quinta-feira, 8 de maio de 2008

José Lins do Rego (Fogo Morto)

José Amaro vivia de consertar sela, arreios, mexer com o couro, com a sola. Passava o dia trabalhando em sua tenda na frente da casa. Muitos eram os que passavam pela estrada e cumprimentavam-no, paravam para um conversa rápida, ou então para pedir algum conserto, entre eles Seu Laurentino, o pintor, Torquato, o cego, Alípio, o aguardenteiro, que mais tarde entrou para o bando do Capitão Antônio Silvino, Vitorino, seu compadre, e o negro José Passarinho. Alguns ele atendia com certa satisfação, fazia até consertos de graça, mas recusava-se a atender o pessoal do Santa Rosa, engenho do Coronel José Paulino, com quem tinha suas diferenças. Dizia que o coronel gritava com todos e que ele não era homem de levar grito. Sentia orgulho nessa sua atitude. Fora sempre um homem de trato duro, áspero, mas ultimamente tinha piorado muito, estava sempre bravo com todos, sempre com críticas, qualquer coisa que alguém dizia ele retrucava.

Também dera para ter raiva de sua família. Sinhá tinha se casado com José Amaro para não ficar moça velha, como ia ficando sua filha, solteira e já com trinta anos. Toda a vida Sinhá passou sem exercer sua vontade, obedecendo em tudo ao marido. A única coisa que lhe dava motivo de viver era sua filha Marta. Defendia-a dos ataques do marido que a cada dia que passava ia ficando mais ríspido, mais duro no tratamento com elas. As atitudes destemperadas do seleiro foram também, pouco a pouco, criando um sentimento de medo em Sinhá, percebia que o marido estava ficando diferente, ensimesmado, mais agressivo, distante. E ainda havia a história de ele ser lobisomem.

Sinhá cuidava da casa, da criação, mas não tinha dado ao seleiro um filho. Ao invés disso, deu-lhe uma filha, Marta, que por qualquer coisa chorava. Nunca tinha se casado, apesar de ser moça estudada: sabia ler, tinha letra bonita, bordava e costurava. Não era moça feia, outras menos bonitas tinham conseguido marido. Agora com trinta anos dera para chorar baixinho o dia todo, tinha uma aflição que a comia por dentro. Um dia Marta teve uma crise, foi encontrada deitada no chão da sala, grunhindo. Por algum tempo depois da crise parecia que estava melhor, mais animada, até que um dia saiu da casa gritando e rindo sem parar. José Amaro pegou um pedaço de sola na mão e deu uma surra em Marta. A partir de então, Marta começou a falar coisas sem sentido e a dar risadas medonhas. Tinha endoidado de vez.

A angústia com a vida que José Amaro levava foi aumentando e num ímpeto de tentar aliviá-la, o mestre começou a dar uns passeios pela redondeza à noite. Isto e mais sua aparência descuidada, sua pele amarelada pelo trabalho com o couro motivaram o falatório do povo e alimentaram a crença em que José Amaro tinha se transformado em lobisomem.

O sofrimento de José Amaro só era amenizado pelas histórias do bando do Capitão Antônio Silvino, que enfrentava as tropas do Tenente Maurício e os coronéis de engenho a favor dos pobres. Alípio é quem trazia as notícias da movimentação do bando, e começou a pedir a ajuda do mestre para arranjar provisões para o bando e para saber onde andava o tenente. Isso deu ao mestre um sentimento de utilidade, de orgulho, agora ele tinha um novo motivo para viver.


Mestre Amaro vivia no engenho Santa Fé desde os tempo em que o Capitão Tomás era o proprietário. Depois da morte do Capitão Tomás, seu genro, Coronel Luís César de Holanda Chacom é quem passou a tomar conta do Santa Fé _ .

Coronel Lula de Holanda passava sempre pela porta de mestre José Amaro com seu cabriolé. José Amaro gostava de ver o cabriolé enchendo a estrada, com seus cavalos, suas lamparinas, suas campainhas. Só não gostava da soberba do coronel. Não era homem de andar a pé pelo engenho, não gostava de tomar conta da propriedade, que a cada dia estava mais abandonada. Não era como no tempo do Capitão Tomás. Entre sua criadagem tinha o negro Floripes, que o Coronel Lula apadrinhou. Fazia questão que o negro acompanhasse as rezas da família todo final de tarde.

