domingo, 11 de janeiro de 2009

Luis Kandjimbo (Breve História da Ficção Narrativa Angolana nos últimos 50 anos) Parte I


Do ponto de vista histórico, o romance é o género literário mais recente em Angola e de um modo geral nas literaturas africanas. A poesia, a narrativa curta, o conto, a narrativa genealógica e retórica são géneros mais antigos que encontramos nas literaturas orais dos povos angolanos.

Originário da literatura ocidental dos séculos XVIII e XIX, durante a ascensão da burguesia e da sociedade industrial, o romance é introduzido nas literaturas africanas com a implantação do sistema colonial. Uma das manifestações mais evidentes da sua existência no espaço angolano é a proliferação da literatura colonial no princípio deste século.

De acordo com os resultados de pesquisas que realizei no Arquivo do Tribunal da Comarca de Benguela, consultando processos de inventário e de abertura de herança quando pretendia obter informações sobre as leituras e obras que circulavam em Benguela na época em que José da Silva Maia Ferreira por lá passou, cheguei a conclusões valiosas sob o ponto de vista sociológico.

As dedicatórias inscritas nas epígrafes dos poemas em Espontaneidades da Minha Alma daquele autor, permitem inferir, na perspectiva da intertextualidade exoliterária, a existência de um universo de leitores, entre naturais de Angola e Portugal, cuja competência é corroborada pela circulação de obras de autores europeus tais como Victor Hugo, Thiers, Alexandre Dumas, Walter Scott.

Com efeito, os primeiros textos romanescos escritos por naturais de Angola são da autoria de membros da geração de 1890. Trata-se de Scenas de África e O Filho Adulterino, obras de Pedro Félix Machado publicadas na segunda metade do século XIX. São igualmente conhecidas referências de textos narrativos escritos por Joaquim Dias Cordeiro da Matta, embora não tenham chegado ao nosso conhecimento por não terem sido publicadas, nomeadamente O Loandense da alta e baixa esfera, O Doutor Gaudêncio (romance). Mas, a prova inequívoca da capacidade deste autor é-nos dada pelo seu Repositório de Coisas Angolenses, uma compilação de textos contendo informações de variável importância para a história social e política de Angola no século XIX.
À semelhança do que se verifica em outros espaços africanos de colonização europeia, também em Angola emerge um romance colonial de pendor exótico e assente na mistificação racialista. Forma-se um conjunto de textos centralmente motivados por uma certa “missão civilizadora” atribuída a personagens brancas, sendo as personagens de raça negra secundárias e vítimas na urdidura da história.

É a chamada literatura ultramarina, designação que na década de 60 é substituída pela de literatura colonial. Em Angola, ela desenvolve-se a partir dos anos 20 deste século, com os concursos de literatura colonial portuguesa, promovidos pela Agência Geral do Ultramar e de estudos sobre Angola numa perspectiva etnográfica, cobrindo as línguas e o folclore.

No parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 6.119 que em 1926 consagra a realização regular daqueles concursos de literatura colonial, lê-se: “será sempre preferida a literatura na forma de romance, novela, narrativa, relato de aventuras, etc. que melhor faça a propaganda do império português de além-mar, e melhor contribua para despertar, sobretudo na mocidade, o gosto pelas causas coloniais.”

Os primeiros prémios de literatura colonial foram atribuídos a dois autores portugueses, nomeadamente, Gastão de Sousa Dias com África Portentosa e Brito Camacho com Pretos e Brancos. Um outro autor de assídua participação nos referidos concursos e cujas obras e pertença podem dar lugar a fecundos debates sobre a estética da narrativa angolana, é Castro Soromenho. Em 1939 concorre com o livro de contos Nhari. A opinião que o júri consagra em acta sustenta que a obra se ocupa do “drama de gente negra (…) a paisagem e a psicologia dos seus protagonistas [é] interessante, cheia de colorido e de vida e, por vezes, a tese que encerram envolve moral e ensinamentos construtivos, pela análise rigorosa e conscienciosa e bem deduzida da psicologia dos indígenas e pelo rico colorido que sabe emprestar ao decorrer da acção.” Em 1941, Castro Soromenho apresenta Noite de Angústia, a melhor obra do XIV concurso segundo o júri.

A progressiva expansão do romance, enquanto género do discurso em prosa, deve-se ao florescimento de jornais nos fins do século XIX e à institucionalização do ensino liceal, no princípio do século XX, em cujo quadro se formam leitores e potenciais escritores. Assim, além das obras de Pedro Félix Machado e Joaquim Dias Cordeiro da Matta, publicam-se nos anos 10 e 20 importantes narrativas, algumas das quais de cunho autobiográfico como é História de Uma Traição de Pedro da Paixão Franco.

