Na revistaria nas docas em Belém do Pará, o mostruário dos pockets da L&PM. Banca de jornais em São Paulo, aqui ao lado de casa: também um sortimento de pockets L&PM (e não é daquelas bancas grandes, da Avenida Paulista, onde, é claro, também se encontram os mesmos pockets). Livraria Cultura e outras boas casas do ramo: também lá estão os pockets. Onipresença de livros baratos, na faixa dos dez reais, incluindo títulos importantes, de Balzac aos beats, de Homero a Lorca, em edições de qualidade, atraentes. Vencer a barreira da distribuição e da escala: uma tentativa já feita por outras editoras, mas que nunca deu tão certo. E sem abandonar a publicação e circulação dos livros no formato convencional, destinados exclusivamente às livrarias.
Agulha já se manifestou, em artigos e editorial, sobre os preços elevados do livro brasileiro, como obstáculo á leitura e à redução dos nossos índices de analfabetismo funcional (da ordem de 70%). Daí caber o exame dessas mudanças recentes no perfil do mercado editorial; e – esperamos - dos hábitos de leitura no Brasil.
Motivo adicional para tratar do assunto: por enquanto, essa expansão não parece ter sido registrada. O espaço dos pockets nas páginas de suplementos e cadernos de cultura e variedades não é nem remotamente proporcional àquele que ocupam na vida real. Municipalidades e instituições poderiam formar boas bibliotecas através da aquisição de pockets, alimentando programas de estímulo à leitura, em vez de recorrerem aos pedidos de doação para formar acervos aleatórios.
Claro que a observação vale para essas edições da L&PM e umas poucas iniciativas de outras editoras que também vêm lançando livros mais baratos sem prejuízo da qualidade. Mas, comparadas aos títulos de algumas outras coleções à venda em bancas, os pockets da L&PM parecem a realização de um ideal iluminista. Detalhe adicional: no catálogo da L&PM, não consta a categoria “auto-ajuda”.
Quem me pôs em contato com Ivan Pinheiro Machado, em 1982, foi o jornalista Marcos Faerman (de quem já tratei em Agulha # 61: Literatura e jornalismo: Marcos Faerman), indicando-me para preparar uma coletânea de textos de Antonin Artaud, que saiu no ano seguinte e teve reedições. A seguir, por sugestão minha, Ginsberg, Uivo, Kaddish e outros poemas, com sucessivas reedições e agora em pocket. E, agora, um ensaio sobre geração beat, para uma nova coleção, a sair ainda em 2008. Quanto à circulação desses pockets, posso atestá-la: cresce o número de pessoas que me identificam, em primeiro lugar, como o tradutor e estudioso de Ginsberg. [CW]
CW Ivan, quem é você? Dê um breve perfil de si mesmo. Você é gremista? Nasceu em Bagé?
IPM Nasci em Porto Alegre, gremista graças a Deus, jornalista, arquiteto de formação e pintor.
CW Algumas capas da L&PM são suas: por trás do editor, o artista plástico?
IPM Bem antes de ser editor eu já pintava. Na Faculdade de Arquitetura eu desenvolvi o desenho e cheguei a cursar um ano de Escola de Artes da Universidade Federal aqui em Porto Alegre. Como pintor expus pela primeira vez em 1976, depois de receber o prêmio de pintura no Salão do Jovem Artista do MASP em S. Paulo. Depois disso fiz mais de 20 exposições, inclusive em N. Iorque, Compenhague e Paris. Sempre fiz a direção de arte na L&PM, além de mais ou menos umas 600 capas entre livros convencionais e pockets. Fiz muitos projetos gráficos e ilustrei alguns livros da L&PM como, por exemplo, os livros do grande Dalton Trevisan.
CW O que é a L&PM? Como se formou essa editora?
IPM A L&PM tem orgulho de ser uma das poucas grandes editoras brasileiras independentes. Temos o mesmo quadro acionário há 34 anos (Paulo de Almeida Lima e eu) e resistimos a todas as propostas de compra, tantos de grupos nacionais como internacionais. Nossa opção é ser a melhor editora independente brasileira, sem depender de capital de ninguém e com uma perspectiva cultural real e absolutamente cúmplice do leitor. A L&PM nasceu em 1974, o Lima (L) e eu (PM) vínhamos de uma experiência frustrada como publicitários e formamos a L&PM para publicar o livro RANGO, célebre personagem do grande desenhista Edgar Vasques que tinha sido nosso sócio na Agência de Publicidade Ciclo Cinco Propaganda. Éramos muito jovens (22 anos) e a editora criou-se em plena ditadura, no ambiente universitário efervescente dos anos 70 e, na sua origem, para editar livros de quadrinhos, cartum e reportagem.
CW O que você faz na L&PM? Qual a sua função na editora?
IPM Sou o responsável pelo departamento editorial e o Paulo Lima, além de colaborar na parte editorial é o responsável pela fantástica logística de distribuição da L&PM e dos livros da coleção L&PM POCKET.
CW O surgimento e crescimento da L&PM têm relação com o ambiente literário gaúcho? Com o fato de Porto Alegre ser pólo literário e o Rio Grande do Sul ser um mercado literário forte, que teve editoras locais importantes?
IPM A L&PM Editores é uma editora nacional. Nós nos dirigimos para o Brasil, sem bairrismos ou regionalismos. Evidentemente somos fruto de um meio cultural bastante desenvolvido que é o ambiente de Porto Alegre e que influenciou as nossas opções. Mas como mercado, disputamos o mercado brasileiro e, hoje, o maior mercado da L&PM, a praça que consagrou a coleção L&PM POCKET, é São Paulo.
