quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Luis Kandjimbo (Breve História da Ficção Narrativa Angolana nos últimos 50 anos) Parte 3

2. A geração de 1890:
Pedro Féliz, José de fontes Pereira e Joaquim Dias Cordeiro da Matta

Em virtude da ausência quase absoluta de pesquisa no domínio da historiografia literária em Angola, é ainda hoje bastante escasso o volume de informações sobre algumas das figuras relevantes da literatura angolana, particularmente aquelas que marcam a segunda metade do século XIX. Por isso, não abundam referências respeitantes ao autor de Scenas de África. Todavia, é sabido que Pedro Félix Machado traz a público o seu romance em 1880 nas páginas da Gazeta de Portugal. Doze anos depois, em 1892 publica uma segunda edição, que é dado à estampa em Lisboa, comportando dois volumes.

Partindo da expendida noção de narrativa, não poderemos ignorar a mais brilhante das penas que exercitam o discurso em prosa no jornalismo angolano na primeira metade do século XIX.

Trata-se de José de Fontes Pereira que nasceu em Luanda no mês de Maio de 1823. Aí fez os estudos primários. Dotado de um grande sentido autodidata, realizou estudos de direito, tendo chegado a advogado provisionário, após obtenção de correspondente habilitação.
Joaquim Dias Cordeiro da Matta (1857-1894) é natural de Icolo e Bengo onde nasceu em 25 de Dezembro de 1857 na povoação de Cabiri. Possuindo apenas uma formação primária elementar, é um outro exemplo de autodidatismo que fizeram a história do jornalismo e da investigação em Angola. Numa nota necrológica publicada no jornal O Arauto Africano, diz Mamede de Sant’Ana e Palma: “ Não cursou universidade, nunca esteve em colégio nenhum da Europa, nem em escola nenhuma de Loanda e é por isso mesmo que tem juz (…) à estima dos seus patríocios e ao respeito dos homens ilustrados, porque à força de muita vontade tem querido honrar o seu país legando à posteridade o fruto da sua dedicação (…)”. Partilho a opinião de Mário António segundo a qual Cordeiro da Matta possuía na prosa um estilo mais vivo e ágil do que o que se encontra na poesia.

3. Os narradores da Geração de 48
O caso de Domingos Van-Dúnen e Uanhenga Xitu

DOMINGOS VAN-DÚNEM

Domingos Van-Dúnem nasceu em 1925 na localidade de Mbumba, em Caxito. Passou parte da sua infância em Luanda, onde fez os seus estudos primários. Em 1945 desempenhou funções de secretário de redacção do Jornal O Farolim, que era publicado na capital angolana desde 1932. Intensificou a sua atividade jornalística em Luanda, na segunda metade da década 40, tendo sido igualmente colaborador de jornais publicados em Lourenço Marques, atual Maputo e Lisboa.

Da sua dispersa colaboração a título de ilustração o seu primeiro conto A PRAGA publicado no Diário de Luanda em Agosto de 1947, dois artigos inseridos no Jornal Acção nomeadamente Breves considerações a roda de um grande tema e Notícia sobre o poeta Rui Noronha, datados de Junho e Setembro de 1947. Publicou Um História Singular, Milonga, Dibundu e Kuluka. Apesar de publicadas depois de 1974, as obras deste autor, tal como acontece com a de outros escritores, carregam marcas da experiência individual da sua geração em que avulta contexto da situação colonial.

Com Uma História Singular, publicado em 1975, inicia o tratamento de um tema que ressurge em narrativas posteriores, com algumas variações de intensidade. Este texto breve parece constituir uma paródia do destino das mulheres que, originárias das franjas inferiores da escala social, entram em amancebia com homens detentores de algum estatuto social, para contornar obstáculos da sua condição económica.

Milonga é um livro que inclui três contos cujas histórias decorrendo no período colonial se inscrevem no espaço urbano de Luanda e na região do Kuanza-Norte. Merece, no entanto, destaque O Processo, um conto que repete a história de uma criatura que vive as peripécias de uma indigência idílica.

O tecido novelesco de Dibundu comporta igualmente um feixe de ações que descambam no drama de uma mulher. Hébu é o nome da sacrificada personagem cuja infelicidade parece estar predeterminada por uma relação sexual episódica com um administrador colonial e que a expõe ao opróbio do seu meio.