O período que se segue ao fim do século XIX e à proclamação da República em Portugal, além de ser marcado pelo jornalismo apologético da causa africana, é esmagador, caracterizando-se pela atitude das autoridades coloniais que tomam as mais diversas providências para cercear as liberdades e reprimir a actividade jornalística dos naturais que defendiam, desde o século passado, a autonomia e a independência de Angola.

Até à década de 30, apenas um romance de António de Assis Júnior, O Segredo da Morta, dava sinais de autonomia de uma verdadeira ficção literária moderna, devendo ser considerado o romance fundador. A sua publicação em livro foi precedida de folhetins no jornal A Vanguarda. Só em 1934 viria a ser editado com a chancela de A Lusitânia. Publicou ainda Relato dos Acontecimentos de Ndala Tando e Lucala, uma narrativa e ao mesmo tempo um testemunho sobre actividades de reivindicação reprimidas cujos actores constituíam um grupo da elite local de que ele próprio fazia parte. António de Assis Júnior é natural de Luanda onde nasceu em 13 de Março de 1887 e faleceu em 1960, em Lisboa.

Nos fins da década de 30, emerge o nome de Óscar Ribas, um outro narrador que viria a confirmar os seus méritos com a publicação do romance Uanga em 1950. Segundo o ensaísta Mário António, Óscar Ribas “surge como um elo necessário entre essa tradição em perigo e os anseios de afirmação literária das gerações mais novas da sua terra.” Mas os seus créditos firmam-se com Ecos da Minha Terra, publicado em 1952.

Em 1947, na ressaca do terrível período de repressão exercido sobre a imprensa e o associativismo autóctones, durante o regime de Norton de Matos, destaca-se no meio jornalístico e literário luandense o nome de Domingos Van-Dúnem, que se estreia no Diário de Luanda com o conto A Praga. Os seus companheiros de geração, entre os quais António Jacinto, Viriato da Cruz e Agostinho Neto, têm uma intervenção reduzida ao mínimo no domínio da ficção. Agostinho Neto publica em 1952 o conto Náusea e em 1979 António Jacinto traz à lume o conto Vovô Bartolomeu. Com esta geração – a Geração de 48 -, a grande narrativa deixa de ser cultivada, para dar lugar à poesia. É uma geração de poetas que se notabiliza e em que avultam os grandes nomes da poética fundadora angolana.

Os narradores reaparecem na cena literária nas décadas de 50 e 60 com os nomes de Manuel Santos Lima, Luandino Vieira e Arnaldo Santos. A estes vêm juntar-se outros autores como Henrique Abranches, Manuel Rui, Pepetela e Uanhenga Xitu.

No panorama literário angolano, a geração de 60, caracteriza-se pela sua dimensão ética que se sedimenta no compromisso político com a causa do nacionalismo, embora seja ela a exercitar a introdução de rupturas significativas no plano da linguagem. Por conseguinte, uma boa parte dos seus integrantes vivem profundas experiências associadas a tal compromisso como presos políticos condenados a pesadas penas de reclusão. São os casos Agostinho Neto, António Jacinto, Uanhenga Xitu, Luandino Vieira, António Cardoso. Outros engajam-se no Movimento de Libertação Nacional dentro e fora do país. Outros ainda actuam em grupos de intelectuais de esquerda na Europa e em África.

Em A Geração da Utopia, Pepetela traça uma espécie de biografia romanesca da sua geração com incidências sobre aquilo que eram os ideais e o desencanto que suscita o comportamento do grupo após a independência, particularmente com a instauração da II República e o pluralismo político.

A geração de 70 é um prolongamento natural da anterior, já que não há grandes soluções de continuidade. Observa-se ainda entre alguns dos seus membros uma atitude ética que se sobrepõe aos imperativos estético-literários da sua época. Com ela chega-se à independência e integram-na nomes como Jofre Rocha, Jorge Macedo, Arístides Van-Dúnem. No plano da ficção, Boaventura Cardoso é sem dúvida o nome de referência tendo em atenção a vitalidade da produção global e as suas preocupações de ordem estética.

Apesar da vitalidade destas experiências de heróis e mártires, vividas pelas duas gerações sucessivamente anteriores, não nos parece que elas e a sua escrita se tenham constituído em modelo de superação para a geração de 80.