Aproveitando-se da doença do Coronel e da estima que este lhe tinha, Floripes inventou uma intriga a respeito de José Amaro. Isto porque o seleiro não gostou de um recado que o coronel havia mandado pelo negro e enxotou-o de sua casa. O Coronel mandou chamar o mestre e pediu para ele sair de suas terras. No dia seguinte, Sinhá, ajudada pelo compadre Vitorino, levou Marta para um hospital no Recife. O mestre sentiu um enorme vazio, medo de voltar para casa, e, debaixo de uma pitombeira, abaixou a cabeça e chorou.

O engenho do Seu Lula

"O Capitão Tomás Cabral de Melo chegara do Ingá do Bacamarte para a Várzea do Paraíba, antes da revolução de 1848, trazendo muito gado, escravos, família e aderentes." Comprou umas terras perto do Santa Rosa e se instalara ali. Era homem trabalhador, ele mesmo, junto com seus homens, foi levantando o Santa Fé. No começo, não sabia nada de açúcar, criava gado, plantava algodão. Mas era homem obstinado, levantou o engenho, comprou o que foi necessário para dar início à produção e dois anos depois colhia sua primeira safra. O povo, que não tinha botado fé naquele camumbembe, via com espanto o engenho crescer, tomar corpo. Depois de algum tempo, o Santa Fé produzia mais que outros engenhos de mais recursos.

Diziam que os negros do Santa Fé eram maltratados, que recebiam castigos tremendos. "Negro no Santa Fé era de verdade besta de carga." Sua escravatura não participava das festas do Pilar, "não vivia no coco como a do Santa Rosa." O capitão achava que negro tinha nascido para o trabalho e, mesmo ele, que não era negro, trabalhava de sol a sol. O resultado disso é que o Santa Fé era um engenho triste.

Quando a filha Amélia voltou dos estudos no Recife, mandou buscar um piano. Este fato foi motivo de festa para o povo, que nunca tinha visto um piano de cauda, maior que todos da região. Mais de dez negros trouxeram o piano na cabeça pela estrada e o capitão vinha atrás dando ordens. Neste mesmo ano o Capitão Tomás mandou pintar a casa-grande e registrou o ano de 1850 no frontão da casa.

Nos finais das tardes de domingo, o prazer do capitão era ouvir sua filha tocar valsas. A mulher, cansada dos trabalhos da cozinha, com as mãos grossas de debulhar milho para negro, enchia-se de alegria. D. Amélia tocava suas varsovianas com alma. Aquele era um momento especial no Santa Fé. Pai, mãe e a escravatura experimentavam uma existência muito diferente dos dias normais, embalados pela música.

O capitão estava no auge de sua vida, com o engenho produzindo como nunca, tinha voz de comando no Partido Liberal, era respeitado por todos. Mas o fato de sua filha mais velha , tão prendada, educada no Recife, não ter se casado enchia o coração do velho de tristeza. Ali na Ribeira não havia homem para ela. Queria homem educado, de bons modos, que a tratasse bem. Até que apareceu, vindo de Pernambuco, o primo Luís César de Holanda Chacom. Homem de boa aparência, educado. O Capitão Tomás gostou logo do rapaz e foi-lhe chamando de Lula. D. Amélia também se engraçou dele, e as varsovianas passaram a ter mais sentimento. Entretanto, tempos depois o rapaz foi em viagem para o Recife, sem fazer o pedido tão esperado, e o silêncio reinou naquela casa.

Ao mesmo tempo, chegaram notícias do Recife sobre Olívia, a filha mais nova do Capitão Tomás, dizendo que ela se encontrava com uma doença de difícil cura. Foi com muita tristeza que o capitão foi visitá-la. Não pôde trazê-la para casa como queria. Voltou para o Santa Fé completamente abalado, era outro homem. Passados meses, todos na casa já tinham se conformado com a doença de Olívia, menos ele. Ia de dois em dois meses visitar a filha e quando voltava não falava com ninguém. Sofria calado, abandonou o Partido Liberal, não tinha mais gosto pelo trabalho, ficava horas deitado no marquesão da sala. Nem sua filha Amélia conseguia tirar o pai daquele estado. Até que um moleque escravo fugiu. O Capitão levantou-se atrás do negro fujão, voltou com ele e mandou dar-lhe um corretivo. Um outro fato que o ajudou a sair daquele estado foi a chegada de uma carta do Recife, com o pedido de casamento do primo Lula.

