sexta-feira, 9 de maio de 2008

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte IV)

4 – O GRUPO CLÃ E CONTEMPORÂNEOS

Na opinião de Sânzio, “o conto moderno só irá consolidar-se definitivamente em nossa terra com o chamado Grupo Clã, já na década de 40”.

O surgimento do Grupo Clã e sua revista (as Edições Clã se iniciam em 1943) traz a lume uma plêiade de novos contistas, entre eles Braga Montenegro, Moreira Campos, Fran Martins, Eduardo Campos e Lúcia Martins. Sobre os quatro primeiros serão dedicadas algumas páginas no decorrer deste livro.

A única mulher do grupo nasceu no Rio de Janeiro, em 1926, mudando-se para o Ceará em 1941. Romancista, novelista e contista, constam de sua bibliografia os livros Janelas Entreabertas (1971), Histórias Para Passar o Tempo e Por causa do Sol. Sobre o segundo, Francisco Carvalho, no artigo de igual título, se reportou assim: “Neste conjunto de histórias curtas (algumas não são tão curtas assim), ela demonstra invulgar capacidade para urdir a trama de suas narrativas com os clássicos ingredientes que fazem da ficção uma supra-realidade povoada dos sonhos e impulsos inerentes à condição humana”.

Outros poetas e romancistas do Clã que também escreveram composições ficcionais curtas são:

Aluízio Medeiros (Fortaleza, 1918-Rio de Janeiro, 1971), poeta e crítico literário, estreou com Trágico Amanhecer, em 1941.

José Stênio Lopes (Guaramiranga, 1916) se dedicou à poesia, crônica, conto, novela, crítica literária. Em parceria com João Clímaco, editou o volume Duas Novelas (1952). Autor também do livro de crônicas e contos O Homem e seu Cachorro (1959).

João Clímaco Bezerra (Lavras da Mangabeira, 1913) se dedicou ao romance, à crônica e à crítica literária.

Os nomes que se seguem são de romancistas e poetas que, aqui e ali, escreveram ou escrevem histórias curtas:

Artur Eduardo Benevides (Pacatuba, 1923), autor da coleção Caminho sem horizonte (1958) e, mais recentemente, 2001, de A Revolta do Computador e Outros Contos de Mistério. Braga assim se refere ao primeiro: “nove estórias, todas acomodadas numa estreita faixa de temas, sem maior esforço experimentalista e sem penetração no espaço da literatura, isto é, no espaço dos mitos e dos símbolos poéticos”.

Nas dobras da capa do segundo volume, Révia Herculano assim se manifesta: “Esta é uma coleção de contos de suspense, ou mistério, descendentes, em linha reta, dos contos góticos dos ingleses do século XVIII”.

Artur está também presente na Antologia do Conto Cearense (1990), organizada por Mary Ann Leitão Karam, com “Depoimento Sigiloso”, premiado em 1984 no Concurso Nacional de Contos promovido pela Editora Abril Cultural.

Jáder de Carvalho (Quixadá, 1901-1985), jornalista, romancista, poeta, não reuniu em livro as suas narrativas curtas. Publicou, com outros, o primeiro livro do modernismo cearense em 1927, O Canto Novo da Raça.

Margarida Sabóia de Carvalho (Fortaleza, 1905-1975) se dedicou à crônica e ao conto. A Vida em Contos é de 1964. Na reflexão de Braga Montenegro, “Seus contos, alguns de um teor lírico apreciável, filiam-se à maneira tradicional de narrar, não cogitando a autora de qualquer renovação no plano estético”. E remata: “Muito embora sem renovação estilística, a ficção de Margarida Sabóia se contém numa linguagem fluente, correta, em alguns casos de uma simplicidade emocionante”.

