sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Ascenso Ferreira (Poemas Avulsos)

O GÊNIO DA RAÇA

 Eu vi o gênio da raça!!!
 (Aposto como vocês estão pensando que eu vou
 falar de Rui Barbosa).
 Qual!
 O Gênio da Raça que eu vi
 foi aquela mulatinha chocolate
 fazendo o passo de siricongado
 na terça-feira de carnaval!

MINHA ESCOLA

 A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
 E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
 Complicado como as Matemáticas;
 Inacessível como Os Luzíadas de Camões!

 À sua porta eu estava sempre hesitante...
 De um lado a vida... - A minha adorável vida de criança:
 Pinhões...Papagaios...Carreiras ao sol...
 Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
 Saltos de ingazeira pra dentro do rio...
 Jogo de castanhas...
 - O meu engenho de barro de fazer mel!

 De outro lado, aquela tortura:
 "As armas e os barões assinalados!"
 - Quantas orações?
 - Qual é o maior rio da China?
 - A 2+2 AB = quanto?
 - Que é curvilíneo, convexo?
 - Menino, venha dar sua lição de retórica!
 - "Eu começo, atenienses, invocando
 a proteção dos deuses do Olimpo
 para os destinos da Grécia!"
 - Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
 - Agora, a de francês:
 - Quand le christianisme avait apparu sur la terre...
 - Basta
 - Hoje temos sabatina...
 - O argumento é o bolo!
 - Qual é a distância da Terra ao Sol?
 - !??
 - Não sabe? Passe a mão à palmatória!
 - Bem, amanhã quero isso de cor...

 Felizmente à boca da noite,
 eu tinha uma velha que me contava histórias...
 Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
 E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.

TREM DE ALAGOAS
 
O sino bate,
 o condutor apita o apito,
 Solta o trem de ferro um grito,
 põe-se logo a caminhar…
 - Vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende
 com vontade de chegar...
Mergulham mocambos,
 nos mangues molhados,
 moleques, mulatos,
 vêm vê-lo passar.
 Adeus !
 - Adeus !
Mangueiras, coqueiros,
 cajueiros em flor,
 cajueiros com frutos
 já bons de chupar...
 - Adeus morena do cabelo cacheado !
Mangabas maduras,
 mamões amarelos,
 mamões amarelos,
 que amostram molengos
 as mamas macias
 pra a gente mamar
 - Vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende
 com vontade de chegar...
Na boca da mata
 ha furnas incríveis
 que em coisas terríveis
 nos fazem pensar:
 - Ali dorme o Pai-da-Mata
 - Ali é a casa das caiporas
 - Vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende
 vou danado pra Catende
 com vontade de chegar...
Meu Deus ! Já deixamos
 a praia tão longe…
 No entanto avistamos
 bem perto outro mar...
Danou-se ! Se move,
 se arqueia, faz onda...
 Que nada ! É um partido
 já bom de cortar...
 - Vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende
 vou danado pra Catende
 com vontade de chegar...
Cana caiana,
 cana rôxa,
 cana fita,
 cada qual a mais bonita,
 todas boas de chupar...
 - Adeus morena do cabelo cacheado !
 - Ali dorme o Pai-da-Matta !
 - Ali é a casa das caiporas
 - Vou danado pra Catende,
 vou danado pra Catende
 vou danado pra Catende
 com vontade de chegar...

A MULA DE PADRE

Um dia no engenho,
Já tarde da noite
Que estava tão preta
Como carvão...
A gente falava de assombração:

— O avô de Zé Pinga-Fogo
Amanheceu morto na mata
Com o peito varado
Pela canela do Pé-de-Espeto!
— O cachorro de Brabo Manso
Levou, sexta-feira passada,
Uma surra das caiporas!
— A Mula de Padre quis beber o sangue
Da mulher de Chico Lolão...

Na noite preta como carvão
A gente falava de assombração!
Lá em baixo a almanjarra,
A rara almanjarra,
Gemia e rangia
Oue o Engenho Alegria
É bom moedor...

Eh Andorinha!
Eh Moça-Branca!
Eh Beija-Flor. . .

Pela bagaceira
Os bois ruminavam
E as éguas pastavam
Esperando a vez
De entrar no rojão...
Foi quando se deu
A coisa esquisita:
Mordendo, rinchando,
As pôpas e aos pulos
Se pondo de pé
Com artes do cão,
Surgiu uma besta sem ser dali não...

