A SRA. D. TERESA MARIA CAETANA DA TRINDADE
(Oferecida a sua madrinha D. Teresa Trindade por ocasião de seu aniversário)
Que importam anos? Uma flor existe
Que, quanto mais por ela o tempo corre
Mais seu aroma e seu verdor aumenta;
Com o tempo revive, nunca morre.
É a virtude, raio que no mundo
Do céu dardeja o sol da eternidade,
Em si bem como Deus o tempo encerra,
Anos não conta, nem aumenta a idade.
O homem que a contempla, embora viva
Séculos a contemplar-lhe a formosura,
Mais aroma lhe sente, e vê na forma
Mor garbo, mais beleza e mais doçura.
Não, as cãs da velhice não enfeiam
A fronte da matrona virtuosa;
Diadema de prata nela brilha,
Qual na da mocidade brilha a rosa.
Se a grinalda de rosas da donzela
É bela por dizer graça e meiguice,
Exprime mais solenes predicados
A coroa de prata da velhice.
Mostra uma virtude ainda nascente,
As galas, o trajar da juventude,
E a outra, coroa de triunfos,
Que já colheu dos anos a virtude.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
O DESALENTO
(Ao meu amigo Leopoldo Luís da Cunha)
Quando eu morrer, minha morte
Não lamentes, caro amigo,
Que o sepulcro é um jazigo
Onde eu devo descansar;
A minha triste existência
É tão pesada, é tão dura,
Que a pedra da sepultura
Já me não pode pesar.
Uma lágrima, um suspiro,
Eis quanto custa o morrer;
Custa-nos sempre o viver
Prantos, suspiros, sem fim!
Que tormento fora a vida,
Se não fosse transitória!?...
Não me risques da memória,
Porém não chores por mim.
Enchem trevas o sepulcro,
Mas ninguém delas se queixa;
Quando o morto os olhos fecha,
Não quer luz, quer sossegar;
Aquele fundo silêncio,
Aquele extremo abandono,
Dão-lhe tão profundo sono,
Que nem pode despertar.
Já tive medo da morte,
Agora tenho da vida;
Sinto minha alma abatida,
Sem vigor o coração;
Já cansado de viver,
Para a morte os olhos lanço;
Vejo nela o meu descanso,
A minha consolação.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
DOIS IMPOSSÍVEIS
Jamais! quando a razão e o sentimento
Disputam-se o domínio da vontade,
Se uma nobre altivez nos alimenta
Não se perde de todo a liberdade.
A luta é forte: o coração sucumbe
Quase nas ânsias do lutar terrível;
A paixão o devora quase inteiro,
Devorá-lo de todo é impossível!
Jamais! a chama crepitante lastra,
Em curso impetuoso se propaga,
Lancem-lhe embora prantos sobre prantos,
É inútil, que o fogo não se apaga.
Mas chega um ponto em que lhe acena o ímpeto
Em que não queima já, mas martiriza,
Em que tristeza branda e não loucura
À razão se sujeita e harmoniza.
É nesse ponto de indizível tempo
Onde, por misterioso encantamento,
O sentir a razão vencer não pode,
Nem a razão vencer ao sentimento.
No fundo de noss’alma um espetáculo
Se levanta de triste majestade,
Se de um lado a razão seu facho acende
De outro os lírios seus planta a saudade.
Melancólica paz domina o sítio,
Só da razão o facho bruxoleia
Quando por entre os lírios da saudade
Do zelo semimorto a serpe ondeia!
Dois limites então na atividade
Conhece o ser pensante, o ser sensível:
Um impossível — a razão escreve,
Escreve o sentimento outro impossível!
Amei-te! os meus extremos compensaste
Com tanta ingratidão, tanta dureza,
Que assim como adorar-te foi loucura,
Mais extremos te dar fora baixeza.
Minh’alma nos seus brios ofendida
De pronto a seus extremos pôs remate,
Que mesmo apaixonada uma alma nobre
Desespera-se, morre, não se abate.
Pode queixar-se inteira a felicidade
De teu olhar de fogo inextinguível,
Acabar minha crença, meu futuro,
Aviltar-me! jamais! É impossível!
Mas a razão, que salva da baixeza
O coração depois de idolatrar-te,
Me anima a abandonar-te, a não querer-te,
Mas a esquecer-te, não, sempre hei de amar-te!
Porém amar-te desse amor latente,
Raio de luz celeste e sempre puro
Que tem no seu passado o seu presente,
E tem no seu presente o seu futuro.
Tão livre, tão despido de interesse,
Que para nunca abandonar seu posto,
Para nunca esquecer-te, nem precisa
Beber, te vendo, vida no teu rosto.
Que, desprezando altivo quantas graças
No teu semblante, no teu porte via,
Adora respeitoso aquela imagem
Que deles copiou na fantasia.
