Mas é o fim do mundo, professora! Redação? Ninguém merece isso, justo no primeiro dia de aula! Quer coisa mais chata do que escrever sobre as férias? Escrever já não é bacana, ainda mais sobre as férias. Não que elas não tivessem sido maneiras, mas transformar todas as peripécias em sujeitos, verbos e complementos não é muito a minha praia. E como é que dois meses inteirinhos vão caber em vinte linhas? E o causo da velha e o cachorrinho, que foram quase duas semanas para se resolver. Definitivamente, voltar para as aulas não é muito divertido.
Comprei meus materiais logo no início do mês e todos os dias os verificava para ver se estavam em ordem. Fiz aberturas em todas as matérias, desenhos de lápis, livros, pessoas felizes, para chegar ao grande dia e ouvir: “Escrevam como foram suas férias”.
Já nem estou mais com tanta vontade assim de estudar. No final do ano passado estava atolado de exames e recuperações, até nasceram alguns fios brancos de cabelo, mas prometi que agora faria tudo diferente, iria estudar feito camelo. Mas como camelo não estuda, então, não estou fugindo da promessa.
Sempre confundo o dia Independência com o da Proclamação da República e agora soube que vou ter que ler Alencar de Assis, ou seria Machado? E se não bastasse, a professora disse iniciamos o ano com um assassinato, o dos hífens, tremas e alguns acentos. Nem sei mais como vou comprar linguiça no mercado. Não importa, o que eu quero mesmo é me divertir com os amigos, reencontrá-los e colocar todos os boatos em dia.
E vejam, lá se foram quase quinze minutos de aula e eu nem comecei a minha redação. Nem me lembro como se começa uma. Se ao menos eu pudesse copiar de alguém. Mas aí não seriam as minhas férias. Se tem uma coisa que sou é honesto. Honestidade para mim é tudo. A próxima aula é de matemática, logo trocarei o pesadelo da redação pelo emaranhado de fórmulas e gráficos. Tudo graças ao tal do tio Pitágoras, que não tinha nada para fazer e foi inventar a fórmula de Bhaskara. Ou será que foi o Einstein? Não vejo à hora de ter aula de química, até porque a única química que existe é entre mim e a Maria. E falando nela, acho que terminou.
Quase todos já terminaram e eu aqui mostrando a minha indignação, que já devem ter superado vinte linhas. O que me importa agora é acabar de vez com essa tortura.
É por isso, querida professora, que não troco as minhas férias de dois meses (só a velha e o cachorro já valeu a pena), que foram inesquecíveis, por vinte linhas.
Fonte:
BATISTA, José Eduardo da Costa. O fim do mundo. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009. Disponível em Universidade Tuiuti do Paraná, Departamento de Letras. www.utp.br/eletras.
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