CW Lembro-me de que, na segunda metade da década de 1970, publicações da L&PM tinham relação com uma cultura de resistência ao regime militar. Fale sobre esse período. Quais foram os títulos mais importantes? Millor Fernandes e Luis Fernando Veríssimo, outros autores gaúchos?
IPM A L&PM surgiu e incorporou-se na campanha de resistência democrática à ditadura nos anos 70. Publicamos vários livros (a maioria, nos primeiros tempos) contra a ditadura. Sofremos perseguição política e econômica, apreensões de livros e conseguimos sobreviver. Foi aí que se forjou o caráter da editora e esta característica fundamental que é sua independência e sensibilidade à inovação e às grandes transformações. Millôr foi nosso primeiro grande autor, junto com Josué Guimarães com livros publicados em 1976. Josué deixou uma grande obra e infelizmente morreu precocemente em 1986. Millôr está firme e forte, graças a Deus, e até hoje nos dá a honra de publicá-lo. Luis Fernando publicou quase 30 livros pela L&PM que ele deixou em 1999. Seu grande sucesso na L&PM é o legendário “Analista de Bagé” de 1981 com meio milhão de livros vendidos. No mais, a grande maioria dos escritores gaúchos com algum destaque nacional nos últimos 30 anos publicou algum livro ou toda a obra pela L&PM Editores. Por exemplo: Mario Quintana, Caio Fernando Abreu, Josué Guimarães, Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Martha Medeiros, Cláudia Tajes, Sergio Caparelli, Edgar Vasques, David Coimbra, Luis Antonio de Assis Brasil, Alcy Cheuiche, Eduardo Bueno, Célia Ribeiro, Sergio Faraco, José Antonio Pinheiro Machado, Tabajara Ruas, Sergio Jockymann, Jorge Furtado, Cyro Martins e muitos outros. Lya Luft é um dos poucos casos em nunca publicou uma obra original na L&PM, mas fez várias traduções do inglês e do alemão para nós.
CW A coleção Rebeldes e Malditos, para a qual preparei a coletânea de Artaud, já não era uma tentativa de lançar livros a custo mais baixo e em maior escala? Também havia uma coleção de textos de iniciação, algo um pouco além da Primeiros Passos da Brasiliense. O que houve com elas? Por que não tiveram continuidade?
IPM A coleção Rebeldes & Malditos é praticamente uma manifestação na nossa geração. Tínhamos menos de 30 anos na época e vivíamos a censura intelectual, a repressão e a agressividade da ditadura militar. Em parte, publicando os malditos, exorcizávamos o que sentíamos de revolta e sufoco na época. Além de colocar os jovens em contato com uma grande literatura. Criamos na época, também, uma coleção que se chamava “Universidade livre”, um belo nome de uma bela coleção que não foi em frente, mas serviu como semeadura para o grande e fundamental projeto dos pockets que se materializaria no final dos anos 90. A coleção Rebeldes & Malditos foi praticamente toda reeditada na L&PM POCKET com muitos acréscimos em relação a coleção original.
CW Como surgiu a conexão L&PM – beat?
IPM Surgiu dentro desta idéia que eu citei acima: uma manifestação da nossa geração no final dos anos 70 e uma resposta aos tempos de repressão e censura. E também do fascínio pela contra-cultura. Não se podia falar mal do regime, nem do país, pois os livros eram apreendidos. Então falávamos mal dos regimes políticos dos outros (semelhantes ao nosso da época) e das instituições burguesas consolidadas em geral. A literatura beat tinha esta aura libertária e inovadora e eu tinha como editor-assistente o então jovem Eduardo Bueno que havia traduzido o “On the Road” de Jack Kerouac para a editora Brasiliense e que era um entusiasta e conhecedor do movimento beat. Hoje a L&PM publica em sua coleção de bolso o clássico “On the Road” e toda a obra de Kerouc, bem como livros de Allen Gisberg (tradução de Cláudio Willer), Neal Cassady, William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti, Carl Solomon, Charles Bukowski entre outros.
CW Houve também o lançamento da série de textos sobre anarquismo, alguns reeditados agora em pocket. Beat e contracultura; rebeldes e malditos; anarquismo: além, evidentemente, da ocupação de espaços, de nichos no mercado editorial, títulos nessas áreas refletem preferências, opções ideológicas, visão de mundo?
IPM Exatamente. Neste ponto somos fiéis a nossas origens e a editora faz questão de rejuvenescer a cada ano de vida, olhando o futuro e sendo coerente às suas origens. Mesmo porque a L&PM Editores tem uma fantástica equipe editorial, predominantemente composta de jovens. E são estas as pessoas que colocam em prática um projeto concebido para estar na vanguarda do mercado editorial.
CW E essa relação L&PM – Charles Bukowski, tão estável, e que já dura décadas? Suponho que, dentre os títulos da L&PM, os desse boêmio debochado estejam entre os mais vendidos.
IPM O Charles Bukowski é publicado pela L&PM desde 1979, como Woody Allen. E o velho Buk é sem dúvida uma marca registrada da editora e tem milhares de leitores em todo o Brasil. As novas gerações devoram os livros de Bukowski com a mesma avidez que aqueles que hoje são cinquentões consumiam na década de 70.
CW Da segunda metade da década de 1980 até o final da década de 1990, dois fatores influíram no mercado editorial: primeiro a inflação elevada; depois o controle da inflação, a estabilização monetária. Livros eram caros porque tinham um sobrepreço, para compensar perdas provocadas pela inflação. Continuaram caros porque seu preço incorporou o sobrepreço. Editores preferiram reduzir a escala, as tiragens, e manter o preço, correndo menos riscos, parece-me. O que houve com a L&PM nesse período? Quais foram os principais títulos e iniciativas? A série de livros de história, de Eduardo Bueno?