— Atallia a bicha, Baraúna!
— Sustenta o laço, Maracanã!
E a besta agarrada
Entrou na almanjarra,
Tocou-se-lhe a peia
Até de manhã ...

E depois que ela foi solta
Entupiu no oco do mundo!
Num abrir e fechar d'olhos
A maldita se encantou...

De tardinha.
Gente vinda
Da cidade
Trouxe a nova
De que a ama
De seu padre
Serrador
Amanhecera tão surrada
Que causa compaixão!

.....................................
Na noite tão preta como carvão
A gente falava de assombração.

CARNAVAL DO RECIFE

Meteram uma peixeira no bucho de Colombina
que a pobre, coitada, a canela esticou!
Deram um rabo-de-arraia em Arlequim,
um clister de sebo quente em Pierrô!

E somente ficaram os máscaras da terra:
Parafusos, Mateus e Papangus...
e as Bestas-Feras impertinentes,
os Cabeções e as Burras-Calus...
realizando, contentes, o carnaval do Recife,
o carnaval mulato do Recife,
o carnaval melhor do mundo!

- Mulata danada, lá vem Quitandeira,
lá vem Quitandeira que tá de matá!

- Olha o passso do siricongado!
- Olha o passo da siriema!
- Olha o passo do jaburu!
E a Nação-de-Cambinda-Velha!
E a Nação-de-Cambinda Nova!
E a Nação-de-Leão-Coroado!

- Danou-se, mulata, que o queima é danado!
- Eu quero virá arcanfô!
Que imensa poesia nos blocos cantando:
"Todo mundo emprega
grande catatau,
pra ver se me pega
o teu olho mal!"
- Viva o Bloco das Flores! Os Batutas!
 Apois-fum!
(Como é brasileira a verve desse nome: Apois-fum!)
E o Clube do Pão Duro!
(É mesmo duro de roer o pão do pobre!)

- Lá vem o homem dos três cabaços na vara!
"Quem tirar a polícia prende!"

- Eh, garajuba!
Carnavá, meu carnavá,
tua alegria me consome...
Chegô o tempo das muié largá os home!
Chegô o tempo das muié largá os home!
Chegou lá nada...

Chegou foi o tempo delas pegarem os homens,
porque chegou o carnaval do Recife,
o carnaval mulato do Recife,
o carnaval melhor do mundo!

- Pega o pirão, esmorecido!

"OROPA, FRANÇA E BAHIA"

Num sobradão arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,

Que dava fundos prá terra.
( "para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar").

...Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!

Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar...

A vida de Manuel,
que louco alguém o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de "Oropa, França e Bahia"!

— Me dá uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
— Estás idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!

Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim...

Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
"De Oropa, França e Bahia"...

— Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim...
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!

"Ó lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim também
que ando fora dos meus..."
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.

"Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas não são"...
Cantava forte Maria,
pisando fubá de milho,
lentamente no pilão...

Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul...
— Ah! Seu Manuel, isso chega...
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.

— "Onde vais mulhé?"
— Vou me daná no carrosé!
— Tu não vais, mulhé,
— mulhé, você não vai lá..."

Maria atirou-se n'água,
Seu Manuel seguiu atrás...
— Quero a mais pichititinha!
— Raios te partam, Maria!
Essas naus são meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vêm dos confins do mundo...
De "Oropa, França e Bahia"!

Nadavam de mar em fora...
(Manuel atrás de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia...
Faz-se um silêncio nas águas,
cadê Manuel e Maria?!

De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia...
Seu Manuel era um "Boi Morto",
Maria, uma "Cotovia"!

E as naus de Manuel Furtado,
herança de sua tia?

— continuam mar em fora,
navegando noite e dia...
Caminham para "Pasárgada",
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!

— As eternas naus do Sonho,
de "Oropa, França e Bahia"...

MARACATU

Zabumba de bombos,
Estouro de bombas,
Batuques de ingonos,
Cantigas de banzo,
Rangir de ganzás...

- Luanda, Luanda, onde estás?
Luanda, Luanda, onde estás?

As luas crescentes
De espelhos luzentes,
Colares e pentes,
Queijares e dentes
De maracajás...

- Luanda, Luanda, onde estás?
Luanda, Luanda, onde estás?

A balsa do rio
Cai no corrupio
Faz passo macio,
Mas toma desvio
Que nunca sonhou...

- Luanda, Luanda, onde estou?
Luanda, Luanda, onde estou?

FILOSOFIA

Hora de comer - comer!
 Hora de dormir - dormir!
Hora de vadiar - vadiar!

Hora de trabalhar?
- Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

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