segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Melo Morais Filho (Carnaval) Parte 2


É fácil de cogitar: em pequenos grupos de máscaras errantes, um princez desgarrado, e assim por diante.

Em 1854, já alguns carros com máscaras apareceram e das janelas atiraram-lhes flores. O Jornal do Comércio, noticiando o fato, aconselhou que para o ano futuro se reunissem, o que daria mais relevo ao festejo.

Até então a loucura descobria o prazer ao som da música escolhida, inundava-se da luz dos lustres e candelabros, mitigava a sede provocada pelas danças ardentes nas taças de champanha, e requintava de gozo naqueles abrigos resguardados e ideais como as cismas voluptuosas dos crentes.

Era à noite que naquelas Lupercais esplêndidas as mulheres coroavam-se de fascinações, que os moços de qualificação distinta dissipavam-se atraídos.

No Clube, especialmente, quanta perdição no langor morno da beleza aristocrata, no roçar de um corpo de neve, num cismar vago, ao terraço ou à janela, tendo por testemunhas o olhar pestanejante das estrelas e o céu profundo e escuro como as marés incertas do destino!...

Mas a luz do dia tivera inveja da luz dos candelabros; a voz do jornalista é o flat das sociedades; e a Loucura, no seu despertar de Festas e Tradições Populares do Brasil sonâmbula, emboca as fanfarras no meio das praças, com o seu séquito de cem escravas e de milhares de cativos.

Em janeiro de 1855 já as folhas diárias anunciavam que o carnaval seria magnífico: as famílias mais consideradas, a mocidade mais dinheirosa e ilustre, associavam-se à empresa do dia. Jurisconsultos, médicos, jornalistas, militares, altos funcionários públicos, negociantes, fazendeiros, tudo quanto a sociedade fluminense possuía de seleto absorvia-se numa só ideia, num só pensamento.

No Largo do Rocio e em muitíssimas ruas, as casas de vender e alugar vestimentas multiplicavam-se. Nas casas particulares viam-se o veludo e a seda, as espiguilhas e os bordados a ouro; nos alfaiates, os costumes especiais; nos ourives, adereços finíssimos.

Decoravam-se suntuosamente os teatros. Nos cenários, subindo até as bambolinas, os espelhos cintilavam como vagas descendo de fantásticas muralhas: palmeiras à entrada de grutas, cascatas artificiais, flores e perfumes, faziam supor que naqueles salões enormes se iriam asilar as fadas dos contos das Mil e Uma Noites.

Cá fora o comércio abria pesada bolsa ao artista mais hábil no enfeite das ruas, ao jardineiro mais zeloso no cultivo das palmeiras e arbustos de ornamentação, a quem mais deslumbrantes erguesse as arcadas iluminadas, ao pintor de mais imaginação e espírito no acabado dos escudos implanta dos de troféus, onde se liam epigramas e quadras chistosas.

Nos coretos em profusão pregavam-se bancos para a música e colocavam-se figuras que simbolizavam personagens e acontecimentos ridículos.

Nos primitivos carnavais a influência era tamanha, que poderia dizer-se que um terço da população mascarava-se.

E tanto é verdade, que os diretores de teatros advertiam ao público que seria vedado o ingresso nos bailes a quem não se apresentasse fantasiado.

Em 1855 fazia a sua primeira passeata o Congresso das Sumidades Carnavalescas.

Antes do dia 23 de fevereiro, em que caíra o Entrudo, uma comissão composta do Dr. Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto, Coronel Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão e do Dr. José Martiniano de Alencar, dirigiu-se a S. Cristóvão, pedindo a S. M. o Imperador que viesse com as princesas ao paço da cidade honrar com a sua presença o carnaval do ano e assistir à passagem do Congresso.

Desta sociedade tiveram a iniciativa notáveis homens de letras e jovens escritores, cujo talento impunha-se pelo brilho progressivo. Estes leais companheiros de tantas glórias, que resplandecem do passado, faziam parte da redação do Correio Mercantil e chamavam-se Henrique César Muzzio, Pinheiro Guimarães, Manuel Antônio de Almeida, J. de Alencar, Augusto de Castro, Ramon de Azevedo e outros, que saudavam o futuro entre um artigo de fundo, uma poesia, um folhetim, e o desabrochar das esperanças nas alamedas sempre encantadoras da primeira mocidade.

Felizes tempos aqueles em que Alves Branco, F. Otaviano, Firmino Rodrigues Silva e Paranhos regiam os moços, porque eles viam a pena de ouro na mão do mestre e do amigo!

Afastados desse grupo, mas conhecidos de bonito nome, a eles reuniam-se Joaquim de Melo, Francisco Augusto de Sá, os dois Faros, Palhares, Cristiano Stockmeyer, Horácio Urpia e mais, que fortaleceram o empreendimento como forma e como ideia.

Nas tardes do domingo as bandas marciais tocavam; os chicards, os titis, os flambarás, os pierrots, os débardeurs, os dominós, os zés-perei ras, os D. Nunos e os cavaleiros de capa e espada percorriam a cidade. Os carros de mascarados não tinham conta. Dos sobrados desdobravam colchas de damasco e entornavam flores; os estalos fulminantes imitavam as crepitações das fogueiras e a multidão acudia a vários lugares, curiosa e festiva.

No ano a que nos referimos, os máscaras de espírito tornaram-se salientes. Um francês houve que, no Provisório, intrigou a toda a gente. Este máscara envergava um costume metade preto e metade branco.

Muitas pessoas ainda se recordam de um indivíduo que, trepado numa saia-balão de proporções colossais, distribuía pelas janelas poesias, trocando pilhérias.

Consecutivo este carnaval à iluminação a gás desta capital, junto a um mineiro que montava num boi, conquistou gostosas gargalhadas um sujeito enfezadinho, escanchado numa jumenta branca, tendo em toda a exótica vestimenta escadas e lampiões de pano, recortados e cozidos.  Pisava-se sobre folhas de canela e mangueira, sacudia-se do chapéu rosas e jasmins, corava-se à indiscrição de um máscara que segredava (em voz alta) o que vira e o que não vira.

Na Petalógica do Largo do Rocio, Paulo Brito, Teixeira e Sousa, Constantino Gomes de Sousa, Laurindo Rabelo, Zaluar, o bacharel Gonçalves, Castro Lopes, José Antônio, Bracarense e Machado de Assis, atropelavam os princeses que entravam e os desenxabidos que passavam.

Quanta lembrança original, quanto desapontamento engraçado, quanta corrida de vencido!
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Continua…

Fonte:
Melo Morais Filho. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002

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