IPM A L&PM foi uma vítima desta conturbada realidade econômica brasileira. Justamente neste período (no final da década de 90) tivemos muitos problemas financeiros e quase fechamos. Sofríamos com a inflação, os juros altíssimos e o assédio das multinacionais e das grandes editoras sobre os autores do nosso catálogo. Nos anos 80, no miolo da crise econômica pós-plano Cruzado, nós estávamos muito voltados para um público jovem. O Eduardo Bueno, como eu já disse, era meu assistente editorial e fez um grande trabalho tanto na coleção “beat” como na nossa maravilhosa série de livros sobre história. Ele contribuiu muito para o desenvolvimento e o sucesso da editora e a coleção História é um marco editorial no país e hoje também está plenamente reeditada na coleção POCKET.
CW Como e quando surgiu a idéia dos pockets?
IPM A idéia surgiu em 1996 quando vimos que não tínhamos como superar as enormes dificuldades econômicas que enfrentávamos caso mantivéssemos a mesma política editorial. Foi uma época em que entrou muito dinheiro estrangeiro no mercado, capitalizando os nossos concorrentes que, por sua vez, assediavam nosso autores. Como não tínhamos dinheiro, para sobreviver, fomos obrigados a ter idéias. Foi aí que decidimos de criar a primeira coleção de livros de bolso “de verdade” no Brasil. Foi uma decisão radical, pois concentramos toda a nossas energia neste projeto que era sistematicamente desprezado pelos nossos concorrentes. Nossa sobrevivência como empresa passou a depender unicamente do sucesso deste projeto. E nós tivemos sorte e em dez anos conseguimos consolidar a coleção com o apoio de milhões de leitores. Hoje tenho convicção de que a Coleção L&PM POCKET, sem falsa modéstia, é a única novidade que surgiu no mercado editorial nos últimos 25 anos. Tanto é que, hoje, é copiada (literalmente) por todo mundo.
CW A barreira da distribuição: editoras de porte médio de São Paulo e Rio de Janeiro têm dificuldade em chegar ao Norte do Brasil. Soube de calotes de distribuidores e quebras de livrarias, provocando prejuízos. Como foram transpostos esses obstáculos? Em especial, relativamente aos pockets, fazer que os livros estejam em tantos lugares me parece uma façanha logística. Como isso foi posto em prática?
IPM Este é um trabalho de mais de 10 anos levado em frente pelo Paulo Lima que criou a maior logística de distribuição de livros já concebida no mercado editorial brasileiro. Nós não divulgamos o número de pontos de venda, mas eles abrangem todo o território nacional desde o Chuí no Rio Grande até o mais distante ponto de venda no Norte do país. É a distribuição mais invejada (pelos concorrentes) do país.
CW Qual a diferença com alguns outros empreendimentos, em matéria de livro mais barato e em maior escala ou tiragem? (lembro-me de que no prefácio de On the Road Eduardo Bueno comenta que, durante o período em que essa obra esteve na Ediouro, não aconteceu nada)
IPM Não posso falar dos concorrentes, pois desconheço dados. Quanto a nós, procuramos respeitar o leitor oferecendo um livro de alto nível, tanto do ponto de vista editorial como do ponto de vista industrial. Nosso projeto sempre foi oferecer os melhores livros pelo menor preço. Quando começamos, o livro de bolso era tido como um livro de quarta categoria, estava queimado no mercado. Era o refugo dos editores. Livros feios, mal feitos e que não agüentavam uma leitura, pois as páginas caíam nas mãos do leitor. Acho que o mercado deve a coleção L&PM POCKET a restauração da dignidade do livro de bolso.
CW Vamos aos números. L&PM deve estar na ponta em número de títulos em nosso mercado editorial, suponho. E de tiragens. Quantos títulos são publicados por ano? Quais as maiores tiragens? Qual a sua proporção de venda em bancas, em livrarias, pela internet? Há outros canais de venda?
IPM Hoje em dia, nossos concorrentes são poderosos e estão sempre atrás de números da L&PM. Portanto, você me desculpe, mas não estou autorizado a detalhar números e percentagens. Mas, digamos assim, nossa distribuição é heterodoxa, ampla e original, mas a base da venda ainda é a livraria. A velha e boa livraria é que nos dá o maior respaldo de venda. Não vendemos direto pela internet. Encaminhamos os pedidos às grandes redes. Até agosto de 2008 a coleção estava com 740 volumes e em torno de 10 milhões de livros vendidos deste 1997. Nossa previsão é lançar em torno de 100 títulos pocket e 40 convencionais no próximo ano de 2009.
CW O que vende mais? Como estão indo Homero, Sêneca, Shakespeare, Descartes, Balzac, Tolstoi, Dostoiévski, Kafka, Fernando Pessoa? Conseguem equiparar-se à culinária, a Garfield, à literatura de entretenimento?
IPM Sim, a literatura e o entretenimento como quadrinhos, gastronomia e comportamento tem pesos semelhantes na venda.
CW De autores brasileiros, quais são os mais importantes?
IPM A coleção se orgulha de oferecer um “cardápio” de autores brasileiros de peso. Lá estão Millôr Fernandes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles, Marina Colassanti, Affonso Romano, Dalton Trevisan, Nelida Piñon, Silvio Lancellotti, Deonísio da Silva, Mario Prata e todo o poderoso time de gaúchos que eu enumerei no começo desta entrevista. Há também o maravilhoso time de cartunistas e desenhistas com Paulo Caruso, Laerte, Angeli, Glauco, Adão Iturrusgaray, Toninho Mendes, Santiago, Edgar Vasques, Nani, Ciça e Iotti. Não posso me esquecer também da série “Saúde” com textos fáceis e eficientes de prevenção do Dr. Fernando Lucchese, um best seller nacional. São todos muito importantes, cada um à sua maneira e todos contribuíram para que a coleção L&PM POCKET seja o sucesso que é e tenha o prestígio cultural que tem.