Milton Dias (Ipu, 1919-1983) publicou inúmeros livros de crônicas que se abeiram do gênero conto, entre eles Sete Estrelo (1960), As Cunhãs, A Ilha do Homem Só, Entre a Boca da Noite e a Madrugada, Cartas sem Resposta, As Outras Cunhãs e A Capitoa, todos subintitulados “estórias e crônicas”. Na opinião de José Hélder de Souza, em “Milton Dias, entre a crônica e o conto”, do livro De Mim e das Musas, “em verdade muitos dos trabalhos reunidos nestes volumes são deliciosos contos feitos do melhor barro da técnica contística como ‘ Botija’”.

F. S. Nascimento, no ensaio “A Prosa Aliciante de Milton Dias”, constante do livro Apologia de Augusto dos Anjos e Outros Estudos também se encaminha por esta mesma senda, como se vê neste trecho: “Já em Sete-Estrelo se configurava a tendência de Milton Dias para transcender os limites da crônica, ousando exercitar-se, e com êxito, numa área da criação literária ocupada pelo conto”.

Sinval Sá (Paraíba, 1922), sobre quem Braga Montenegro informa ter reunido em livro, em 1959, algumas histórias curtas divulgadas na revista Clã e na imprensa, publicou também romances.

F. Magalhães Martins (Ipu, 1910), autor de Açude e Outros Contos (1955) e outros livros.

Carlyle Martins (Fortaleza, 1899-1986), poeta, crítico literário e contista, é autor de Alma Rude (1960), de contos regionais, e outras obras.

Diversos outros cultores da narrativa curta surgiram no mesmo período que se inicia com o surgimento do Grupo Clã, ou logo após, Alguns são mais poetas e romancistas, outros, porém, se dedicaram tanto ao conto como a outros gêneros literários e se destacaram num e noutro:

Lauro Ruiz de Andrade (Fortaleza, 1905), folclorista, novelista, romancista e contista, cuja estréia se deu em 1934, com Dunas e Penedos, seguido de Os bate-papos de João Tapuio (contos e apólogos), 1980.

João Jacques (Fortaleza, 1910-), um dos organizadores do jornal Cipó de Fogo (1931), órgão do modernismo no Ceará, deixou alguns livros de poemas e crônicas. Segundo Sânzio, trata-se de “cronista que às vezes freqüenta o conto”. Ao analisar o texto “O Derretido”, incluído na Antologia Terra da Luz, o ensaísta se refere ao livro Uma Fantasia e Nove Histórias Reais (1969) e explica: “são narrativas lineares, sem nenhuma pretensão inovadora, embora haja o autor sido, nos anos 30, um dos chamados modernistas. A verdade é que o escritor pretendeu mesmo aproximar-se da maneira tradicional de se contar história”.

José Maia, embora ainda inédito em livro, tinha na gaveta, em 1965, o livro A Noite e a Nudez. Apesar disso, participou de Uma Antologia do Conto Cearense. Braga Montenegro assevera: “talvez porque mais consciente do alcance de seus méritos ou suspeitoso de suas possíveis limitações, é retraído e pouco fecundo. Poderíamos chamá-lo, até certo sentido, um colecionador de essencialidades, tal o laconismo de suas composições e a escassez delas; e ainda a natureza de introversão poética com que engendra e reveste os assuntos de que se ocupa. Suas estórias são comumente flagrantes de uma crise moral velados de sutileza, mas em que se percebe, implícita e constante, a solidão do homem, a sua tragédia recôndita, os liames da insidiosa trama que definitivamente o prendem à vida e à morte. ‘O Anjo’, ‘A Fugitiva’, ‘Burleta’, ‘Vigília de Natal’ nos revelam, além do vínculo temático segundo essa visão particular do mundo, as virtudes artesanais com que o artista se define, embora ainda vacilante, na consciência de seu processo”.

Nonato de Brito (Fortaleza, 1926) apresentou pelo menos dois contos: “Ouro e Sexo”, estampado na revista Clã n.º 25, 1970, e “Última Cartada”, publicado na Antologia de Contistas Novos do Brasil, 1971, organizada por Moacir C. Lopes.

