segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (Parte 31) Acuado


TODA NOITE, A MESMA HORA, o telefone fixo toca na calmaria  serena da sala vazia. Miresola corre a atender sabendo, de antemão, o que acontecerá assim que tirar o auscultador do fone:

— Alô...?... Alô...?... Alô...?

Do outro lado da linha, nada:

—...

— Alô...?

—...

Miresola insiste, mas ninguém dá sinais de vida. Segue a mudez enervante e pasmacenta de sempre:

— Alô...?

O rapaz ouve nitidamente a respiração descompassada de quem está do outro lado. Escuta os dedos da criatura tamborilando no aparelho, mas voz, que é bom...

— Ora, vamos. Quem é você?  Diga seu nome!  Sua idade? O que quer? Porque me liga todas as noites no mesmo horário?

—...

- Fale! Se abra! Acaso se esconde de alguém?

—...

— Tem medo de quê?

—...

Miresola persevera, prolonga e se empenha ao máximo. Batalha na sua obstinação. Tenta de todas as formas puxar assunto:

— Olha! Não vou te machucar, nem morder. Ainda que pudesse chegar até você viajando pelos fios...

Nenhuma resposta. O emperramento em dizer algo esclarecedor se agiganta:

—...

— Converse comigo... Revele alguma coisa sobre você. Sonhos? O que gostaria de fazer? Ler, ouvir música, sair, ir ao cinema? Frequenta barzinhos? Amigos? Pratica algum tipo de esporte? Acaso você mora aqui no meu prédio? Já nos vimos no elevador?

—...

Sem mais nem menos, um clique interrompe a ligação. Fica no ar, além das reticências de respostas às perguntas formuladas, a taciturnidade do telefone. A afrasia da noite alta como que magicamente se quadruplifica lá fora.
                                        ***

Tem sido assim, meses a fio. Miresola não sabe mais o que fazer. Ou como agir. Sente que, de certa forma, se tornou refém daquela situação caótica e esquisita que não sabe explicar. Se sente como um idiota. Toda noite à mesma hora o telefone tilinta e ele, segue a conversar com alguém que não sabe quem é. Se pelo menos a pessoa ligasse para seu celular, ele identificaria o número de onde viera provinda a ligação e retornaria. Qual o quê!

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. “Comédias da vida na privada”. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor.

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