(Oferecida a sua madrinha D. Teresa Trindade por ocasião de seu aniversário)
Que importam anos? Uma flor existe
Que, quanto mais por ela o tempo corre
Mais seu aroma e seu verdor aumenta;
Com o tempo revive, nunca morre.
É a virtude, raio que no mundo
Do céu dardeja o sol da eternidade,
Em si bem como Deus o tempo encerra,
Anos não conta, nem aumenta a idade.
O homem que a contempla, embora viva
Séculos a contemplar-lhe a formosura,
Mais aroma lhe sente, e vê na forma
Mor garbo, mais beleza e mais doçura.
Não, as cãs da velhice não enfeiam
A fronte da matrona virtuosa;
Diadema de prata nela brilha,
Qual na da mocidade brilha a rosa.
Se a grinalda de rosas da donzela
É bela por dizer graça e meiguice,
Exprime mais solenes predicados
A coroa de prata da velhice.
Mostra uma virtude ainda nascente,
As galas, o trajar da juventude,
E a outra, coroa de triunfos,
Que já colheu dos anos a virtude.
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O DESALENTO
(Ao meu amigo Leopoldo Luís da Cunha)
Quando eu morrer, minha morte
Não lamentes, caro amigo,
Que o sepulcro é um jazigo
Onde eu devo descansar;
A minha triste existência
É tão pesada, é tão dura,
Que a pedra da sepultura
Já me não pode pesar.
Uma lágrima, um suspiro,
Eis quanto custa o morrer;
Custa-nos sempre o viver
Prantos, suspiros, sem fim!
Que tormento fora a vida,
Se não fosse transitória!?...
Não me risques da memória,
Porém não chores por mim.
Enchem trevas o sepulcro,
Mas ninguém delas se queixa;
Quando o morto os olhos fecha,
Não quer luz, quer sossegar;
Aquele fundo silêncio,
Aquele extremo abandono,
Dão-lhe tão profundo sono,
Que nem pode despertar.
Já tive medo da morte,
Agora tenho da vida;
Sinto minha alma abatida,
Sem vigor o coração;
Já cansado de viver,
Para a morte os olhos lanço;
Vejo nela o meu descanso,
A minha consolação.
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DOIS IMPOSSÍVEIS
Jamais! quando a razão e o sentimento
Disputam-se o domínio da vontade,
Se uma nobre altivez nos alimenta
Não se perde de todo a liberdade.
A luta é forte: o coração sucumbe
Quase nas ânsias do lutar terrível;
A paixão o devora quase inteiro,
Devorá-lo de todo é impossível!
Jamais! a chama crepitante lastra,
Em curso impetuoso se propaga,
Lancem-lhe embora prantos sobre prantos,
É inútil, que o fogo não se apaga.
Mas chega um ponto em que lhe acena o ímpeto
Em que não queima já, mas martiriza,
Em que tristeza branda e não loucura
À razão se sujeita e harmoniza.
É nesse ponto de indizível tempo
Onde, por misterioso encantamento,
O sentir a razão vencer não pode,
Nem a razão vencer ao sentimento.
No fundo de noss’alma um espetáculo
Se levanta de triste majestade,
Se de um lado a razão seu facho acende
De outro os lírios seus planta a saudade.
Melancólica paz domina o sítio,
Só da razão o facho bruxoleia
Quando por entre os lírios da saudade
Do zelo semimorto a serpe ondeia!
Dois limites então na atividade
Conhece o ser pensante, o ser sensível:
Um impossível — a razão escreve,
Escreve o sentimento outro impossível!
Amei-te! os meus extremos compensaste
Com tanta ingratidão, tanta dureza,
Que assim como adorar-te foi loucura,
Mais extremos te dar fora baixeza.
Minh’alma nos seus brios ofendida
De pronto a seus extremos pôs remate,
Que mesmo apaixonada uma alma nobre
Desespera-se, morre, não se abate.
Pode queixar-se inteira a felicidade
De teu olhar de fogo inextinguível,
Acabar minha crença, meu futuro,
Aviltar-me! jamais! É impossível!
Mas a razão, que salva da baixeza
O coração depois de idolatrar-te,
Me anima a abandonar-te, a não querer-te,
Mas a esquecer-te, não, sempre hei de amar-te!
Porém amar-te desse amor latente,
Raio de luz celeste e sempre puro
Que tem no seu passado o seu presente,
E tem no seu presente o seu futuro.
Tão livre, tão despido de interesse,
Que para nunca abandonar seu posto,
Para nunca esquecer-te, nem precisa
Beber, te vendo, vida no teu rosto.
Que, desprezando altivo quantas graças
No teu semblante, no teu porte via,
Adora respeitoso aquela imagem
Que deles copiou na fantasia.
Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas.
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