segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Isabel Ferreira (1958)



Vou embora

Vou embora amanhã
levo a cratera, o frêmito…
A neblina dos meus olhos
deixo-ta como lembrança

Nos dias de solidão
não terás a minha mão
suave como a seda
na tua fronte furacão!

Vou embora amanhã
levo apenas os chinelos
aqueles que me deste
no dia dos namorados

Vou embora amanhã
deixo tua soturna sombra…
No teu quarto a penumbra
não apagará o meu penedo…
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Desilusão

Caí em letargia…
Meu sonho adormeceu profundamente…
Ficou num par de fronhas virgens…
Estreadas em noites de volúpia…

Sonho bordado
Nas fronhas dum hotel
Vidas aneladas
Pontos cheios de suspiros sem gemidos…

Juntos dormimos
Mas nossos sonhos
Esses!
Adormeceram
Num par de fronhas…

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Marginal do teu corpo
(a confissão do outro)

No teu corpo adormeço
Horas longas permaneço
No asfalto da noite…
Revejo cenas do dia

Repasso atos alheios
Extasiado!
Vejo-te…virgem… Beijo-te nua
Serena só para mim!

Viro-me todo… Abro tudo…
Cuidados me cercam
Tuas curvas lânguidas… imagino:
– invejo o prazer alheio:
– deixo fluir as mágoas
Beijam-me águas luandinas
Na curva da madrugada…

Sinto a maresia
A farfalhar-me o ouvido
Solto-me…Venho-me…
Esqueço-me de tudo!
Tudo esqueço
Até minha condição precária!
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Do homem para homem

Busquei com ardor a liberdade
Construí castelos de esperança
Rasguei vendavais abri atalhos
Quebrei galhos…

– Fiz-me herói: – Ganhei!
Os rios cederam meus anseios
Manhãs a tudo anuíram
A cada dia novos manjares

Cada sonho…
Meu real elevado!
Esqueci-me dos pedintes
Dos mendigos outrora…

Agora…
Meus inimigos
Sou dono do mundo


(Des)abafos

Murmuro-te com olhar:
– Oh suplício infindo…
Dias vazios sem pão
Noites cheias de solidão

Trago minhas mãos vazias
Trago a dolência no rosto
Tua mansão de muros altos
Cheiro a rico manjar

Caminho entontecido sem dor
Aonde me leva o olfacto:
– Dizem que sou um pária…
– Que importa?
Se no teu desdém
Eu tiro a barriga da fome…
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Entre alma e lençol

Uma noite eclipsada amante (in)discreta
Ante o espelho encena o enredo idílico
Pousa nua rodopia de desejo
Um piano de gemidos

Em plena doação nada recusa…
Oh,! Quanta loucura em noites escuras!
Enquanto isso…
Angustiante espera da musa fiel

Entre teto e tédio
Mora a aliança

Entre alma cheia e lençol vazio!
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Sobre a Autora
Isabel Ferreira (1958)

Isabel Ferreira (Luanda capital de Angola, a 24 de maio de 1958) é uma escritora angolana. Ainda menina pegou em armas, mas entre a guerrilha e a música – diz a escritora –, a arte falou mais alto e ela passou a fazer parte de um grupo musical que tinha como objetivo elevar a moral dos guerrilheiros nas frentes de combate.

Formada em Direito, em Luanda-Angola e na Escola Superior de Teatro e Cinema na Amadora-Portugal. Paralelamente à música, Isabel Ferreira concluiu o curso de Direito. Advogou em Huíla e em Luanda, na Angola, mas nunca abandonou a arte.

Obras
Laços de Amor (poesia, 1995)
Caminhos Ledos (poesia, 1996)
Nirvana (poesia, 2004)
À Margem das Palavras Nuas (poesia, 2007)
Fernando daqui (romance, 2007)
O Guardador de Memórias (a ser lançado no Canadá)

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Fontes:
- Filomena Gioveth & Seomara Santos. O Amor tem Asas de Ouro. Antologia da Poesia Feminina Angolana. 1. ed. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2005.
- União dos Escritores Angolanos.
- Foto = http://www.angoladigital.net

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