domingo, 5 de novembro de 2023

Eduardo Affonso (Traição)

– Tem certeza que o local é seguro?

– Claro que tenho.

– Discreto?

– Discretíssimo.

– Ninguém vai ver a gente entrar nem sair?

– Não, não vai.

– Tem que ser no sigilo.

– Será.

– Não tem câmera de segurança na rua?

– Não, não tem.

– Pode ser lá, então.

(Meia hora depois)

– Fecha bem as cortinas. Vai que alguém…

– Pronto. Fechei.

– Já fez varredura pra ver se não tem cam ou microfone escondido no teto, na tevê, na jacuze?

– Não leva a mal, mas você está parecendo paranoica…

– Fez ou não fez a varredura?

– Fiz.

– Desliga o celular, então.

– O quê? Você acha que eu… ?

– Eu sou uma pessoa conhecida, Paulo Roberto. Se isso vaza, minha vida está arruinada, minha carreira acabou.

– Ok, desliguei o celular.

– Tira a bateria.

– Tirar a bateria?

– Recebi um zap outro dia dizendo que o celular, mesmo desligado, continua ouvindo tudo, rastreando tudo.

– Olha, isso está ficando muito estranho. Melhor a gente deixar pra lá…

– Não, não. Eu quero muito. Eu preciso tanto! E sei que você não vai sair contando pra todo mundo, espalhando pros seus amigos.

– Pode confiar em mim.

– Posso mesmo? Olha como eu estou tremendo… Ai, meu Deus, meu marido jamais imaginou que eu fosse capaz disso, meus filhos nem sonham, e meus amigos… o que meus amigos iriam dizer?

– Não temos a tarde toda, Ana Lúcia. Vai, você é uma mulher adulta, independente. Tira essa culpa dos ombros, solta essas amarras. Liberte-se desses dogmas que te oprimem, dessa pressão da sociedade. Não tenha medo do que vão pensar. Diz pra mim, vai. Quero ouvir da sua boca…

– Trancou a porta?

– Tranquei.

– Deu duas voltas na chave?

– Dei.

– Apaga a luz.

A luz é apagada.

Na penumbra, Ana Lúcia respira profundamente. Semicerra os olhos. Passa a língua pelos lábios. Engole em seco. Do fundo da garganta, com a voz entrecortada, quase um sussurro, ela confessa:

– Paulo Roberto, eu apoio a Regina Duarte.

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