Nestes tempos, em que, embora com dinheiro no cofre, no Banco ou no bolso, não se encontra no Rio uma casa, mesmo de segunda ordem, para alugar ou adquirir, é de meter inveja a felicidade do comendador Severiano Braga de Souza, com a sua chácara monumental, situada, como numa floresta, em pleno coração do bairro de Botafogo.
A propriedade do comendador Severiano constitui, realmente, um dos orgulhos do Rio de janeiro. O prédio, que pertenceu ao saudoso visconde de Coroatá e, mais tarde, à baronesa de Itapirú, é depois das reformas a que foi submetido um verdadeiro palácio. O que porém, valoriza ainda mais tudo aquilo, é o terreno beneficiado pela mão dos seus antigos proprietários e conservado com um zelo religioso pelo opulentíssimo capitalista que atualmente o possui.
Informado da existência dessa preciosidade, eu próprio me fiz, um destes dias, convidado, e atirei-me a visitar o comendador. E foi para mim um deslumbramento aquele conjunto de maravilhas em que se casam, numa suave harmonia que embala os sentidos, a inteligência da Arte e a graça inocente da Natureza.
- Quer, então, ver esta sua casa?... - observou, satisfeito, o antigo presidente do Banco Popular Carioca.
E, tomando-me pelo braço, levou-me a percorrer, um a um, os pontos encantadores da chácara.
- Isto aqui, - observou-me, apontando-me um enorme viveiro em que pipilavam toda a sorte de passarinhos nacionais ou exóticos, - isto aqui é o meu encanto de todas as manhãs. Temos aqui o melro, o corrupião, o rouxinol, o periquito, a cambachirra, o curió, enfim, duzentas ou trezentas aves diferentes.
E, como se eu não soubesse, explicou-me, com ênfase:
- É o aviário!
Mais alguns passos, e, ao fundo de uma gruta iluminada, onde peixinhos de mil espécies rabeavam como joias vivas, em pequenos depósitos de água límpida, esclareceu-me, com a mesma erudição:
- É o aquário!
Examinados os recantos da caverna encantada que me transportava como num sonho, ao fundo maravilhoso do oceano passamos adiante. Era uma espécie de clareira, de várzea chã, onde se estendia; cheirando e florindo, um tapete macio, úmido, multicor, de ervas aromáticas.
- É o herbário! - ensinou-me o comendador.
Nesse momento, porém, chamaram a minha atenção umas latadas enormes, artisticamente dispostas, formando caminhos ensombrados. Endireitei os óculos para examinar melhor e vi: tratava-se de uma admirável plantação de parreiras abertas em frutos, em que os cachos, amarelos uns, roxos outros, pendiam sumarentos, brilhantes e numerosos, como bolhas de ouro ou de vinho suspensas miraculosamente das folhas.
- Magnífico! - exclamei, deslumbrado.
O comendador inflou a barriga, sorriu, desvanecido e, estendendo o dedo no rumo do parreiral, explicou, com orgulho:
- É o "uvário"!
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado em 1925.
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