CW Observo também que há bastante narrativas do gênero policial, de histórias de detetive – um gênero que nunca deu muito certo no Brasil, ou, ao menos, não teve os resultados que se esperava. Como vão Simenon, Agatha Christie e seus confrades?
IPM Vão muito bem. Aos poucos o consumidor vai se acostumando e conhecendo melhor os autores policiais. A coleção oferece muitas opções além de Agatha Christie e Simenon, como os craques do “noir” Raymond Chandler, Dashiel Hammett, David Goodis, Ross Macdonald, Chester Himes, Ruth Rendell, Patrícia Higsmith, clássicos como Poe, Stevenson, Lovecraft e todas as histórias de Sherlock Holmes escritas por Sir Arthur Conan Doyle.
CW Quais títulos não deram certo, embora apostasse neles? Quais o surpreenderam, ultrapassaram sua expectativa?
IPM A coleção de bolso não trabalha com o best seller. É uma venda parelha onde todos os livros vendem bem.
CW Distribuição em bancas pode provocar ciúme de livrarias? Há desprezo elitista de críticos? Desatenção de dirigentes culturais públicos?
IPM As livrarias se constituem no principal ponto de vendas, portanto não existe conflito. A imprensa é o único preconceito que a coleção não conseguiu derrubar. Azar da imprensa, pois a coleção mostrou-se vitoriosa apesar do silencio dos jornais e revistas. Quanto a questão das compras governamentais, a editora não depende das compras de governo para sobreviver, portanto não tem queixas.
CW E os beats? Uns anos atrás, pareciam fora de moda. O que, dessa retomada de circulação de autores beat, é competência, gerenciamento correto, e o que corresponde a uma retomada de interesse, especialmente por jovens?
IPM O distanciamento de aproximadamente duas décadas correu a favor dos beats, como se vê. Conforme o livro que você escreveu e será publicado na série L&PM POCKET Enciclopaedya, há a figura do grande poeta Allen Ginsberg que – por ser o mais, digamos assim, centrado de todos eles – cuidou meticulosamente da memória e da posteridade do movimento, aquecendo a lenda criada em torno deste movimento fundamental para toda a revolução cultural promovida nos anos 60 e 70. O interesse portanto passou a ser histórico e as causas generosas que os beats defendiam e a forma anárquica e libertária como viviam e escreviam, até hoje tem apelo para a juventude. E além do mais, livros como “On the road” de Kerouac, “Uivo” de Ginsberg, “O primeiro terço” de Neal Cassady e “Um parque de diversões na cabeça” de Ferlinghetti tornaram-se clássicos e referência fundamental para a compreensão da contra-cultura e da cultura pop pós anos 60.
CW A coleção de biografias: quem desperta mais interesse, Kerouac ou Julio César?
IPM Para falar a verdade o grande best seller é “Gandhi”, o que, por outro lado, demonstra a alma generosa do leitor.
CW O grande comprador de livros no Brasil é o MEC, Ministério da Educação. Estimativas do que vai para a rede de ensino variam entre 40 e 60% do total de exemplares publicados. A L&PM atua nesse campo?
IPM Eventualmente, sim. Mas como é uma compra eventual, não contamos com isto no planejamento estratégico da empresa.
CW Seleção de títulos, como é feita? Como tratei diretamente com você de tudo o que publiquei pela L&PM, em comparação com editoras do mesmo porte, me parece bastante pessoal (e menos burocrática).
IPM Sem dúvida, procuramos ser mais simples e diretos quando tratamos com autores que estão habituados à L&PM. Nós temos um planejamento permanente para dois anos, como de resto é comum no meio editorial. Hoje sabemos o que vamos publicar até o final de 2010. Mas novos projetos vão sendo criados todo o tempo e temos também a interlocução dos nossos colaboradores sistemáticos que são os autores. Evidentemente estamos também abertos às sugestões dos leitores. No caso da coleção POCKET nosso projeto inicial era formatar uma grande coleção que fosse, como eu gosto de chamar, “polifônica”, ou seja, que abrigasse várias vozes. Hoje com quase 800 volumes, acho que conseguimos este objetivo, pois a coleção atinge vários públicos, sem ser filosoficamente contraditória.
CW Editores são leitores. Fale de suas leituras, suas preferências, sua vida cultural.
IPM Meu trabalho me impõe uma leitura que nem sempre seria a minha opção de lazer e/ou estudo. Mas de qq forma eu, embora suspeito, sou fã da linha editorial da L&PM. Gosto de ler quase tudo. Tive momentos inesquecíveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comédia Humana), gosto muito de todos os beats, dos policias “noir” como Hammett, Chandler, David Goodis. Adoro Tolstoi, principalmente Guerra & Paz, Dostoiévski e o maravilhoso “Crime e castigo”. Curto os americanos Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Steinbeck, Norman Mailer, Paul Auster, John Dunning. Gosto de quadrinhos, de Hugo Pratt, Guido Crepax, Breccia. Enfim, procuro ler de tudo, as novidades, as novas tendências, procuro me inteirar do que está sendo feito na Europa, Estados Unidos e na América Latina. E por falar em América Latina é bom que se diga que temos um trabalho importante com autores latino-americanos fundamentais como Eduardo Galeano de quem a L&PM publica a obra toda, Mario Benedetti, Bioy Casares, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda (quase 20 livros), Mario Arregui e os clássicos Ricardo Güiraldes e Horácio Quiroga.
Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. Entrevista realizada em setembro de 2008.
Fonte:
Floriano Martins e Claudio Willer. Revista de cultura Agulha # 65 . fortaleza, são paulo - setembro/outubro de 2008
Agulha já se manifestou, em artigos e editorial, sobre os preços elevados do livro brasileiro, como obstáculo á leitura e à redução dos nossos índices de analfabetismo funcional (da ordem de 70%). Daí caber o exame dessas mudanças recentes no perfil do mercado editorial; e – esperamos - dos hábitos de leitura no Brasil.
Motivo adicional para tratar do assunto: por enquanto, essa expansão não parece ter sido registrada. O espaço dos pockets nas páginas de suplementos e cadernos de cultura e variedades não é nem remotamente proporcional àquele que ocupam na vida real. Municipalidades e instituições poderiam formar boas bibliotecas através da aquisição de pockets, alimentando programas de estímulo à leitura, em vez de recorrerem aos pedidos de doação para formar acervos aleatórios.
Claro que a observação vale para essas edições da L&PM e umas poucas iniciativas de outras editoras que também vêm lançando livros mais baratos sem prejuízo da qualidade. Mas, comparadas aos títulos de algumas outras coleções à venda em bancas, os pockets da L&PM parecem a realização de um ideal iluminista. Detalhe adicional: no catálogo da L&PM, não consta a categoria “auto-ajuda”.
Quem me pôs em contato com Ivan Pinheiro Machado, em 1982, foi o jornalista Marcos Faerman (de quem já tratei em Agulha # 61: Literatura e jornalismo: Marcos Faerman), indicando-me para preparar uma coletânea de textos de Antonin Artaud, que saiu no ano seguinte e teve reedições. A seguir, por sugestão minha, Ginsberg, Uivo, Kaddish e outros poemas, com sucessivas reedições e agora em pocket. E, agora, um ensaio sobre geração beat, para uma nova coleção, a sair ainda em 2008. Quanto à circulação desses pockets, posso atestá-la: cresce o número de pessoas que me identificam, em primeiro lugar, como o tradutor e estudioso de Ginsberg. [CW]
CW Ivan, quem é você? Dê um breve perfil de si mesmo. Você é gremista? Nasceu em Bagé?
IPM Nasci em Porto Alegre, gremista graças a Deus, jornalista, arquiteto de formação e pintor.
CW Algumas capas da L&PM são suas: por trás do editor, o artista plástico?
IPM Bem antes de ser editor eu já pintava. Na Faculdade de Arquitetura eu desenvolvi o desenho e cheguei a cursar um ano de Escola de Artes da Universidade Federal aqui em Porto Alegre. Como pintor expus pela primeira vez em 1976, depois de receber o prêmio de pintura no Salão do Jovem Artista do MASP em S. Paulo. Depois disso fiz mais de 20 exposições, inclusive em N. Iorque, Compenhague e Paris. Sempre fiz a direção de arte na L&PM, além de mais ou menos umas 600 capas entre livros convencionais e pockets. Fiz muitos projetos gráficos e ilustrei alguns livros da L&PM como, por exemplo, os livros do grande Dalton Trevisan.
CW O que é a L&PM? Como se formou essa editora?
IPM A L&PM tem orgulho de ser uma das poucas grandes editoras brasileiras independentes. Temos o mesmo quadro acionário há 34 anos (Paulo de Almeida Lima e eu) e resistimos a todas as propostas de compra, tantos de grupos nacionais como internacionais. Nossa opção é ser a melhor editora independente brasileira, sem depender de capital de ninguém e com uma perspectiva cultural real e absolutamente cúmplice do leitor. A L&PM nasceu em 1974, o Lima (L) e eu (PM) vínhamos de uma experiência frustrada como publicitários e formamos a L&PM para publicar o livro RANGO, célebre personagem do grande desenhista Edgar Vasques que tinha sido nosso sócio na Agência de Publicidade Ciclo Cinco Propaganda. Éramos muito jovens (22 anos) e a editora criou-se em plena ditadura, no ambiente universitário efervescente dos anos 70 e, na sua origem, para editar livros de quadrinhos, cartum e reportagem.
CW O que você faz na L&PM? Qual a sua função na editora?
IPM Sou o responsável pelo departamento editorial e o Paulo Lima, além de colaborar na parte editorial é o responsável pela fantástica logística de distribuição da L&PM e dos livros da coleção L&PM POCKET.
CW O surgimento e crescimento da L&PM têm relação com o ambiente literário gaúcho? Com o fato de Porto Alegre ser pólo literário e o Rio Grande do Sul ser um mercado literário forte, que teve editoras locais importantes?
IPM A L&PM Editores é uma editora nacional. Nós nos dirigimos para o Brasil, sem bairrismos ou regionalismos. Evidentemente somos fruto de um meio cultural bastante desenvolvido que é o ambiente de Porto Alegre e que influenciou as nossas opções. Mas como mercado, disputamos o mercado brasileiro e, hoje, o maior mercado da L&PM, a praça que consagrou a coleção L&PM POCKET, é São Paulo.
CW Lembro-me de que, na segunda metade da década de 1970, publicações da L&PM tinham relação com uma cultura de resistência ao regime militar. Fale sobre esse período. Quais foram os títulos mais importantes? Millor Fernandes e Luis Fernando Veríssimo, outros autores gaúchos?
