Quebradeira
O caso ganhou destaque na imprensa da região de Umuarama, quando no ano de 1994, na estrada Jequitibá, distrito das Três Vendas, município de Esperança Nova, uma casa assombrada causava medo, risos e incredulidade nas pessoas.
No sítio do senhor Derso moravam o seu Neno, a esposa e três filhos; sendo uma menina e dois adolescentes. Na condição de empreiteiros, a família do seu Neno, por mais que trabalhasse, era considerada muito pobre pelos vizinhos sitiantes. Porém, ninguém desabonava a conduta honesta daquela gente simples e humilde. Uma doença nos olhos obrigou seu Neno a retirar um olho, colocando no lugar uma espécie de burca, deixando a família ainda mais necessitada de recursos financeiros.
Certa feita, determinados fenômenos passaram a acontecer na casa daquela família: xícaras, pratos e copos amanheciam quebrados. Garfos entortados podiam ser vistos pela casa. Tochas de fogo acendiam sozinhas e o telhado da casa se encheu de buracos. Seu Neno comunicou o assombro para o patrão, que veio ligeiro de Curitiba para constatar o fato.
Tamanho foi seu susto, quando um dia dormia tranquilo e, no meio da noite, às escuras, sentiu a cama suspensa. Aí sim a notícia chegou aos jornais e emissoras da região, culminando nas visitas e orações de crentes, curiosos, padres, pastores e espíritas.
A filha do Zé Turilho dizia, por exemplo, que o seu rosário havia quebrado em diversos pedaços só por ter se aproximado da casa. O Zé Carlos ofereceu lar aos meninos. O povo dizia que a assombração destruiria com tudo.
O padre de Pérola achou por bem transferir a família para uma casinha no pátio da Igreja das Três Vendas. A vizinhança ajudava com donativos. A comunidade se comprometeu a ajudar com dinheiro aqueles assustados moradores. Mas, seu Quintino e outros poucos vizinhos não acreditavam naquilo; chamaram a polícia, que visitou o local, conversou com os membros da família e se foi.
Entretanto, investigadores deixaram na casa uma câmera para filmar o “fenômeno”. Tamanha foi a surpresa, quando a polícia viu as imagens dos sorrateiros moleques, jogando tijolos no telhado, quebrando e danificando os móveis e objetos domésticos.
Conduzidos à delegacia, confessaram tratar-se de um plano que visava arrecadar dinheiro para reverter o estado de pobreza em que se encontravam. Liberados após os depoimentos e sermões, a família retornou à tal casa assombrada, onde vive até hoje, sem maiores alaridos ou quebradeiras.
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PARANAGUÁ
A lenda do brejo que canta
Cheguei a conhecer, já octogenário, o João Bomsinho, que tinha um sítio lá para as bandas do Porto dos Padres, assim chamado o lugar onde tiveram os Jesuítas uma fazenda de criação, na foz do Imboguassu. Neste sítio o velho cultivava algodão e foi ele quem me contou a história do
“Brejo que Canta”:
A meio caminho da cidade, na embocadura do Imboguassu, há um terreno vasto e alagadiço, onde o lírio do brejo cresce viçoso. Com as chuvas o lugar se transforma num lago e com bom tempo prolongado continua a ser temível atoleiro, do qual o gado por instinto se afasta, receoso de desaparecer no sumidouro.
E assim falava, na sua pitoresca linguagem, o João Bomsinho:
– O brejo canta, sim Sinhô, mas só uma vez no ano, à meia-noite, justa de quinta pra Sexta-feira santa e nessa hora quem por ali passa, ouve muito bem o batido dum fandango, ao som de duas violas e da cantiga dos violeiros. Deus permite que saiam as suas almas do purgatório na noite da paixão pra correrem o fado, em castigo da ofensa ao “Sinhô Morto”.
– Almas de quem? perguntei.
– “Dos violeiros e dos dançadores, os excomungados que cantavam e fandangueavam na noite em que nosso Sinhô morreu. Escuite mecê; no lugar do brejo era um terreno enxuto, bom, de terra branca e firme e nele morava em casa de pedra e cal um tal de Roberto Inglês, ruivo e herege como o diabo, não gostava de Deus nem dos santos. Decerto esse mardito era criminoso e até diziam que fora pirata.
“O meu avô que o conheceu de vista, sempre que o encontrava fazia o sinal da cruz e com ele nunca quis parceria, receoso do castigo do céu. Ora, numa quinta-feira maior estava a vila entregue aos ofícios da semana santa, enlutados os moradores e até o capitão-mor dera ordem à milícia que fizesse a guarda, com a boca dos arcabuzes voltada para o chão e não permitissem cantorias nem folguedos até a hora da aleluia, sob pena de cadeia. Quando o danado, em conluio com o “coisa ruim”, resolveu uma folgança pra essa noite.
“Andava por aqui nesse tempo o coronel Afonso Botelho, que assistiu à missa devotadamente com um laço de crepe no copo da espada, e a Câmara, com o estandarte do rei, de luto, que o vereador mais moço conduzia, foi incorporada à matriz para fazer guarda ao Sinhô Morto.
“Tudo era respeito ao dia. Mas no caminho do Porto dos Padres, o inglês, zombando das coisas santas, procurou e achou uns infelizes que aceitaram o convite. À meia-noite estrondeava o fandango, longe da vila e por isso despercebido da autoridade. A cachaça corria aos copázios. Maneco Eduvirges e Domingos Pedrão, violeiros e já embriagados, cantavam quadrinhas blasfemas, desafiando a majestade divina, com aprovação do diabo ruivo. Quando cantavam esta:
Si Deus morreu porque quis
Não é caso pra chorá
Bate firme, minha gente
Bate forte, até suá
“Nesse instante, a casa moveu-se e todos sentiram que afundava, mas antes do alarme ainda se ouviu o Pedro e o Eduvirges cantarem mais esta barbaridade:
Si morreu pra nos salvá
O fio do padre eterno,
Ele que vá buscá nois
Lá nas profunda do Inferno!
“O movimento acentuou-se e o pânico se manifestou naquelas almas entenebrecidas pelo vício e pela impiedade, despertada nelas a compreensão do desastre e morte inevitável. O primeiro impulso foi de fuga, mas quando tentaram evadir-se já as portas e janelas estavam entaipadas pelo lodo mole que invadia o interior.
“Apagaram-se as luzes. Nas trevas e começando a respirar dificultosamente, aqueles desgraçados se debatiam. Não havia salvação possível! O fim pela asfixia era fatal. Não tardou a agonia. O terreiro, há pouco ainda sólido, com laranjeiras e cajueiros, dum pra outro instante virou lodaçal e tudo se afundou.
“Consumada a tragédia, a habitação desapareceu no abismo e com ela quantos estavam no fandango sacrílego e fatal. No dia seguinte os sitiantes vizinhos, que iam para a vila assistir à missa da sexta-feira santa, viram com espanto um brejo no local onde de véspera se erguia a moradia do inglês e isto sem que tivesse chovido. E brejo ficou o lugar maldito. Na noite de quinta-feira santa do ano seguinte, alguém por ali passando, noite alta, ouviu claramente o batido dum fandango, ao toque das violas e o cantar dos violeiros. Correu espavorido a contar na vila o prodígio que a tradição trouxe, do Brejo que Canta. De geração em geração, até o presente, vem enchendo de terror a gente supersticiosa que a tudo se arriscará neste mundo, menos transitar pela estrada que margeia o trágico alagadiço, na noite da paixão de Jesus.”
Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná.
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.
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