Raimundo Amora Maciel é mencionado por Girão. Nascido em Pacatuba (1895), publicou poemas, contos e romances, entre os quais Tição (1966), A marca dos passos perdidos (1975) e Safra do meio dia, de ficções curtas.

Carlos Cavalcante, que adotaria o pseudônimo de Caio Cid (Pacatuba, 1904-1972), cronista, poeta e contista, escrevia e divulgava volumes de crônicas e contos, tais como Aguapés (1935), Gitirana (1938) e Canapum (1950).

Alba Valdez (pseudônimo de Maria Rodrigues Peixe) nasceu em São Francisco de Uruburetama, hoje Itapajé, em 1874. Faleceu em 1962, na capital cearense. Jornalista e contista, iniciou-se com o livro Em Sonhos, de contos, em 1901. A seguir publicou Dias de Luz, em 1907. Deixou vasta obra. Teve narrativas curtas traduzidas para o sueco e o francês. (Dolor)

Assis Memória (Gauraciaba do Norte, 1886), padre, professor, orador, jornalista, cronista, deixou dois livros publicados.

Mozart Firmeza (Fortaleza, 1906) é um dos poetas de O Canto Novo da Raça, livro inaugural do modernismo no Ceará. Também cronista e contista, deixou um livro editado.

João Otávio Lobo (Santa Quitéria, 1892-1962) é “escritor de estilo elegante e linguagem esmerada”, na opinião de Raimundo Girão. Publicou livros científicos e algumas peças ficcionais curtas. No Almanaque de Contos Cearenses, primeiro número, foram mostradas algumas delas.

Yaco Fernandes (Fortaleza, 1914-Rio de Janeiro, 1977), poeta, crítico literário, ensaísta e contista. Deixou um importante livro: Notícia do Povo Cearense.

Martins d’Alvarez (Barbalha, 1903), poeta, novelista, romancista e contista, publicou a coleção A Morte do Anjo da Guarda, em 1979.

Antônio Girão Barroso (Araripe, 1914) pertenceu ao Grupo Clã. Como poeta, apresentou ao público alguns livros. Teve composições ficcionais estampadas em periódicos como Clã e O Saco.

Jandira Carvalho (Ipueiras, 1918) escreveu poemas, crônicas e contos, divulgados em jornais, revistas e coletâneas.

Geraldina do Amaral (Caucaia, 1925), jornalista, poeta, cronista e contista, participou de três coletâneas.

Florival Seraine editou em 1976 o volume A Noiva do Tempo. Embora nascido em Viseu, Pará (1910), cedo passou a viver no Ceará, onde exerceu a medicina e o magistério e escreveu obras de lingüística e folclore. Em 1993 divulgou outro livro de histórias curtas, Vida e Sonho. Faz parte da Antologia do Conto Cearense (1990), com “O Último Natal”. Membro da Academia Cearense de Letras.

Paulo Aragão (Fortaleza, 1943) é autor de O Clarim e os Cães e outras estórias, de 1967. (Raimundo Girão)

Angélica Coelho (Fortaleza, 1920) estreou como poeta em 1952. Seus contos estão reunidos em Elas não têm destino, de 1954, e Ternura. Escreveu também romances. (Girão)

Edigar de Alencar nasceu em Fortaleza (1901). Mudou-se cedo para o Rio de Janeiro, onde se formou em Ciências Econômicas. Jornalista, cronista e poeta, tem vários livros editados. Na orelha do livro de poemas Galé Fugido, de 1957, há referência a Volta da Jurema, título geral de seus contos, nunca publicados.

Hilda Gouveia de Oliveira (1929), romancista por excelência, teve editado o primeiro livro em 1971, Os Sete Tempos. Só recentemente imprimiu um volume de narrativas curtas, intitulado Novelo de Estórias. Sob este mesmo título, Francisco Carvalho escreveu um artigo, incluído em Rascunhas e Resenhas, onde enaltece as qualidades literárias da romancista de Granja: “O desenho verbal destas narrativas não faz concessões à vulgaridade, mas também não se mostra reverente ao culto da pureza romântica”.