IPM A L&PM surgiu e incorporou-se na campanha de resistência democrática à ditadura nos anos 70. Publicamos vários livros (a maioria, nos primeiros tempos) contra a ditadura. Sofremos perseguição política e econômica, apreensões de livros e conseguimos sobreviver. Foi aí que se forjou o caráter da editora e esta característica fundamental que é sua independência e sensibilidade à inovação e às grandes transformações. Millôr foi nosso primeiro grande autor, junto com Josué Guimarães com livros publicados em 1976. Josué deixou uma grande obra e infelizmente morreu precocemente em 1986. Millôr está firme e forte, graças a Deus, e até hoje nos dá a honra de publicá-lo. Luis Fernando publicou quase 30 livros pela L&PM que ele deixou em 1999. Seu grande sucesso na L&PM é o legendário “Analista de Bagé” de 1981 com meio milhão de livros vendidos. No mais, a grande maioria dos escritores gaúchos com algum destaque nacional nos últimos 30 anos publicou algum livro ou toda a obra pela L&PM Editores. Por exemplo: Mario Quintana, Caio Fernando Abreu, Josué Guimarães, Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Martha Medeiros, Cláudia Tajes, Sergio Caparelli, Edgar Vasques, David Coimbra, Luis Antonio de Assis Brasil, Alcy Cheuiche, Eduardo Bueno, Célia Ribeiro, Sergio Faraco, José Antonio Pinheiro Machado, Tabajara Ruas, Sergio Jockymann, Jorge Furtado, Cyro Martins e muitos outros. Lya Luft é um dos poucos casos em nunca publicou uma obra original na L&PM, mas fez várias traduções do inglês e do alemão para nós.
CW A coleção Rebeldes e Malditos, para a qual preparei a coletânea de Artaud, já não era uma tentativa de lançar livros a custo mais baixo e em maior escala? Também havia uma coleção de textos de iniciação, algo um pouco além da Primeiros Passos da Brasiliense. O que houve com elas? Por que não tiveram continuidade?
IPM A coleção Rebeldes & Malditos é praticamente uma manifestação na nossa geração. Tínhamos menos de 30 anos na época e vivíamos a censura intelectual, a repressão e a agressividade da ditadura militar. Em parte, publicando os malditos, exorcizávamos o que sentíamos de revolta e sufoco na época. Além de colocar os jovens em contato com uma grande literatura. Criamos na época, também, uma coleção que se chamava “Universidade livre”, um belo nome de uma bela coleção que não foi em frente, mas serviu como semeadura para o grande e fundamental projeto dos pockets que se materializaria no final dos anos 90. A coleção Rebeldes & Malditos foi praticamente toda reeditada na L&PM POCKET com muitos acréscimos em relação a coleção original.
CW Como surgiu a conexão L&PM – beat?
IPM Surgiu dentro desta idéia que eu citei acima: uma manifestação da nossa geração no final dos anos 70 e uma resposta aos tempos de repressão e censura. E também do fascínio pela contra-cultura. Não se podia falar mal do regime, nem do país, pois os livros eram apreendidos. Então falávamos mal dos regimes políticos dos outros (semelhantes ao nosso da época) e das instituições burguesas consolidadas em geral. A literatura beat tinha esta aura libertária e inovadora e eu tinha como editor-assistente o então jovem Eduardo Bueno que havia traduzido o “On the Road” de Jack Kerouac para a editora Brasiliense e que era um entusiasta e conhecedor do movimento beat. Hoje a L&PM publica em sua coleção de bolso o clássico “On the Road” e toda a obra de Kerouc, bem como livros de Allen Gisberg (tradução de Cláudio Willer), Neal Cassady, William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti, Carl Solomon, Charles Bukowski entre outros.
CW Houve também o lançamento da série de textos sobre anarquismo, alguns reeditados agora em pocket. Beat e contracultura; rebeldes e malditos; anarquismo: além, evidentemente, da ocupação de espaços, de nichos no mercado editorial, títulos nessas áreas refletem preferências, opções ideológicas, visão de mundo?
IPM Exatamente. Neste ponto somos fiéis a nossas origens e a editora faz questão de rejuvenescer a cada ano de vida, olhando o futuro e sendo coerente às suas origens. Mesmo porque a L&PM Editores tem uma fantástica equipe editorial, predominantemente composta de jovens. E são estas as pessoas que colocam em prática um projeto concebido para estar na vanguarda do mercado editorial.
CW E essa relação L&PM – Charles Bukowski, tão estável, e que já dura décadas? Suponho que, dentre os títulos da L&PM, os desse boêmio debochado estejam entre os mais vendidos.
IPM O Charles Bukowski é publicado pela L&PM desde 1979, como Woody Allen. E o velho Buk é sem dúvida uma marca registrada da editora e tem milhares de leitores em todo o Brasil. As novas gerações devoram os livros de Bukowski com a mesma avidez que aqueles que hoje são cinquentões consumiam na década de 70.
CW Da segunda metade da década de 1980 até o final da década de 1990, dois fatores influíram no mercado editorial: primeiro a inflação elevada; depois o controle da inflação, a estabilização monetária. Livros eram caros porque tinham um sobrepreço, para compensar perdas provocadas pela inflação. Continuaram caros porque seu preço incorporou o sobrepreço. Editores preferiram reduzir a escala, as tiragens, e manter o preço, correndo menos riscos, parece-me. O que houve com a L&PM nesse período? Quais foram os principais títulos e iniciativas? A série de livros de história, de Eduardo Bueno?
