos
nos teus cabelos
II
Funda imersão
dessas que um filme
guarda caleidoscópico
sussurrado, ardente.
NUNCA
Um dia encontrei o nunca
preso ao teto
para onde nunca olhei
Tinha a aparência terrível
de uma gárgula
úmida de sangue
Mas sob os flagelos
era apenas
um pardal
tão sem pressa
desses que banais habitam
as árvores, a cegueira
Com voz serena e doce
disse que sendo nunca
era eterno, letra em todo nome
Soube quem era o nunca
e meu peito, arfando
pelo que não se esquece
aprendeu a respirar assim
um pouco menos
seca a parte que nunca mais.
PULO DO GATO
Recostado
à porta do tempo
esperava a transfiguração
a clareza nos olhos
voo, mergulho, fogo
(viria a revelação
troca de pele)
Mas terras e nomes
disseram flores e ainda
flechas e farsas
e a hora foi mais veloz
do que os sentidos
Perdi o momento de partir
o norte da migração
Agora
nas pausas da noite
fica o gosto pouco
de raízes
a tênue respiração
de pequenas asas
o desconhecimento
da vontade dos pés
e das mãos.
Fontes:
- Poemas enviados por Carlos Machado, de poesia.net.
- Alberto Bresciani. Incompleto Movimento. RJ: José Olympio, 2011.
- Antonio Miranda.
- Poemas enviados por Carlos Machado, de poesia.net.
- Alberto Bresciani. Incompleto Movimento. RJ: José Olympio, 2011.
- Antonio Miranda.
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