Cândida Galeno (Nenzinha Galeno) é neta de Juvenal Galeno, nasceu em Russas. Cronista, ensaísta, folclorista e contista, estreou em livro em 1953. O conjunto de histórias Trevo de quatro folhas, escrito por ela e mais Elizabeth Barbosa Monteiro, Nívea Leite e Otília Franklin, é de 1955.

Miguel Newton Arraes (Crato, 1928). Suas primeiras histórias foram estampadas na extinta revista A Cigarra. “Verso e Reverso” é ganhador de concurso internacional. O livro Pau-de-Arara e Outros Contos recebeu prêmio em Pernambuco (1954). Tem composições em jornais e revistas, como Espiral (n.º 3): “Uma bela crioula”.

Ailton Alves Maciel nasceu em Baturité em 7 de março de 1943. Em vida nada publicou, embora tenha escrito inúmeros poemas, romances e contos. Sua obra mais importante desapareceu. Talvez no incêndio doméstico que quase o matou, em Brasília, onde foi viver (e morrer) no início dos anos 1970. Sua morte clíni­ca se deu no dia 22 de outubro de 1974. Apenas quatro contos se salvaram: "Santa Caçada", "O Touro", "O Careca" e "O Presente da Professora", este publicado na revista Literatura n.º 24, de 2003. Outros onze fragmentos encontrados podem ser de contos e romances.

De alguns contistas não foi possível obter mais informações, como de Melo Lima, Hélder de Queirós Lima, Antônio Marrocos de Araújo, Nieddy Frederick, Elcias Lopes, Jairo Martins Bastos, Francisco Fernandes do Nascimento, Miguel Newton de Alencar, Maria Luísa de Queirós, Mário Alcântara, Otília Franklin, Nívea Leite e Elizabeth Barbosa Monteiro. Seus nomes não foram mencionados nas obras do historiador Raimundo Girão que serviram de fonte para a elaboração de algumas biografias neste estudo, embora tenham sido referidos por Braga Montenegro e Sânzio de Azevedo.

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Fran Martins, nascido Francisco Martins, é natural de Iguatu (13 de junho de 1913) e faleceu em Fortaleza (1996). Filho de Antônio Martins de Jesus e Antônia Leite Martins. Uma das principais figuras do grupo e da revista Clã, cujo número inaugural saiu sob a sua direção. Formou-se em Direito, lecionou na Faculdade de Direito e na de Ciências Econômicas da UFC e escreveu inúmeras obras jurídicas. Colaborou em jornais e revistas de diversos Estados. Redator de A Esquerda e O Estado. Sua obra literária é vasta. No gênero conto estreou com Manipueira (1934), seguindo-se Noite Feliz (1946), Mar Oceano (1948), O Amigo de Infância (1960) e Análise (1989). Escreveu alguns romances: Ponta de Rua (1937), Poço dos Paus (1938), Mundo Perdido (1940), Estrela do Pastor (1942), O Cruzeiro Tem Cinco Estrelas ((1950) e A Rua e o Mundo (1962). É autor também da novela Dois de Ouros (1966), considerada sua melhor obra.

Na opinião de Montenegro, “o atributo dominante da obra de Fran Martins é a lógica.” Mais adiante acrescenta: “A sua atitude literária é sempre infensa à tendência moderna de erguer e sublimar os fenômenos artísticos a um plano essencialmente teórico ou intelectual, o que muita vez implica na efetiva negação da veracidade de certas leis da vida, mas, ao mesmo tempo, eleva o pensamento criador a evidente plenitude de domínio e eficácia. O mundo em que o escritor coloca a ação de seus romances e de seus contos é um mundo de observação, mais que de concepção; de imagem, mais que de símbolo; de percepção, mais que de intuição”. Em outro parágrafo, o crítico faz a seguinte análise: “Se nos contos de Manipueira (1934), seu livro de estréia, encontramo-lo preocupado com assuntos regionais, com os aspectos anedóticos do fanatismo e do cangaço, vemo-lo agora atento aos temas poéticos, palpitantes de vida e humanidade (...)”