IPM A L&PM foi uma vítima desta conturbada realidade econômica brasileira. Justamente neste período (no final da década de 90) tivemos muitos problemas financeiros e quase fechamos. Sofríamos com a inflação, os juros altíssimos e o assédio das multinacionais e das grandes editoras sobre os autores do nosso catálogo. Nos anos 80, no miolo da crise econômica pós-plano Cruzado, nós estávamos muito voltados para um público jovem. O Eduardo Bueno, como eu já disse, era meu assistente editorial e fez um grande trabalho tanto na coleção “beat” como na nossa maravilhosa série de livros sobre história. Ele contribuiu muito para o desenvolvimento e o sucesso da editora e a coleção História é um marco editorial no país e hoje também está plenamente reeditada na coleção POCKET.
CW Como e quando surgiu a idéia dos pockets?
IPM A idéia surgiu em 1996 quando vimos que não tínhamos como superar as enormes dificuldades econômicas que enfrentávamos caso mantivéssemos a mesma política editorial. Foi uma época em que entrou muito dinheiro estrangeiro no mercado, capitalizando os nossos concorrentes que, por sua vez, assediavam nosso autores. Como não tínhamos dinheiro, para sobreviver, fomos obrigados a ter idéias. Foi aí que decidimos de criar a primeira coleção de livros de bolso “de verdade” no Brasil. Foi uma decisão radical, pois concentramos toda a nossas energia neste projeto que era sistematicamente desprezado pelos nossos concorrentes. Nossa sobrevivência como empresa passou a depender unicamente do sucesso deste projeto. E nós tivemos sorte e em dez anos conseguimos consolidar a coleção com o apoio de milhões de leitores. Hoje tenho convicção de que a Coleção L&PM POCKET, sem falsa modéstia, é a única novidade que surgiu no mercado editorial nos últimos 25 anos. Tanto é que, hoje, é copiada (literalmente) por todo mundo.
CW A barreira da distribuição: editoras de porte médio de São Paulo e Rio de Janeiro têm dificuldade em chegar ao Norte do Brasil. Soube de calotes de distribuidores e quebras de livrarias, provocando prejuízos. Como foram transpostos esses obstáculos? Em especial, relativamente aos pockets, fazer que os livros estejam em tantos lugares me parece uma façanha logística. Como isso foi posto em prática?
IPM Este é um trabalho de mais de 10 anos levado em frente pelo Paulo Lima que criou a maior logística de distribuição de livros já concebida no mercado editorial brasileiro. Nós não divulgamos o número de pontos de venda, mas eles abrangem todo o território nacional desde o Chuí no Rio Grande até o mais distante ponto de venda no Norte do país. É a distribuição mais invejada (pelos concorrentes) do país.
CW Qual a diferença com alguns outros empreendimentos, em matéria de livro mais barato e em maior escala ou tiragem? (lembro-me de que no prefácio de On the Road Eduardo Bueno comenta que, durante o período em que essa obra esteve na Ediouro, não aconteceu nada)
IPM Não posso falar dos concorrentes, pois desconheço dados. Quanto a nós, procuramos respeitar o leitor oferecendo um livro de alto nível, tanto do ponto de vista editorial como do ponto de vista industrial. Nosso projeto sempre foi oferecer os melhores livros pelo menor preço. Quando começamos, o livro de bolso era tido como um livro de quarta categoria, estava queimado no mercado. Era o refugo dos editores. Livros feios, mal feitos e que não agüentavam uma leitura, pois as páginas caíam nas mãos do leitor. Acho que o mercado deve a coleção L&PM POCKET a restauração da dignidade do livro de bolso.
CW Vamos aos números. L&PM deve estar na ponta em número de títulos em nosso mercado editorial, suponho. E de tiragens. Quantos títulos são publicados por ano? Quais as maiores tiragens? Qual a sua proporção de venda em bancas, em livrarias, pela internet? Há outros canais de venda?
IPM Hoje em dia, nossos concorrentes são poderosos e estão sempre atrás de números da L&PM. Portanto, você me desculpe, mas não estou autorizado a detalhar números e percentagens. Mas, digamos assim, nossa distribuição é heterodoxa, ampla e original, mas a base da venda ainda é a livraria. A velha e boa livraria é que nos dá o maior respaldo de venda. Não vendemos direto pela internet. Encaminhamos os pedidos às grandes redes. Até agosto de 2008 a coleção estava com 740 volumes e em torno de 10 milhões de livros vendidos deste 1997. Nossa previsão é lançar em torno de 100 títulos pocket e 40 convencionais no próximo ano de 2009.
CW O que vende mais? Como estão indo Homero, Sêneca, Shakespeare, Descartes, Balzac, Tolstoi, Dostoiévski, Kafka, Fernando Pessoa? Conseguem equiparar-se à culinária, a Garfield, à literatura de entretenimento?
IPM Sim, a literatura e o entretenimento como quadrinhos, gastronomia e comportamento tem pesos semelhantes na venda.
CW De autores brasileiros, quais são os mais importantes?
IPM A coleção se orgulha de oferecer um “cardápio” de autores brasileiros de peso. Lá estão Millôr Fernandes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles, Marina Colassanti, Affonso Romano, Dalton Trevisan, Nelida Piñon, Silvio Lancellotti, Deonísio da Silva, Mario Prata e todo o poderoso time de gaúchos que eu enumerei no começo desta entrevista. Há também o maravilhoso time de cartunistas e desenhistas com Paulo Caruso, Laerte, Angeli, Glauco, Adão Iturrusgaray, Toninho Mendes, Santiago, Edgar Vasques, Nani, Ciça e Iotti. Não posso me esquecer também da série “Saúde” com textos fáceis e eficientes de prevenção do Dr. Fernando Lucchese, um best seller nacional. São todos muito importantes, cada um à sua maneira e todos contribuíram para que a coleção L&PM POCKET seja o sucesso que é e tenha o prestígio cultural que tem.
