VI
Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis entoa a voz cadente!
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!
Recebei (eu vos peço) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:
Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
VII
Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.
Eu me engano: a região esta não era:
Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
VIII
Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.
Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.
Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!
Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
IX
Pouco importa, formosa Daliana,
Que fugindo de ouvir me, o fuso tomes;
Se quanto mais me afliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bela serrana.
Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos imortais os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tirana.
Um obséquio, que foi de amor rendido,
Bem pode ser, pastora, desprezado;
Mas nunca se verá desvanecido:
Sim, que para lisonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
X
Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Porás a ovelha branca, e o cajado;
E ambos ao som da flauta magoado
Podemos competir de extremo a extremo.
Principia, pastor; que eu te não temo;
Inda que sejas tão avantajado
No cântico amebeu*: para louvado
Escolhamos embora o velho Alcemo.
Que esperas? Toma a flauta, principia;
Eu quero acompanhar te; os horizontes
Já se enchem de prazer, e de alegria:
Parece, que estes prados, e estas fontes
Já sabem, que é o assunto da porfia
Nise, a melhor pastora destes montes.
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Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis entoa a voz cadente!
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!
Recebei (eu vos peço) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:
Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.
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VII
Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.
Eu me engano: a região esta não era:
Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera!
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VIII
Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.
Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.
Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!
Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.
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IX
Pouco importa, formosa Daliana,
Que fugindo de ouvir me, o fuso tomes;
Se quanto mais me afliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bela serrana.
Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos imortais os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tirana.
Um obséquio, que foi de amor rendido,
Bem pode ser, pastora, desprezado;
Mas nunca se verá desvanecido:
Sim, que para lisonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.
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X
Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Porás a ovelha branca, e o cajado;
E ambos ao som da flauta magoado
Podemos competir de extremo a extremo.
Principia, pastor; que eu te não temo;
Inda que sejas tão avantajado
No cântico amebeu*: para louvado
Escolhamos embora o velho Alcemo.
Que esperas? Toma a flauta, principia;
Eu quero acompanhar te; os horizontes
Já se enchem de prazer, e de alegria:
Parece, que estes prados, e estas fontes
Já sabem, que é o assunto da porfia
Nise, a melhor pastora destes montes.
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Nota:
* Amebeu – designativo de um verso latino com duas sílabas longas seguidas de duas breves e uma longa.
Fonte:
Álvares de Azevedo. Poesias. Livro publicado em 1853.
* Amebeu – designativo de um verso latino com duas sílabas longas seguidas de duas breves e uma longa.
Fonte:
Álvares de Azevedo. Poesias. Livro publicado em 1853.
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