No ensaio “Diálogo Intratextual: A Ruptura da Normativa”, (AAA, págs. 159/164), F. S. Nascimento assim se refere a Fran: “Possuindo boa leitura da moderna prosa de ficção em língua inglesa, conhecendo no original Sherwood Anderson, John dos Passos, Ernest Hemingway e outros, presume-se que Fran Martins tenha se inspirado nas lições dos mestres estrangeiros para realizar a experiência que seu novo livro de contos encerra.” Mais adiante comenta”: “Ao escrever “Cão Vadio” (Noite Feliz, 1946), Fran Martins já demonstrava seguro domínio dos elementos fundamentais da moderna ficção, tais como o fluxo da consciência, a voz ou reflexão solitária, o flash-back etc.” O crítico apresenta mais argumentos a favor do conceito de modernidade na obra de Fran Martins: “O que se admite por mais ousado no diálogo de alguns dos novos contos de Fran Martins está, de fato, na ruptura extrema da normativa, sendo rejeitada até a aspa simples”.

Analisando-se as narrativas curtas de Fran Martins, percebe-se o quanto a utilização de determinada técnica de narração pode fazer com que uma obra literária seja desviada do caminho da vulgaridade ou da mediocridade e chegar ao leitor envolta numa aura muitas das vezes de sublimidade. Assim, veja-se “O Amigo de Infância”, primeiro do livro de título homônimo. Dois homens (Chico e Gustavo) se encontram numa rua, relembram a infância, dirigem-se a um café, continuam falando do passado e, finalmente, se despedem. Apenas isto. Seria uma história insossa, menor, não tivesse Fran dado à forma de narrar um tratamento refinado. Até o desenlace seria trivial, com a última fala, a do garçom, de feitio anedótico. Mesmo sendo o desfecho da história, o arremate moral, a dar à narrativa um tom realista, próximo do naturalismo – o retrato do caráter de um dos personagens.

Em “Ventania” muda novamente o contista o rumo de sua arte de narrar. Aqui o protagonista é o narrador, sem nenhuma dúvida. E por que o nome do cavalo como título? O cavalo seria o elo de ligação de dois mundos: o do narrador e o das outras duas personagens (o pai e a mãe). Ventania seria também a causa do alvoroço do narrador, um vento forte a lhe varrer a inocência.

O conflito vai sendo apresentado de forma sutil, na visão do narrador, um menino. E tudo é presente, isto é, não há passado anterior. O drama é narrado linearmente, embora na voz pretérita, porém sem flashback. Tudo se passa em poucos dias, de forma acelerada, como numa corrida. Apesar disso, a narração é lenta, comedida, sem atropelos, correrias. Nas obras anteriormente citadas, as personagens se deslocavam pela rua, pela escola, pelas margens de um rio, pela cidade. Nesta, o narrador vai ao quintal, volta ao quarto, gira ao redor de si mesmo, até quando vai à escola. Faz voltas ao redor de sua dor, embora seu pai saia a cavalo, em busca de outra mulher, e sua mãe chore pela casa.

Caio Porfírio Carneiro escreveu: “Fica a impressão – mais que isto: a certeza – de que a força narrativa do romancista sempre lhe deu sinais, como uma pilha que se não apaga, de que o conto sempre o chamou de volta, e para ele sempre voltou. Não com o ímpeto do romancista, mas com o carinho do cinzelador. Eis porque deixou páginas preciosas de ficção curta”.

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(Manuel) Eduardo (Pinheiro) Campos nasceu em 1923, em Guaiúba, então distrito de Pacatuba. Estreou em 1943, com a coleção Águas Mortas. Seguiram-se, neste gênero, em 1946 Face Iluminada, em 1949 A Viagem Definitiva, em 1965 Os Grandes Espantos, em 1967 As Danações, em 1968 O Abutre e Outras Estórias (constituído por uma seleção dos presumíveis melhores contos), em 1970 O Tropel das Coisas, em 1980 Dia da Caça, em 1993 O Escrivão das Malfeitorias, em 1998 A Borboleta Acorrentada e em 1999 O Pranto Insólito. Tem também peças de teatro, livros de folclore, romances, ensaios, biografias, memórias, além de grande número de produções especiais para o rádio e televisão. Seus principais romances são O Chão dos Mortos e A Véspera do Dilúvio. Durante dez anos dirigiu a Academia Cearense de Letras; foi Secretário de Cultura do Estado, Presidente do Conselho Estadual de Cultura, e é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará. Figura em antologias nacionais e internacionais de contos. É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Iniciou-se nas letras escrevendo, dirigindo e representando peças de teatro. Sua peça O Morro do Ouro foi representada 350 vezes; A Rosa do Lagamar, mais de 500. Sua obra teatral foi reunida em dois volumes, contendo O Demônio e a Rosa, O Anjo, Os Deserdados, A Máscara e a Face, Nós, as Testemunhas, no primeiro, A Donzela Desprezada, O Julgamento dos Animais, O Andarilho, além das já mencionadas. Tem pequenas histórias incluídas em dez antologias, das quais duas no Uruguai e uma na Alemanha.

Embora não tenha alcançado notoriedade no resto do Brasil, no restrito espaço da crítica literária, Eduardo Campos tem seu nome gravado em alguns importantes compêndios de História da Literatura. Assim, está presente em A Literatura no Brasil, de Afrânio Coutinho, pelo menos no ensaio de Herman Lima: (...) “folclorista de altos méritos, tem, naqueles livros (refere-se aos três primeiros da bibliografia do contista), alguns contos regionais e psicológicos da melhor marca, a exemplo de “Os Abutres” e “O casamento”, o último, principalmente, na sua força bem da terra cearense, dos mais belos da atualidade brasileira”.

Eduardo Campos é um mestre do conto psicológico. Em “O Afogado”, do livro As Danações, o drama parece ir se deslocando não de lugar, mas de personagem, sob a óptica do narrador onisciente. O protagonista seria o afogado? Ou seria a podridão moral dos homens? No final, com o surgimento do cadáver, o narrador arremata a narrativa com uma frase moralista: “Foi quando os homens, amesquinhados, começaram a pensar que não era o afogado que malcheirava, mas eles, que haviam apodrecido em vida”.

No livro Três Momentos da Ficção Menor, F. S. Nascimento analisa “O Abutre”, no “Momento III”, e defende a tese de que “já em 1946 esta concepção de “new short story” era praticada no Ceará, efetivando-se na criação de “O Abutre”, de Eduardo Campos.” A seu ver, “O Abutre” se impõe como um modelo da “new short story”, sendo tão atual quanto “Cão Vadio” de Fran Martins, “Os Sete Sonhos” de Samuel Rawet, “A Coisa” de Garcia de Paiva” e qualquer uma das unidades narrativas de O Casarão, de Caio Porfírio Carneiro.”

Eduardo Campos, no entanto, não se repete nas formas de narrar. Assim, em “A Viúva Enganada”, do mesmo livro As Danações, o desenlace se esboça não no começo, mas no título, o que não deixa de ser curioso, se não for original.

Na peça que dá título ao livro o contista também não muda o ponto de vista, e a narração vem recheada de falas curtas e diálogos breves, acrescentado o discurso indireto livre, embora ainda sem muita ousadia.

Na opinião de Braga Montenegro, em “Eduardo Campos, Contista”, apresentação de O Abutre e Outras Estórias (1968), “é no conto onde melhor se manifestam suas qualidades de talento”. E acrescenta que se manifesta, “com maior freqüência, em Eduardo Campos o feitio de um escritor regionalista, no que não lhe vai qualquer restrição”.

