quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Luis Fernando Verissimo (Papos)

- Me disseram...

- Disseram-me.

- Hein?

- O correto é "disseram-me". Não "me disseram".

- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?

- O quê?

- Digo-te que você...

- O "te" e o "você" não combinam.

- Lhe digo?

- Também não. O que você ia me dizer?

- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?

- Partir-te a cara.

- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.

- É para o seu bem.

- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...

- O quê?

- O mato.

- Que mato?

- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?

- Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo e elitismo!

- Se você prefere falar errado...

- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?

- No caso... não sei.

- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?

- Esquece.

- Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece" ou "esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.

- Depende.

- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.

- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.

- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.

- Por que?

- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

Fonte:
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.65.

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