sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Stanislaw Ponte Preta (Levantadores de copo)


Eram quatro e estavam ali já ia pra algum tempo, entornando seu uisquinho. Não cometeríamos a leviandade de dizer que era um uísque honesto porque por uísque e mulher quem  bota a mão no fogo está arriscado a ser apelidado de maneta.

E sabem como é, bebida batizada sobe mais que carne, na  COFAP. Os quatro, por conseguinte, estavam meio triscados.

A conversa não era novidade. Aquela conversa mesmo, de bêbado, de língua grossa. Um cantarolava um samba, o outro soltava um palavrão dizendo que o samba era ruim. Vinha uma discussão inconsequente, os outros dois separavam, e voltavam a encher os copos.

Aí a discussão ficava mais acalorada, até que entrasse uma mulher no bar. Logo as quatro vozes, dos quatro bêbados, arrefeciam. Não há nada melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbado, do que entrada de mulher no bar. Mas, mal a distinta se incorporava aos móveis e utensílios do ambiente, tornavam à conversa em voz alta.

Foi ficando mais tarde, eles foram ficando mais bêbados. Então veio o enfermeiro (desculpem, mas garçom de bar de bêbado é muito mais enfermeiro do que garçom). Trouxe a nota, explicou direitinho por que era, quanto era etc. etc., e, depois de conservar nos lábios aquele sorriso estático de todos os que ouvem espinafração de bêbado e levam a coisa por conta das alcalinas, agradeceu a gorjeta, abriu a porta e deixou aquele cambaleante quarteto ganhar a rua.

Os quatro, ali no sereno, respiraram fundo, para limpar os pulmões da fumaça do bar, e foram seguindo calçada abaixo, rumo a suas residências. Eram casados os quatro entornados que ali iam. Mas a bebida era muita para que qualquer um deles se preocupasse com a possibilidade de futuras espinafrações daquela que um dia — em plena clareza de seus atos — inscreveu como esposa naquele livrão negro que tem em todo cartório que se preze.

Afinal chegaram. Pararam em frente a uma casa e um deles, depois de errar várias vezes, conseguiu apertar o botão da campainha. Uma senhora sonolenta abriu a porta e foi logo entrando de sola.

— Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbados, não é?

Foi aí que um dos bêbados pediu:
 
— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996.

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