Em O Abutre e Outras Estórias, possivelmente escrito logo após As Danações, Eduardo Campos utiliza outros focos narrativos. Assim, em “O Casamento” se vale do ponto de vista do escritor onisciente, que dá voz às personagens em breves diálogos diretos e também em um monólogo interior.

Em “O Ficcionista Eduardo Campos” (Exercícios de Literatura, págs. 135/138), Francisco Carvalho analisa o volume Dia da Caça assim: “São contos de estrutura relativamente simples, em que se evidencia a familiaridade do Autor na abordagem de certas manifestações do lirismo popular, ao lado de uma particular sensibilidade pelos termos ligados à terra e ao homem”.

Passando dos primeiros livros para os mais recentes, como A Borboleta Acorrentada, observa-se que a linguagem do contista em nada mudou, consciente de que os modismos passam e o mais valioso na obra literária não está na aparente transgressão de normas.

Apesar desse apego à narração, o contista não esqueceu as outras linguagens, como o discurso indireto livre. Percebe-se também a presença, embora não muito freqüente, do monólogo interior indireto. E nada de explicações, volteios circenses, excesso de figurantes e cenários.

Na opinião de Herman Lima, “`O Abutre`, de Eduardo Campos, e ‘Lama e Folhas’, de Moreira Campos, por exemplo, são dos mais belos e originais, que já se escreveram entre nós, em qualquer tempo”.
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Braga Montenegro (1907-1979), mais conhecido como “crítico de primeira plana, ensaísta agudo e sensível”, no dizer de Herman Lima, o contista e novelista estreou com Uma Chama ao Vento (contos, 1946), reeditado em 1980 pelas Edições UFC, seguindo-se, em 1976, As Viagens e Outras Ficções, (novelas e contos), mais uma seleção dos Contos Derradeiros, até então inéditos em livro. Em Uma Antologia do Conto Cearense esteve presente com “Os Demônios”, editado pela primeira vez em 1959, na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras. Sânzio de Azevedo analisa as histórias do autor de Correio Retardado em “Braga Montenegro, Crítica e Ficção” (Aspectos da Literatura Cearense, págs. 265/276).

Francisco Carvalho estuda a obra de Braga em “A Inquieta Modernidade de Braga Montenegro”, incluído na 2a. edição de Uma Chama ao Vento e em Exercícios de Literatura. E elucida: “um dos aspectos a destacar em Braga Montenegro é o permanente sentido de universalidade que caracteriza os seus trabalhos de ficção. Universalidade nascida da convicção de que o homem é tudo o que importa. Não o têm seduzido, por isso mesmo, os regionalismos tipificadores, com o seu conhecido cortejo de deformações. Muito embora as raízes espirituais do ficcionista mergulhem fundo nas fontes da literatura européia, importa assinalar que isso em nada lhe compromete a originalidade, nem lhe desfigura as matrizes do impulso criador. Não menos digna de nota é a verticalidade com que o ficcionista engendra situações no contexto das suas narrativas e com que tece a teia do acaso em que se envolvem os seus personagens. Em nenhuma das novelas e contos do presente volume a atmosfera ficcional vem a ser comprometida pelo simples devaneio formal ou pelo discurso literário inconseqüente”. Ao se referir às histórias curtas, o crítico vê nelas “peças de extraordinária expressividade e de considerável beleza literária. A austera poesia dessas páginas como que nos fere a sensibilidade com a sua pungência avassaladora. ‘Os Demônios’, ‘O Hóspede’, ‘O Potrinho Pampa’, ‘Agonia’ e ‘Ansiedade’ são, inquestionavelmente, documentos que se impõem pela autenticidade e grande beleza literária com que foram realizados”. Destaca também “O Tesouro”.

