domingo, 12 de outubro de 2008

José Couto Vieira Pontes (Machado de Assis, Será que o Merecemos?)

Quem melhor definiu o tempo foi o escritor brasileiro MACHADO DE ASSIS, ao escrever: - Nós matamos o tempo, mas é ele quem nos enterra”.
MEYERHOFF – “O tempo na Literatura”, tradução de Miriam Campello. “São Paulo: Mc Graw Hill do Brasil, 1976”.

Toda a nação brasileira reverencia a memória do escritor carioca Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Morro do Livramento, 21 de junho de 1839, filho de Francisco José de Assis, pintor de paredes, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis.

Faleceu em sua querida cidade do Rio de Janeiro, na madrugada do dia 29 de setembro de 1908, tendo o Governo decretado luto oficial, permanecendo seu corpo em câmara ardente, no Silogeu, diante do qual desfilou imensa multidão para levar ao gênio nacional o seu derradeiro adeus.

Presidente, em 1897, da Academia Brasileira de Letras, que fundara, com alguns amigos companheiros ilustres, nenhum destes quis aceitar a indicação de saúda-lo, à beira da sepultura, movidos por imensa e incontrolável emoção.

Foi então que, entre os acadêmicos presentes, Mario de Alencar, José Veríssimo, Euclides da Cunha, Coelho Neto, Raimundo Cofria, Medeiros de Albuquerque, e Rui Barbosa, este apresentou-se e disse: “Designou-me a Academia Brasileira de Letras para vir trazer ao amigo que de nós aqui se despede, para lhe vir trazer, nas suas próprias palavras, um gemido da sua lira, para lhe vir trazer o nosso ‘coração de companheiros’.”

E proferiu o grande escritor e tribuno baiano uma das mais belas orações das letras brasileiras.

Machado transpôs as fronteiras nacionais, projetando-se no cenário literário das grandes nações do mundo, colocando-se hoje ao lado dos luminares, como Balzac, Flaubert, Dostoievski, Turguenief, os irmãos Goncourt, José Maria Eça de Queirós, Máximo Gorki, Stendahl, entre outros, sem que se esqueça de Marcel Proust, Thomas Hardy, Pirandello e Jorge Luis Borges.

Que não se omita o serem todos os nossos modernos machadianos.

Sua grandeza reside em que evoluiu formalmente de romances românticos, como “Helena”, “Iaiá Garcia” e “A Mão e a Luva” para magistrais obras classificadas como realistas, embora naquelas já se notasse a marca indefectível de Machado. Em 1881, inaugura no Brasil o realismo, com o fabuloso romance “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, seguindo-se outras produções notáveis tais como o decanto “Dom Casmurro”, que não cessa de intrigar a consciência do crítico e do leitor.

Embora queiram alguns ensaístas sustentar que Machado lembra os romancistas famosos de outras nações ricas de produções literárias, dentre elas a França, a Itália, a Rússia e a Inglaterra, a verdade é que seus tipos humanos são bem brasileiros, conquanto universais, tocados pela ambivalência da turva condição humana.

Ademais, os locais em que se desenrolam os aspectos de sua geografia mimética são profundamente brasileiros, o que o torna contemporâneo de nossos modernistas, na busca do cotidiano, alcançando o viés de sua literariedade na coisa simples da vida comezinha, a que realmente guarda os grandes segredos e faz pulsar a nervura do mais alto da existência.

Em verdade, não encontraremos em qualquer literatura um contista como Machado, o autor de “A Igreja do Diabo”, de “Uns Braços”, de “A Cartomante”, de “O Espelho”, de “O Enfermeiro”, de “Cantigas de Esponsais”, de “Trio em Lá Maior”, além de uma centena de outros. Mesmo no Romancista a introdução do Contista.

Senhor de um estilo fragmentário, firme ao captar flagrantes, como a compor mosaicos de uma urdidura pouco explicável, tanto no romance quanto no conto, o “Bruxo do Cosme Velho” é a nota para além das formas e dos rigores do estilo de seu tempo, em verdade projetando-se, unânime, para uma destinação do sempre – presente.

Muito após a morte do mestre Machado, a notável escritora Lúcia Miguel Pereira soube resgatar obras do olvido, obras como “Crônicas de Lélio”. Não se pode esquecer a opinião crítica de José Veríssimo, que muito ajudou, entre nós, a consolidar a figura de Machado de Assis, já que os contemporâneos do autor de “Memorial de Aires” optaram por seguir a senda de escritores hoje menores.

Palavras não há a dirigir a nosso mestre maior, senão poucas, eis que suas construções e o espectro das virtualidades de sua criação compõem a trama de nossa própria existência.

Fontes
Academia Sul-Matogrossense de Letras. Suplemento Cultural de 27 de setembro de 2008.
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