segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (Para todas as horas)


ANINHA LIGOU para a amiga Eloísa e disse que precisava se avistar o mais rapidamente possível com ela. Uma dúvida cruel a atormentava e lhe chegara, por conta, ao incômodo de lhe afetar o sossego e tirar o sono:

— Venha aqui em casa. Vou lhe esperar com um café reforçado. Pegue um Uber. Eu pago...

— OK. Estou indo.

— Vou providenciar nosso café.

Aninha passou a mão na bolsa, pediu um carro de aplicativo e, vinte minutos depois, estava sentada à farta mesa do café no apartamento da sua melhor e única amiga, confidente íntima a quem contava todos os seus segredos, mesmo os mais inadmissíveis e cabeludos:

— E então, Aninha, o que foi desta vez?

— Encontrei um bilhete no bolso do paletó de meu marido! Acho que o Leopoldo está me traindo. Aquele safado tem uma amante, uma amante, Eloísa.

— Um bilhete, amiga?

— Na verdade, o terceiro, só esta semana. Se eu pego a vagabunda, eu mato, juro que mato...

— E o que ele diz?

— Ele quem, meu marido?

— Não, Aninha, os tais bilhetes...

— Estou tão furiosa, tão irritada, que dei para me atrapalhar. Pra você ter uma ideia, já me peguei falando sozinha com a geladeira.

Eloisa caiu numa estrondosa gargalhada:

— E ela respondeu?

— Amiga, você está me tirando? Fazendo hora com a minha cara?

— Claro que não, amiga. Só estou tentando descontrair a sua irritação. Continue, o que diziam os bilhetes?

— No primeiro, a sem vergonha escreveu: ‘Amor, eu te amo. Vamos nos ver no lugar de sempre?’. O segundo, esclarece pouca coisa: ‘meu gato, nosso encontro de ontem foi legal. Vamos repetir a façanha? Me liga. O terceiro, dá conta de que sou ‘otária’. A maldita me chamou de otária. E assinou assim: ‘Sua gatinha, E...’.

— E...?!

— É. A infeliz assinou com um ‘E’ e um coraçãozinho. A desnaturada deve se chamar Elisa, Eliane, Érica, Esther...

— Meu Deus, amiga, que safada! Acaso você desconfia de alguém?

— Sim e não. Para dizer a verdade, sim.

— De quem?

— Olhe você mesma os bilhetinhos. Salvo melhor juízo, me parece, com a caligrafia da secretária dele, a Efigênia.

Aninha abre a bolsa e, de dentro, tira os bilhetinhos encontrados no bolso do paletó do marido:

— Pode ser. Você não deixa de ter razão.

— Eloísa, você ainda tem aquele caderninho cheio de páginas com folhinhas coloridas iguais aos destas mensagens?

— Sim, amiga... Quero dizer, tinha...

— Ué! Que fim levou?

— Joguei fora. Depois que arranjei um problema com a minha mão direita... Ela deu para ficar dormente, assim sem mais nem menos e pior, a doer terrivelmente. Peguei a droga do caderninho e joguei no lixo. Veja você mesma. Nem segurar a caneta estou conseguindo. Se você soubesse como esta coisa dói... Minha vizinha aqui do lado, me disse que é artrite, ou artrose, sei lá.

— Credo, amiga! Não sabia. Que situação! Quanto aos bilhetinhos, o que acha que devo fazer?

— Deixa todos aqui comigo. Vou tentar apurar se as letras de uma de nossas amigas (as que costumam frequentar aqui em casa, nos encontros que nossos maridos e os delas, lógico promovem), batem, ou se assemelham com a caligrafia destes papeizinhos.

— Que legal, minha amiga. Bem pensado. Você me faria este favor?

— Com certeza. Lembra que somos unha e carne e a nossa amizade, nestas horas, serve para ajudar no que for preciso. Asseguro a você que juntas vamos desmascarar rapidinho quem poderá estar se encontrando com o Leopoldo. Deixa estar, ou não me chamo Eloísa.

— Mas nenhuma das esposas tem o nome começado com a letra ‘E’.

— Pode ser um despiste, amiga. Pra não dar na pinta, entende? Juro a você que pego essa periguete seja lá quem for, com a boca na botija.

— E como fará isto?

— Minha ideia, a princípio é comparar as letras. E como farei isto? Pedindo a cada uma das esposas que escrevam alguma coisa para mim.

— Para mim?

— Para eu. Inclusive, até você entrará no jogo. A partir de agora, não fale nada pra ninguém. Bico calado. Te juro que mais cedo do que você pensa, pegarei o sem noção do Leopoldo. Ele que me aguarde.

— Ele?

— Sim amiga, ele...

— Não estou conseguindo acompanhar a sua cabeça. Desenhe.

— Eles, amiga, os bilhetinhos, os bilhetinhos...

Fonte:
Texto integrante do livro 'Comédias da Vida na Privada'. Editora AMC-Guedes Rio de Janeiro 2021.
Texto enviado pelo autor.

Nenhum comentário: