O CIDADÃO PIRES DA CONCEIÇÃO XICRINHA requereu numa das varas de família do Rio de Janeiro, seu divórcio, tendo em vista que não podia, segundo ele, oferecer nada de bonito e elegante à sua esposa, a bela e esfuziante Pedralinda Pedregulhosa da Costa Xicrinha, ao passo que ela tinha de tudo do bom e do melhor.
De fato, linda e maravilhosa, no albor dos vinte, Pedralinda Pedregulhosa da Costa Xicrinha era filha de mamãe e de papai. Apesar de saber do divorcio repentino, num primeiro momento rodou a baiana, subiu nas tamancas, virou bicho. No dia da audiência, mais calma, contratou a sua mãe, advogada porreta e sogra de Pires da Conceição Xicrinha. Os dois (nora e genro) pareciam gato e rato numa briga desigual.
No dia aprazado, todos reunidos na sala de audiência, a mãe advogada pediu a palavra, depois que o juiz abriu a boca e deu por aberta a contenda e mandou aquelas palavras idiotas de sempre, coisas para bois cansados e com sono dormirem logo que se recolhem a seus aposentos reais:
JUIZ:
- Senhora Pedralinda, não existe a possibilidade de ser repensado o pedido aqui protocolado e o casal terminar com os entraves e partir para uma possível reconciliação?
Antes que a autora respondesse, a mãe dela, dona Aurora Tribufú da Costa tomou a dianteira.
MÃE:
- Na, né, ni, na não, excelência...
O juiz escaneou a senhora de cima em baixo ajeitando os óculos para melhor contemplar a beldade que bruscamente o interrompera.
JUIZ:
- A senhora, quem é?
Aurora Tribufú da Costa, mãe de Pedralinda Pedregulhosa da Costa Xicrinha se levantou num salto e, igualmente, encarou o juiz:
- Sou a mãe dela, senhor juiz.
JUIZ:
- Senhora, quem precisa decidir é a sua filha. Por favor, fique em silêncio.
A senhora Aurora Tribufú da Costa vociferou:
- Um momento, Excelência. Eu preciso esclarecer que...
O juiz, soltou um latido esquisito e estridente dando sinais de fúria, como se tivesse sido mordido por um leão esfomeado:
- Senhora, como é seu nome?
MÃE:
- Meu nome é Aurora Tribufú da Costa. E o seu?
JUIZ:
- Isto não vem ao caso. Então, dona Aurora, a senhora como mãe, não pode interferir. Fique calada, ou pedirei que saia desta sala.
A MÃE (DE NOVO):
- Protesto, Excelência.
O JUIZ (BATEU NA MESA):
- Como é que é?
A MÃE (AGORA, VISIVELMENTE TRÊMULA E NERVOSA):
- Eu protesto. Sou a mãe dela.
JUIZ:
- Não importa. Fique de boca fechada. A senhora não pode meter o bedelho.
A MÃE (SOCOU TAMBÉM A MESA, EM REAÇÃO AO ATO DO MAGISTRADO):
- Excelência, sou a mãe dela, como disse e outro detalhe. Sou advogada e estou aqui devidamente constituída defendendo os direitos de minha filha, tendo em vista o marido dela (este ai – falou apontando o sujeito) querer dar uma de João sem braço em cima da minha menina. Se Vossa Excelência olhar no processo, verá a minha procuração.
O JUIZ (COÇOU A CABEÇA):
- Por que não disse logo que era advogada da separanda?
A MÃE:
- O senhor não perguntou...
JUIZ:
- E por que a sua filha não pode responder ao que perguntei?
MÃE (DESABAFANDO):
- Meu genro, excelência, esta coisa aí, o Pires da Conceição Xicrinha é um pobretão metido a riquinho. Aliás, um riquinho fajuto. Alegou, em sua petição, que nada pode oferecer de bonito e elegante à minha querida filha.
E COMPLETOU, CHEIA DE IRA:
- Estou farta de ouvir, nos fóruns da vida, e nas audiências que faço, que os maridos que se queixam alegando que as suas mulheres são bonitas demais para eles, é porque não tem dinheiro suficiente para bancar os gastos mais prementes dos quais elas necessitam no dia a dia. Ou seja, este sujeitinho ai, em resumo, quer dar o golpe. Com a separação, pretende mamar metade dos bens que dei a ela. Eu mato este sujeito, eu mato... Tenho dito...
Juntando as palavras ao gesto, a mãe da jovem abriu a bolsa e empunhou uma 380 novinha em folha. O juiz, apavorado, se escondeu debaixo da mesa. O genro preferiu voar para uma sala contígua, sendo seguido por sua advogada. A promotora de justiça desmaiou.
A escrivã, antes de sair de cena, derrubou o computador que se espatifou, no chão causando uma explosão. Alguém, lá fora, ouvindo a discussão acalorada e os gritos de socorro, chamou os policiais que meteram os pés na porta e contiveram a advogada. Completamente endiabrada, a tresloucada partiu para cima do genro, arma empunhada, prometendo, a brados retóricos, manda-lo para a terra dos pés juntos. Acabou presa.
Fonte:
Texto enviado pelo autor.
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