CW Observo também que há bastante narrativas do gênero policial, de histórias de detetive – um gênero que nunca deu muito certo no Brasil, ou, ao menos, não teve os resultados que se esperava. Como vão Simenon, Agatha Christie e seus confrades?
IPM Vão muito bem. Aos poucos o consumidor vai se acostumando e conhecendo melhor os autores policiais. A coleção oferece muitas opções além de Agatha Christie e Simenon, como os craques do “noir” Raymond Chandler, Dashiel Hammett, David Goodis, Ross Macdonald, Chester Himes, Ruth Rendell, Patrícia Higsmith, clássicos como Poe, Stevenson, Lovecraft e todas as histórias de Sherlock Holmes escritas por Sir Arthur Conan Doyle.
CW Quais títulos não deram certo, embora apostasse neles? Quais o surpreenderam, ultrapassaram sua expectativa?
IPM A coleção de bolso não trabalha com o best seller. É uma venda parelha onde todos os livros vendem bem.
CW Distribuição em bancas pode provocar ciúme de livrarias? Há desprezo elitista de críticos? Desatenção de dirigentes culturais públicos?
IPM As livrarias se constituem no principal ponto de vendas, portanto não existe conflito. A imprensa é o único preconceito que a coleção não conseguiu derrubar. Azar da imprensa, pois a coleção mostrou-se vitoriosa apesar do silencio dos jornais e revistas. Quanto a questão das compras governamentais, a editora não depende das compras de governo para sobreviver, portanto não tem queixas.
CW E os beats? Uns anos atrás, pareciam fora de moda. O que, dessa retomada de circulação de autores beat, é competência, gerenciamento correto, e o que corresponde a uma retomada de interesse, especialmente por jovens?
IPM O distanciamento de aproximadamente duas décadas correu a favor dos beats, como se vê. Conforme o livro que você escreveu e será publicado na série L&PM POCKET Enciclopaedya, há a figura do grande poeta Allen Ginsberg que – por ser o mais, digamos assim, centrado de todos eles – cuidou meticulosamente da memória e da posteridade do movimento, aquecendo a lenda criada em torno deste movimento fundamental para toda a revolução cultural promovida nos anos 60 e 70. O interesse portanto passou a ser histórico e as causas generosas que os beats defendiam e a forma anárquica e libertária como viviam e escreviam, até hoje tem apelo para a juventude. E além do mais, livros como “On the road” de Kerouac, “Uivo” de Ginsberg, “O primeiro terço” de Neal Cassady e “Um parque de diversões na cabeça” de Ferlinghetti tornaram-se clássicos e referência fundamental para a compreensão da contra-cultura e da cultura pop pós anos 60.
CW A coleção de biografias: quem desperta mais interesse, Kerouac ou Julio César?
IPM Para falar a verdade o grande best seller é “Gandhi”, o que, por outro lado, demonstra a alma generosa do leitor.
CW O grande comprador de livros no Brasil é o MEC, Ministério da Educação. Estimativas do que vai para a rede de ensino variam entre 40 e 60% do total de exemplares publicados. A L&PM atua nesse campo?
IPM Eventualmente, sim. Mas como é uma compra eventual, não contamos com isto no planejamento estratégico da empresa.
CW Seleção de títulos, como é feita? Como tratei diretamente com você de tudo o que publiquei pela L&PM, em comparação com editoras do mesmo porte, me parece bastante pessoal (e menos burocrática).
IPM Sem dúvida, procuramos ser mais simples e diretos quando tratamos com autores que estão habituados à L&PM. Nós temos um planejamento permanente para dois anos, como de resto é comum no meio editorial. Hoje sabemos o que vamos publicar até o final de 2010. Mas novos projetos vão sendo criados todo o tempo e temos também a interlocução dos nossos colaboradores sistemáticos que são os autores. Evidentemente estamos também abertos às sugestões dos leitores. No caso da coleção POCKET nosso projeto inicial era formatar uma grande coleção que fosse, como eu gosto de chamar, “polifônica”, ou seja, que abrigasse várias vozes. Hoje com quase 800 volumes, acho que conseguimos este objetivo, pois a coleção atinge vários públicos, sem ser filosoficamente contraditória.
CW Editores são leitores. Fale de suas leituras, suas preferências, sua vida cultural.
IPM Meu trabalho me impõe uma leitura que nem sempre seria a minha opção de lazer e/ou estudo. Mas de qq forma eu, embora suspeito, sou fã da linha editorial da L&PM. Gosto de ler quase tudo. Tive momentos inesquecíveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comédia Humana), gosto muito de todos os beats, dos policias “noir” como Hammett, Chandler, David Goodis. Adoro Tolstoi, principalmente Guerra & Paz, Dostoiévski e o maravilhoso “Crime e castigo”. Curto os americanos Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Steinbeck, Norman Mailer, Paul Auster, John Dunning. Gosto de quadrinhos, de Hugo Pratt, Guido Crepax, Breccia. Enfim, procuro ler de tudo, as novidades, as novas tendências, procuro me inteirar do que está sendo feito na Europa, Estados Unidos e na América Latina. E por falar em América Latina é bom que se diga que temos um trabalho importante com autores latino-americanos fundamentais como Eduardo Galeano de quem a L&PM publica a obra toda, Mario Benedetti, Bioy Casares, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda (quase 20 livros), Mario Arregui e os clássicos Ricardo Güiraldes e Horácio Quiroga.
Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. Entrevista realizada em setembro de 2008.
Fonte:
Floriano Martins e Claudio Willer. Revista de cultura Agulha # 65 . fortaleza, são paulo - setembro/outubro de 2008
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