quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Humberto de Campos (A Chácara)


Nestes tempos, em que, embora com dinheiro no cofre, no Banco ou no bolso, não se encontra no Rio uma casa, mesmo de segunda ordem, para alugar ou adquirir, é de meter inveja a felicidade do comendador Severiano Braga de Souza, com a sua chácara monumental, situada, como numa floresta, em pleno coração do bairro de Botafogo.

A propriedade do comendador Severiano constitui, realmente, um dos orgulhos do Rio de janeiro. O prédio, que pertenceu ao saudoso visconde de Coroatá e, mais tarde, à baronesa de Itapirú, é depois das reformas a que foi submetido um verdadeiro palácio. O que porém, valoriza ainda mais tudo aquilo, é o terreno beneficiado pela mão dos seus antigos proprietários e conservado com um zelo religioso pelo opulentíssimo capitalista que atualmente o possui.

Informado da existência dessa preciosidade, eu próprio me fiz, um destes dias, convidado, e atirei-me a visitar o comendador. E foi para mim um deslumbramento aquele conjunto de maravilhas em que se casam, numa suave harmonia que embala os sentidos, a inteligência da Arte e a graça inocente da Natureza.

- Quer, então, ver esta sua casa?... - observou, satisfeito, o antigo presidente do Banco Popular Carioca.

E, tomando-me pelo braço, levou-me a percorrer, um a um, os pontos encantadores da chácara.

- Isto aqui, - observou-me, apontando-me um enorme viveiro em que pipilavam toda a sorte de passarinhos nacionais ou exóticos, - isto aqui é o meu encanto de todas as manhãs. Temos aqui o melro, o corrupião, o rouxinol, o periquito, a cambachirra, o curió, enfim, duzentas ou trezentas aves diferentes.

E, como se eu não soubesse, explicou-me, com ênfase:

- É o aviário!

Mais alguns passos, e, ao fundo de uma gruta iluminada, onde peixinhos de mil espécies rabeavam como joias vivas, em pequenos depósitos de água límpida, esclareceu-me, com a mesma erudição:

- É o aquário!

Examinados os recantos da caverna encantada que me transportava como num sonho, ao fundo maravilhoso do oceano passamos adiante. Era uma espécie de clareira, de várzea chã, onde se estendia; cheirando e florindo, um tapete macio, úmido, multicor, de ervas aromáticas.

- É o herbário! - ensinou-me o comendador.

Nesse momento, porém, chamaram a minha atenção umas latadas enormes, artisticamente dispostas, formando caminhos ensombrados. Endireitei os óculos para examinar melhor e vi: tratava-se de uma admirável plantação de parreiras abertas em frutos, em que os cachos, amarelos uns, roxos outros, pendiam sumarentos, brilhantes e numerosos, como bolhas de ouro ou de vinho suspensas miraculosamente das folhas.

- Magnífico! - exclamei, deslumbrado.

O comendador inflou a barriga, sorriu, desvanecido e, estendendo o dedo no rumo do parreiral, explicou, com orgulho:

- É o "uvário"!

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado em 1925.

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