O Capitão Tomás quis que sua filha continuasse morando no engenho com o marido. Entretanto, conforme o tempo ia passando, o capitão notou com tristeza que o genro não tinha o menor interesse pelo engenho. Tentou de todas as maneiras motivar o primo Lula, mas este só andava engravatado, vestido para visita. Assustou-se por pensar que um dia tudo aquilo seria do marido de sua filha, e que o rapaz não tinha gosto pelo trabalho. O que o conformava é que Lula tratava bem de sua filha, era carinhoso, tinha boa figura, sua filha parecia feliz.

Um dia, entrou pelo Santa Fé o cabriolé de Luís César de Holanda Chacom, vindo do Recife. Tiveram que mandar consertar os caminhos para que o cabriolé pudesse passar. A família ia agora de carro para a missa no Pilar, quando passavam todos olhavam com admiração. O capitão gostou da "importância que lhe vinha de tudo".

O moleque Domingos foge novamente, desta vez levando dois cavalos de sela. Seu Lula foi junto com o Capitão Tomás atrás do negro. Seguiram as pistas que um ou outro indicava e deram numa fazenda. O dono sentiu-se ofendido por desconfiarem que escondia negro fugido e ladrão. Cercados por mais dois de punhal, o capitão e o primo tiveram que engolir as ofensas e voltaram sem Domingos. Esta situação motivou novo desânimo no capitão. Ficou como se estivesse doente, como quando soube da doença da filha Olívia. Durante dias ficou deitado na rede da varanda, sem ânimo para nada. Escutava sua filha Olívia, que tinha mandado buscar, falando coisas sem nexo. Aquilo doía-lhe a alma.

Lula tentou assumir o engenho, mas mostrou seu lado mau ao mandar castigar um negro sem razão. D. Mariquinha, mulher do Capitão Tomás, brigou com o genro e tomou as rédeas do engenho. Era ela quem dava as ordens agora. O genro e a filha ficaram magoados e o Santa Fé ficou ainda mais calado, triste. Numa tarde, no alpendre da casa, faleceu o Capitão Tomás.

Houve briga pelo inventário. Lula fez exigências, Mariquinha não concordou. D. Amélia, de início, foi contra o marido, mas acabou cedendo. A partir de então, quando o povo via o Seu Lula passando de cabriolé com a família, via um homem ambicioso, que queria roubar a sogra. D. Amélia sofria com a situação entre sua mãe e o marido, quis morar em outro lugar, mas Seu Lula não quis por causa da filha. A menina era mimada, chorava muito à noite. D. Mariquinha queria ajudar, a neta era a única alegria de sua vida de viúva; entretanto, Lula fez de tudo para que a sogra não se apegasse à neta, proibiu-a até de segurar a criança. Ela passou a detestar aquele homem sem sentimento e só abrandou seu ódio quando a neta ficou doente e o genro, ao contrário de todo homem que ela conhecia, cuidou noite e dia da menina, não saía do seu lado. D. Mariquinha teve de reconhecer que ele era um bom pai e amava aquela criança e, assim, embora triste, conformou-se com a situação.

Depois da morte de D. Mariquinha, Lula reuniu os negros, dali para a frente não haveria mais vadiação e todos deveriam rezar as ave-marias das tardes. Nada mais de S. Cosme e S. Damião. "Aquilo era feitiçaria." Seu Lula, agora Capitão Lula de Holanda, passava o dia na rede brincando com a filha, lendo jornal, o feitor vinha buscar as ordens e dar conta do serviço. Olívia andava de um lado para o outro, no seu mundo particular e Amélia assumiu o lugar da mãe na cozinha.

