Não é de hoje a história das vesânias humanas.
O carnaval, que é uma frenopatia, filia-se às mais altas civilizações, exibindo-se rudimentário entre os povos selvagens. As sanhas (vontade incontrolável) dos Querubins egípcios, das Saturnais romanas, das Bacanais gregas, da festa dos Inocentes e dos Loucos, de que falam as crônicas da Idade Média, é a mesma do carnaval de Veneza, de Roma, de Paris, do Rio de Janeiro e das tribos amazônicas.
Entre todos os povos encontram-se as mascaradas – desde o Indo – que, como pensa Volney, desfigurava o céu, o metamorfoseava, até os nossos tucanos, que tomavam máscaras de folhas e de cascas de árvores, de terra e de cabeça de animais, para as festas do Buianté. S. João Crisóstomo condenava os deboches e as mascaradas nas igrejas; e o Papa Inocêncio III as verberava por meio de uma decreto:
– “Dão-se algumas vezes nas igrejas espetáculos e divertimentos de teatro, e não somente introduzem nesses espetáculos e nesses divertimentos monstros mascarados, mas ainda em certas festas os diáconos, os padres e subdiáconos permitem-se a liberdade de fazer toda a casta de loucuras e palhaçadas...
“Eu vos conjuro a exterminar este costume...”
O carnaval implica o uso da máscara e dos disfarces; e a máscara era usada pelos trágicos gregos e romanos. Nos Bacanais e nos espetáculos haviam máscaras que exprimiam o ódio, a lubricidade, a sátira...
Em França, desde o século XIV, diz o bibliófilo Jacó, as máscaras foram adotadas: Filipe o Belo tinha o carnaval como o folguedo de sua predileção.
Segundo o redator do Journal de Paris, citado pelo romancista dos Nouveaux romans de Paris, “uma singular mascarada teve lugar no reinado de Carlos VI, no cemitério dos Inocentes. Em uma ação fantástica, chamada Dança Macabra, indivíduos de ambos os sexos, disfarçados em gente de todas as condições, desfilavam ante a Morte, que impassível lhes ouvia as queixas. Pediam-lhe a prolongação da vida; uns para realizarem projetos de ambição, outros para gozarem de sua nova fortuna, todos para alguma quimera. A Morte, depois de chasquear em verso com os suplicantes, descarregava-lhes a foice”.
A mascarada da Dança Macabra esteve muito em voga na Alemanha e na Suíça.
Henrique III dispensava calorosa animação a esse regozijo público. À semelhança dos validos do rei, os nobres e as senhoras do tom mascaravam-se.
Acrescenta o historiador Lestoile que aquele soberano gostava tanto de fantasiar-se, que deitava-se de máscara, interiormente untuosa e pintada.
No Beppo de Lorde Byron, o poeta encarece o carnaval de Veneza: Goethe no Fausto é menos entusiasta pelo carnaval de Roma.
No tempo de Luís XIV as cortesãs e as mulheres da moda tatuavam-se exageradamente, e usavam de sinais pretos no rosto para fazerem-se mais lindas; muitas havia que sobre a alvura da face assentavam estrelas e meias-luas de tafetá, que concorriam para transformá-las.
A revolução acabou com as mascaradas em França, reaparecendo elas mais tarde nas ruas e teatros.
Uma coincidência: o carnaval francês agonizava, quando nascia o carnaval brasileiro.
O carnaval do Rio de Janeiro começou após a proibição do jogo do entrudo pelo desembargador Siqueira, único dos nossos chefes de polícia de quem a tradição repete o nome com segurança e respeito.
Muito antes, inauguraram-se os bailes mascarados, devido os primeiros à iniciativa da cantora Delmastro, que para aqui viera com a companhia lírica de Mme. Lagrange.
Estes bailes tiveram lugar onde é hoje o teatro da Fênix Dramática, que compreendia a grande chácara da Floresta.
Sucederam-se a estes os do Ângelo, na chácara da Rua do Conde, na Cidade Nova, e os do Nicola, no Largo do Rócio.
Ao crescente e inesperado favor do público corresponderam os teatros de S. Januário, Lírico Fluminense, S. Pedro e Ginásio, que para o mesmo fim abriram as suas portas, acompanhando-os o Clube Fluminense, que só admitia os sócios, e o Paraíso que aceitava a todos.
Em que consistia o nosso primitivo carnaval ao ar livre?
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Continua…
Fonte:
Melo Morais Filho. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.
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