Por outro lado, na obra de Domingos Van-Dúnem constrói e atribui às personagens o uso de expressões idiomáticas motivadas pela co-presença da língua kimbundu, no espaço em que os eventos narrativos se inscrevem. Em síntese, a obra de Domingos Van-Dúnem produz um traço de originalidade em razão da sua recorrência temática: a mulher, a personagem feminina e motivos associados aparecem em representações realistas, atuando em situações que lhes conferem sentido, mas destituídas tendencialmente de qualquer imagem patética.

UANHENGA XITU

A integração deste autor no grupo da geração de 48 é de certo modo inusitada, na medida em que ele revela-se para a literatura na década de 70. Ora, operando nós com um conceito de geração literária em que se dá relevância à experiência, não hesitamos em enquadrá-lo aí. É que a sua narrativa carrega as vivências de décadas anteriores, não podendo a sua escrita traduzir facilmente a permeabilidade relativamente às motivações diferencialistas dos narradores de 60 e 70.

Uanhenga Xitu, nome próprio em língua Kimbundu de Agostinho André Mendes de Carvalho, nasceu a 29 de Agosto de 1924. Em 1959 foi preso pela polícia política portuguesa. Publicou Mestre Tamoda (1974), Bola com Feitiço ( 1974), Manana (1974), Vozes na Sanzala- Kahito (1976), Maka na Sanzala (1979) Os Sobreviventes da máquina colonial depõem (1980), Discursos do Mestre Tamoda (1984)O Ministro (1989), Cultos Especiais ( 1997).

Do conjunto da obra deste autor, a crítica e o público celebram com frequência Mestre Tamoda e Discursos do Metres Tamoda . Tamoda, simbolizando, o mimetismo cabotino é uma personagem típica do mundo rural que através da exibição de maneirismos expõe à hilaridade o uso da língua portuguesa perante uma audiência com a jovens e crianças, transformando-se em modelo no que diz respeito ao emprego e manipulação do vocábulos portugueses.

Mas do meu ponto de vista é a narrativa Manana que merece uma atenção particular. Trata-se de uma história cujo interesse reside na incorporação de universos da tradição oral e na sua concentração à volta do tema da constituição da família e motivações da sua ruptura. Os sinais da oralidade impregnam o texto com alguma intensidade. O que pode ser verificado pela utilização de determinados códigos da oralidade: o musical, o cinésico, o onomástico.

O código musical rege os trechos cantados mais ou menos longos. O código onomástico rege os nomes de algumas personagens. Assim, o código musical associa-se ao código linguístico.

O funcionamento e as regras do código onomástico verificam-se, por exemplo, na decifração do nome Manana . O sentido e o procedimento de nominação é referido pelo personagem-narrador nos seguintes termos: “Soube mais tarde que o nome dessa Manana não é de origem portuguesa. É de quimbundo. Significa ninfa ou larva de abelhas. Alimento dos jithuxi, dos caçadores e de mais pessoas que fazem vida permanente nas matas”.

O código onomástico e as suas regras funcionam igualmente em relação a grande parte das personagens de segundo plano que têm nomes em kimbundu. Do mesmo modo os topónimos. No elenco dessas personagens destacam-se as seguintes: avô Mbengu, velha Kazola, Kalunga, velha Kifila, avô Matadi, Kunda Nzenze.

A oralidade há de ser um sistema de pressupostos e determinismos que, dada a sua omnipresença virtual em manifestaçãoes verbais representa uma memória em que coexistem elementos de natureza histórica e outros de natureza meta-histórica. Nestes últimos avultam determinados aspectos relevantes da ontologia e do imaginário.O tema permite identificar a interacção mantida com textos verbais não escritos incorporados na cultura angolana.

Na qualidade de escritor com um envolvimento directo na atividade política, pois é deputado à Assembleia Nacional, na sua bibliografia destacam O Ministro e Cultos Especiais duas obras consagradas à crítica social, ao culto da personalidade e a outros comportamentos dos políticos.
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continua... 4. O Exercício diferencialista da linguagem, a sátira a ironia e a verdade histórica na geração de 60
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Fonte:
http://www.nexus.ao/kandjimbo/breve_historia.htm

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