O Capitão Lula tratava mal seus negros, castigava-os por qualquer coisa, deixava-os à míngua. O feitor é que levava adiante o engenho como podia. Lula só se preocupava com suas orações e com a filha. "E o Santa Fé foi ficando assim o engenho sinistro da várzea." Quando chegou a abolição, todos os negros foram para outros engenhos. Só o boleeiro Macário ficou porque tinha paixão por seu trabalho. Ninguém queria trabalhar no Santa Fé por causa das história de tortura. O Santa Rosa acudiu o Santa Fé, que aos poucos foi definhando, perdendo as plantações.

No dia da abolição os negros foram para a frente da casa, acenderam fogueira, cantaram. O Capitão Lula teve medo deles invadirem a casa e armou-se com o clavinote. Quando os negros se foram D. Amélia viu, pela primeira vez, seu marido empalidecer e cair no sofá retorcendo-se todo, com uma baba branca escorrendo de sua boca.

Por esses tempos, Lula e Amélia orgulhavam-se da filha Neném, que estudava no Recife. Quando podia, a menina vinha em visita ao Santa Fé e todos iam à missa de cabriolé, o Capitão Lula parecia que levava uma princesa. D. Neném era moça bonita, prendada. Era ela quem tocava o piano da casa agora. D. Amélia se ressentia da relação pai-filha, tinha ficado de lado, isolada. Não tinha conversa com sua filha, o marido já não dava importância a ela desde que perdera o segundo filho.

Quando soube que sua filha estava se engraçando de um promotor do Pilar, Lula ficou furioso. Não queria que sua filha se casasse com um camumbembe qualquer. Gritou com a mulher, a filha trancou-se no quarto chorando. Lula teve outro ataque. A mulher e a filha correram para ajudar. Lula passou dias deitado no marquesão, onde antes ficava o sogro, pensando que de forma alguma deixaria sua filha se casar com um homem de rua. Antes vê-la morta. Fez-se silêncio novamente no Santa Fé.

Às seis horas o Coronel Lula mandava Floripes tocar o sino no alpendre de trás chamando para a reza. O moleque agora rezava na sala dos santos com a família, tratava o Coronel com devoção. D. Amélia não gostava da fala mansa de Floripes. Neném vivia cuidando do jardim, não falava com ninguém, nem com o pai com quem era tão ligada. O Coronel, por seu lado, passou a ignorar a filha desde o ocorrido por causa do promotor.

O Coronel Lula parecia não ver o que estava ocorrendo no Santa Fé. Só D. Amélia sabia da condição de ruína do engenho. Mal havia comida que desse para eles. Ela passou a vender ovos para a Paraíba, escondida do marido. Mas continuavam indo à missa do Pilar de cabriolé. D. Neném e D. Amélia colocavam as jóias ganhas no tempo de riqueza e que o coronel fazia questão que elas usassem.

Numa noite apareceram uns safados cortando caixão na frente da casa do Coronel Lula, que saiu de clavinote, xingando todo mundo. Teve novo ataque, D. Amélia socorreu sozinha, a filha chorava no quarto. A doença de Lula parecia irreversível e a decadência do Santa Fé era completa.

O Capitão Vitorino

Uma noite Antônio Silvino atacou o Pilar, "soltaram os presos, cortaram os fios do telégrafo da estrada de ferro e foram à casa do prefeito Napoleão para arrasá-lo." Entre outras coisas, pegou dois caixões cheios de moedas e abriu-os no meio da rua para o povo se servir à vontade.

No dia seguinte, José Amaro soube que o grupo de Antônio Silvino havia arrasado a vila. Ficara feliz com o ataque dos cangaceiros. Capitão Silvino era o seu herói, fazia o que ele não tinha coragem para fazer.

Havia uma semana que o Coronel Lula tinha mandado que ele saísse de suas terras. Sua mulher foi passar uns dias na casa da comadre Adriana. José Amaro sabia que ela não queria mais vê-lo, aquilo era desculpa. Sentia-se muito só. Nunca pensou que ligasse para sua casa, para as árvores, para o chiqueiro, para as flores. José Passarinho é quem cuidava dele, fazia comida. Todos os outros estavam contra ele: sua mulher, o Coronel Lula e aquele povo, que agora tinha medo dele, desviavam-se de seu encontro, olhavam-no com suspeita. De onde tinham tirado aquela idéia de ele ser lobisomem?

