O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
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O IMPOSSÍVEL CARINHO
Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
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O INÚTIL LUAR
É noite. A Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia...
Dormem as sombras na alameda
Ao longo do ermo Piabanha.
E dele um ruído vem de seda
Que se amarfanha...
No largo, sob os jambolanos,
Procuro a sombra embalsamada.
(Noite, consolo dos humanos!
Sombra sagrada!)
Um velho senta-se ao meu lado.
Medita. Há no seu rosto uma ânsia...
Talvez se lembre aqui, coitado!
De sua infância.
Ei-lo que saca de um papel...
Dobra-o direito, ajusta as pontas,
E pensativo, a olhar o anel,
Faz umas contas...
Com outro moço que se cala,
Fala um de compleição raquítica.
Presto atenção ao que ele fala:
- É de política.
Adiante uma senhora magra,
Em ampla charpa que a modela,
Lembra uma estátua de Tanagra.
E, junto dela,
Outra a entretém, a conversar:
- "Mamãe não avisou se vinha.
Se ela vier, mando matar
Uma galinha."
E embalde a Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia...
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O MENINO DOENTE
O menino dorme.
Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
- “Dodói, vai-te embora!
“Deixa o meu filhinho,
“Dorme... dorme... meu..
Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
- “Dorme, meu amor.
“Dorme, meu benzinho...”
E o menino dorme.
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O RIO
Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.
Fonte:
Manuel Bandeira. Poesia Completa e Prosa". 1967.
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