Segundo Pedro Paulo Montenegro, na análise crítica de trecho de uma obra de Braga, constante da Antologia Terra da Luz – Prosadores, de 1998, o autor de Uma Chama ao Vento é “cultor de um estilo elegante, culto, que se poderia dizer clássico, na linhagem machadiana”.
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Entretanto, de todos os nomes aqui citados, desde Juvenal Galeno e José de Alencar, passando por outros expoentes da literatura cearense, até hoje (2004), somente um pode ser chamado de contista por excelência ou por natureza – Moreira Campos. Os outros foram mais poetas ou mais romancistas. E isto não é apenas uma opinião, é uma constatação. Vejam-se os estudos, as teses, as monografias, as histórias, as enciclopédias – em todos eles, quando o assunto é conto, o primeiro nome cearense é o de Moreira Campos. São também citados com freqüência os nomes de Caio Porfírio Carneiro e Juarez Barroso. No entanto, ainda há uma imensa lacuna nessas publicações, uma grande omissão, porque estes e outros contistas cearenses têm tanta importância quanto muitos contistas de outros Estados que aparecem em livros de pesquisa e análise editados principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Alfredo Bosi, ao se referir ao Ceará, menciona poucos nomes, omitindo pelo menos três dos mais importantes: Gustavo Barroso, Herman Lima (lembrado apenas como ensaísta) e Moreira Campos. Está escrito na página 482 de sua História Concisa: “O Ceará conta com prosadores que honram a tradição do romance naturalista que lá conheceu o alto exemplo de Oliveira Paiva e Domingos Olímpio, sem falar nos pais da literatura regional brasileira, Alencar e Franklin Távora”. Afirma que depois de Raquel de Queiroz lembra apenas Fran Martins, Braga Montenegro e João Clímaco Bezerra, dos quais cita alguns livros.

Antonio Hohlfeldt, em Conto Brasileiro Contemporâneo, não olvidou o nome de Moreira Campos e fez breves referências a outros contistas cearenses, como Holdemar Menezes, que se radicou no Sul do Brasil e lá escreveu livros, Juarez Barroso, Mario Pontes, Paulo Véras, que nasceu no Piauí mas viveu e escreveu no Ceará, e Socorro Trindad. O crítico gaúcho se dedicou a pesquisas mais amplas e, sem má vontade, escreveu duas páginas a respeito de Moreira Campos, no capítulo V, intitulado “O Conto Rural”, no qual são analisadas também as obras de Guimarães Rosa, Bernardo Élis, Jorge Medauar, Caio Porfírio Carneiro, Guido Wilmar Sassi e José J. Veiga. Para comentar as composições de Moreira Campos, faz constantes transcrições de estudos assinados por Antônio Houaiss, Temístocles Linhares, Hélio Pólvora e Francisco Carvalho.

Temístocles Linhares, em 22 Diálogos Sobre o Conto Brasileiro Atual, trata apenas de Moreira Campos, no capítulo 11, onde também estuda o baiano Cyro de Mattos e Bárbara de Araújo, e Juarez Barroso, no capítulo 19.

Assis Brasil, em A Nova Literatura – O Conto, comete um enorme erro, ao deixar de lado Moreira Campos. Ou para o crítico piauiense o escritor cearense estaria entre os “velhos contistas”? Ora, a estréia do autor de As Vozes do Morto se deu em 1949, enquanto a de Murilo Rubião é de 1947. Portanto, ignorância ou má vontade. Em outra oportunidade, no entanto, o crítico se redimiu. Pois no Dicionário Prático de Literatura Brasileira não olvidou o nome de Moreira Campos. Incluiu-o no rol dos modernistas, isto é, daqueles que escreveram entre 1922 e 1955.

Hélio Pólvora dedicou um capítulo, “A Espingarda na Parede”, de Itinerário do Conto, a Moreira Campos. Como em outros livros, o único contista cearense estudado no ensaio, se considerarmos Holdemar Menezes um contista catarinense.
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continua...

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