Apareceu Vitorino na casa do mestre. O Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, casado com D. Adriana, era compadre de José Amaro. Sempre foi considerado uma pessoa desprezível, todos chamavam-no Papa-Rabo, por acharem que ele só andava atrás dos grandes. Por várias vezes é abordado por pessoas que têm prazer em xingá-lo, provocá-lo. Por seu lado Vitorino, gosta de contar vantagem, de se fazer de valentão. No fundo é "uma criança de cabelos brancos". Fala o que pensa, provoca os outros com sua conversa, mostra ter influência junto às pessoas importantes. Quando implica com alguém, puxa para briga, diz desaforos. Mas ninguém o leva a sério. Riem dele. É o bobo do lugar. Um Dom Quixote do sertão.

Sua mulher sofre com seus desatinos, com a vida de ir para lá e para cá sem nada fazer, sem trazer dinheiro para casa. Ela é quem sustenta a família, castrando frangos para as fazendas vizinhas, era a única que tinha ciência dessa arte por ali. Era muito amiga de Sinhá e por diversas vezes ajudou-a com a filha Marta.

O seleiro também tem desprezo pelo compadre. Acha-o um fraco, incapaz de acabar com aquela história de xingamentos, de se fazer respeitar. Vitorino também não tem muita consideração pelo mestre devido ao fato de ser seleiro, um trabalho pouco respeitado por Vitorino.

Na última parte da narrativa, Vitorino aparece na casa do mestre com sua burra velha. Agora, depois de tudo que aconteceu em sua vida, o mestre teve prazer na visita do amigo. Vitorino fala das eleições, está no partido de Rego Barros, tenta convencer o mestre a votar em seu partido, diz que tudo vai mudar, que os coronéis não vão mais fazer o que querem por ali. O mestre não fala mas já se decidiu a votar em Antônio Silvino. Vitorino se propõem a ajudar o mestre na questão com o Coronel Lula. Na estrada, o Capitão Vitorino sofre xingamento de um moleque e, pela primeira vez pegou o menino e quase lhe partiu a cabeça.

Capitão Silvino tomou o partido do mestre José Amaro na questão com o Coronel Lula. Enviou uma carta ao Santa Fé, mandando dizer que era para o coronel deixar José Amaro em paz nas suas terras. Para surpresa de D. Amélia, o coronel mostrou-se calmo com a notícia. Lula procurou ajuda no Santa Rosa, mas ninguém queria se meter com Antônio Silvino. Mesmo assim, insistiu e deu prazo de três dias para o mestre abandonar o lugar.

Vitorino chegou ao Santa Fé para falar de política com seu primo, o coronel. Lula ouviu calado e depois deu uma resposta malcriada. Vitorino se ofendeu, mas entrou na conversa sobre a expulsão do mestre. Os dois discutiram, o coronel pôs Vitorino para fora de sua casa e teve outro ataque.

Indo de madrugada para o Pilar com o intuito de defender seu amigo seleiro, Vitorino encontrou o Tenente Maurício que perguntou se o outro tinha alguma notícia do bando de Antônio Silvino. Vitorino respondeu duvidando da capacidade do tenente em pegar o bando. Eles discutiram, Vitorino enfrentou o tenente e foi preso, com a testa sangrando. O primo José Paulino, o juiz municipal, Dr. Samuel e outros senhores de engenho vieram em auxílio de Vitorino, contra o tenente, que não arredou pé de sua decisão. A partir disso, Vitorino passou a ser olhado com outros olhos pelo povo, como homem cheio de coragem, que não tinha medo de nada nem de ninguém. Correu a notícia pelo estado de que o ocorrido era por questões políticas. Vitorino era contra o governo, a favor do candidato Rego Barros. O Coronel Rego Barros mandou telegrama congratulando Vitorino por enfrentar a oposição.