Luandino Vieira foi um dos poucos a manifestar a frustração e o estado de espírito que traduzem bem essa ideia. Na entrevista que concedeu a Michel Laban, debita abundante reflexão e crítica sobre a situação do escritor em Angola, em que o imperativo do compromisso político por mais relevante substituíra o imperativo estritamente literário. No dizer de Luandino Vieira, “ o escritor se cortou do mundo do espírito (…) os escritores mais velhos - salvo algumas excepções e mesmo assim penso que eles não se sentem completamente realizados – são intelectuais que vivem do capital acumulado durante os anos todos (…) Muito embora viajem muito e participem em muitos eventos internacionais, essas viagens são, de um modo geral, acontecimentos em que o facto de ser angolano, resistente, de África Austral, do MPLA, conta muito mais do que ser escritor…”[1] Como se depreende das palavras de desencanto de Luandino Vieira, pode dizer-se que no contexto pós-independência ou pós-colonial, aquela atitude de compromisso dos escritores perante o político privava o fundamento da actividade criativa que é radicalmente crítica.Ao aceitarem o status de funcionários do Estado, os escritores das gerações anteriores, acabavam por comportar-se como homens emprestados à política.Mas é essa cumplicidade com a razão de Estado que está na origem no tipo de ensino praticado para a literatura.

Há, por essa razão, uma descontinuidade observável na escrita de ficção e nos padrões estéticos, provocada pela excessiva valorização de temas literários marcados pela ideologia política e sua introdução nos manuais escolares. Mas tal constatação só faz sentido se a associarmos ao facto de, à data da independência, os liceus e os três centros universitários de todo o país serem frequentados por um número de jovens angolanos, até aí nunca visto. Para um país que saía de um colonialismo atroz, essa população de estudantes não deixava de representar uma justificada expectativa. A política educacional portuguesa para Angola colonial sofrera um profundo abalo a partir de 1960.

Mas a filosofia que subjaz a tais modificações da política colonial assenta ainda no assimilacionismo. Em 1970, Pinheiro da Silva, o secretário provincial da educação de Angola, falava da “integração dos portugueses africanos no modo de vida moral, espiritual e material dos portugueses europeus”.

Segundo estatísticas da época, de uma taxa de matrícula inferior a Moçambique no início das reformas, a população escolar angolana do ensino liceal, por exemplo, passaria a 10779, uma cifra superior a de Moçambique, que era de 19524. No ensino universitário, o efectivo angolano, com 1557 era igualmente superior ao de Moçambique, registando 1145.

Ora, quando em 1975 se realizava a ruptura no plano dos fundamentos do próprio Estado, lançavam-se, nos anos imediatamente a seguir à independência, bases para as necessárias reformas do sistema de ensino. A instauração de um regime político de partido único e o seu desmantelamento nos fins da década de 80, sugerem a constatação de uma reforma educativa inconclusa. Com efeito, passados mais de vinte de independência, chega-se à conclusão de não ter sido ainda realizada a reforma educativa. A comprová-lo estão os produtos desse sistema de ensino pós-colonial, representando os suportes da referida discontinuidade em relação à geração de 70. Estamos a referir-nos à geração de 80. Apesar de marcada por experiências catastróficas como as convulsões políticas de 1974-75, a repressão de 27 de Maio de 1977 e a guerra civil, ela afirma-se logo no princípio da década, através das manifestações associativas e participações em concursos literários. É a vaga das Brigadas Jovens de Literatura. As primeiras formam-se nos principais centros urbanos, nomeadamente, Luanda, Lubango e Huambo, coincidentemente cidades em que se concentram estabelecimentos dos três níveis de ensino (liceal, pré-universitário e universitário), aos quais se juntam os seminários e outros estabelecimentos eclesiásticos. Uma das poucas revelações registadas no domínio da narrativa, é José de Freitas que publica em 1979 Silêncio em Chamas.

Para a ficção narrativa angolana, a geração de 80 traz uma plêiade de nomes. Do interior destacam-se entre outros Cikakata Mbalundu, que com o autor destas linhas formava o núcleo dos fundadores da Brigada Jovem de Literatura da Huíla; Mota Yekenha, um dos poucos clérigos da geração que se dedica ao romance. Despontam igualmente alguns vozes femininas como Ana Major e Rosária Silva. Da diáspora pontificam Sousa Jamba e José Eduardo Agualusa.

CRÓNICA E LITERATURA INFANTIL

O leitor está perante uma síntese que, privilegiando a narrativa de fõlego e o conto, no entanto não perde vista a crónica e as narrativas da literatura infantil. A representar a artesania destes dois géneros da prosa de ficção, temos três nomes: Roberto Carvalho, Ernesto Lara Filho e Sílvio Peixoto. Os dois últimos cronistas tiveram uma morte prematura, não fazendo já parte do mundo dos vivos. Ernesto Lara Filho é na verdade um dos maiores vultos da crónica em Angola. Nasceu em 1932 e morreu atropelado em 1977. Sílvio Peixoto era natural de Malanje onde nasceu em 1962

Morreu em 1995, num acidente de aviação.

No domínio da literatura infantil destacam-se Dario de Melo, Octaviano Correia, Maria Eugénia Neto, Gabriela Antunes, Ceslestina Fernandes, Cremilda Lima, Maria João, Rosalina Pombal e Zaida Dáskalos.
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continua...
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