O filho de Vitorino, Luís, chegou na Paraíba. Havia algum tempo, a mãe Adriana fez de tudo para enviar seu filho para a Marinha, queria que tivesse vida diferente do pai, longe dali evitaria que o filho sofresse humilhação pelos desatinos de Vitorino. Agora ele voltava como suboficial da Armada. Vitorino estava orgulhoso de apresentá-lo a todos. Era um homem diferente, não gritavam mais Papa-Rabo para ele. Luís queria que os pais fossem morar com ele no Rio. Vitorino, porém, se recusou, dizendo que sua vida estava ali naquele lugar. Adriana, entretanto, sentiu que aquele poderia ser o momento de se livrar da vida incerta que tinha com o marido.

O Capitão Antônio Silvino invadiu o Santa Fé. Amarraram o Floripes, que chorava de medo. O Capitão tinha ouvido as histórias sobre as moedas de ouro que o Capitão Tomás tinha deixado de herança e queria que Lula entregasse a botija. Mal sabia ele que nos últimos tempos o Santa Fé só sobrevivia porque o Coronel Lula ia, a cada ano, trocando as moedas no Recife. Não havia mais ouro nenhum, viviam na miséria. O Capitão não acreditou, vasculhou a casa, viraram o piano de pernas para o ar. O Coronel, já muito doente, não entendia bem o que estava acontecendo, parecia meio fora de si, quem respondia para o capitão era D. Amélia.

Foi quando apareceu Vitorino, pedindo que parassem com aquilo. Puxou o punhal em posição de ameaça, mas foi derrubado por uma coronhada de rifle. O Coronel José Paulino chegou e conseguiu convencer o Capitão Silvino de que seu vizinho não tinha dinheiro nenhum. Na sala, o Coronel Lula tinha tido mais um dos seus ataques e estava inconsciente.

A notícia do assalto do Santa Fé correu logo. Vitorino mais uma vez foi considerado herói. "Agora Vitorino podia dizer que furava de punhal, que eles acreditavam."

O Tenente Maurício prendeu o cego Torquato, queria que ele revelasse onde estava o bando dos cangaceiros. Na prisão o cego apanhou muito. Vitorino gritava do lado de fora contra a atitude do tenente. A casa de José Amaro foi cercada pela força policial. Sinhá tinha ido embora de vez naquele dia, para grande tristeza do mestre, que passou o dia largado na rede. Levaram o negro Passarinho e o mestre presos.

A sela da prisão do Pilar fedia com seus mais de dez presos. Vitorino não se conformou com a prisão do cego, do negro e de seu compadre. Pediu ajuda do juiz. No outro dia apresentaram-se para audiência e o juiz deu habeas-corpus aos presos. Vitorino saiu comemorando, mas o tenente disse que não soltaria os presos. Houve novo confronto entre Vitorino e o Tenente. Alguns homens da tropa cercaram Vitorino e o levaram para a cadeia. Lá, passaram-lhe o cipó-de-boi, mas Vitorino não parava de xingar o tenente, de gritar que tudo aquilo era uma canalhice.

Quem novamente resolveu a situação foi o Coronel José Paulino, do Santa Rosa. Adriana tratou de Vitorino. Pela primeira vez sentiu orgulho de seu marido. Deitado no quarto, o velho Vitorino pôs-se a imaginar o que faria quando eleito. Ia botar as coisas para funcionar direito. Todos teriam que obedecer à lei, não haveria mais regalias para os grandes, delegado não poderia mais fazer o que quisesse, nem estar a mando dos coronéis. Começou a imaginar quem iria colocar neste ou naquele cargo. Imaginou-se entrando na casa da Câmara com o povo dando vivas a ele. "Todos ficariam contentes com o seu triunfo."

No dia seguinte, o negro Passarinho chegou correndo à casa de Vitorino. Contou que durante a noite tinha escutado o seleiro chorar e chorou também. De manhã encontrou o mestre perto da tenda com a faca de cortar sola enfiada no peito.

Vitorino foi com Passarinho cuidar do defunto. Lá da estrada viram a chaminé do Santa Rosa soltando fumaça. Da chaminé do Santa Fé, coberta de plantas, nada saía: o engenho já não funcionava, estava de fogo morto.

Fonte:
Biblioteca Eletrônica. Magister Tecnologias. Bandeirantes Industria Gráfica. (CD ROM)

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