O escritor fala do seu amor pela literatura e indica Fernando Pessoa como leitura obrigatória
Peregrino que sou, ando atrás de um cristal que pertencia ao Rei de Ibitiporã. Bastava alguém botar por sobre ele as mãos, e as dores e as tensões e as angústias findavam.
Em Ibitiporã, as coisas, lá, viviam em perfeita harmonia; e no âmago de tudo havia um deus de amor, de pazes, de alegrias. Graças, vê-se, à magia e ao calor do cristal.
Sombras na minha vida ocultaram meu sol. Minha alma é uma ilha afogada em ruínas. Desabei-me em meu mar. Mas a fome de ser me faz crer que ainda existe um cristal e um lugar. Preciso reencontrar esse país divino, pôr as mãos no cristal e andar num chão de céu.
O poema acima, O peregrino e o cristal, de autoria do escritor Jafran Bastos, define bem o olhar que ele tem por sua cidade e, também, o sentimento que o acompanha desde o dia em que, aos 21 anos, o menino de Santo Antônio de Pádua, na região noroeste do Estado, saiu da sua terra para estudar e se entregar à alegria do mundo das letras. Como bom entendedor que é, percebeu o tempo, amadureceu e graduou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Hoje, o ilustre paduano é o entrevistado do JB Niterói. Com a riqueza de sua cultura, ele fala sobre o amor por sua cidade, por Niterói, pela literatura, família e trabalho.
Como foi sua infância?
Foi muito boa. Pobre, mas muito boa. Sempre que posso eu volto para rever os amigos e parentes que ficaram por lá. Às vezes, tenho vontade de voltar definitivamente. Mas não dá mais. Pádua é outra e eu também sou outro. Nada ficou igual. Mas sou muito feliz aqui. Tenho minha esposa, os filhos estão criados... Na verdade, enquanto eu morava no Rio, por conta dos estudos, pensava muito em vir para Niterói. Sempre quis morar aqui.
Por que literatura?
Eu aprendi a ler aos 5 anos. Meu pai, semi-analfabeto, que me ensinou. Então eu sempre tive contato com as letras. As coisas foram acontecendo e eu me apaixonei pela leitura. Já aos 7 anos eu escrevia textinhos e poemas infantis.
Você acredita que para ser escritor basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?
As duas coisas, mas a vocação é o ponto de partida. O exercício da escrita te ajuda muito a melhorar a qualidade do texto, mas se você não tiver vocação, o que você está desenvolvendo não flui. O segredo do escritor é saber usar a palavra. Tem que saber aproveitar o que a palavra pode te proporcionar.
Como surge o momento de escrever um livro?
Olha, ninguém parte do nada. Eu entendo que escrever é um processo, um somatório de várias coisas que você vive, de experiências, tanto suas quanto dos outros. No meu livro, eu falo sobre a solidão e a angústia. Não é só sobre meus momentos, mas solidão e angústia do mundo. Todos já viveram momentos como estes. Até Jesus já passou por momentos de solidão. Na cruz ele perguntou: ‘Pai, por que me abandonastes?’ O maior homem da história da humanidade se sentiu angustiado, sozinho... porque os simples mortais não vão se sentir?
Quanto tempo você levou escrevendo o livro?
O grito da ilha foi escrito aos poucos. Na realidade, escrevi sete poemas para um concurso da faculdade, em 1979. Ganhei este concurso e achei que os sete poemas davam um livro. Com o tempo, eu fui escrevendo outros, até que esse ano eu pude reunir todos e lançá-los. Foi um livro que surgiu aos poucos.
Então esse livro é autoral, porque você passou boa parte da sua vida escrevendo-o?
É, a minha pessoa é parte desse livro.
Você acha possível um autor não se envolver com o que ele está escrevendo? Ser neutro?
Não. Acho impossível. Alguma coisa do autor vai ter no livro. Mesmo que seja um estudo científico ou jurídico o autor vai dar sua opinião.
O que você acha dessa moda, que chegou ao Brasil, de livros sendo digitalizados, narrados e gravados em mídia digital?
Eu acho que nada substitui o livro. Infelizmente, o brasileiro é um povo que não tem a cultura da leitura. Essa história toda de CD é boa porque desperta o interesse pela leitura. Mas, nada como ler! Lendo você está centrado, a emoção é toda sua. O sentimento tem que ser do leitor, principalmente quando é poesia.
Qual é a sua opinião sobre as Academias de Letras?
As Academias de Letras são muito importantes porque dão ao livro e ao autor a importância que eles têm. Elas mantêm a integridade da obra, protegem esse acervo literário. Principalmente em um país como o nosso, que não tem o hábito da leitura.
Na sua opinião, que livro da literatura da língua portuguesa deveria ser leitura obrigatória?
São muitos. A nossa literatura é riquíssima. Os Lusíadas, de Luís de Camões, é uma enciclopédia; os romances de Castro Alves; os de Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Graciliano Ramos; o nosso Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis; Olavo Bilac, é outro pilar da cultura brasileira; Cecília Meirelles; Clarice Lispector e Macunaíma, de Mário de Andrade. Mas o leitor brasileiro tem a obrigação de ler Fernando Pessoa.
E por que você indica esses escritores?
Porque eles têm uma qualidade literária mágica.
Paulo Coelho se encaixa nessa qualidade literária?
Eu não gosto do Paulo Coelho, acho o texto dele uma porcaria. No entanto, ele está aí vendendo milhões de exemplares pelo mundo, né? O texto dele é fácil, não precisa pensar muito.
Desses autores todos que você citou, tem algum que te emociona mais?
Fernando Pessoa. É um encanto de escritor!
Em Niterói, há algum escritor que você admira?
Gosto muito do Wanderlino Teixeira Leite Netto, que é muito meu amigo. Tem uma escrita bem elaborada, bem direta. E na poesia admiro a Neuza Peçanha.
Aqui em Niterói há um mercado solidificado para a literatura?
Eu tenho a impressão de que não. Hoje em dia a leitura não é valorizada. Infelizmente!
Como surgiu a oportunidade de trabalhar em jornal?
Eu trabalhava na Petrobras, como revisor de textos, no setor chefiado pelo Ismael Prestes, marido da Estela Prestes. Aí, ela me convidou para fazer a revisão de textos do extinto jornal 7 dias, de propriedade dela. O tempo passou e, há 28 anos, trabalho com a Estela, que é uma pessoa fantástica, sensacional!
Fonte:
http://jbonline.terra.com.br/editorias/textosdoimpresso/jornal/niteroi/2008/09/13/niteroi20080913025.html
Peregrino que sou, ando atrás de um cristal que pertencia ao Rei de Ibitiporã. Bastava alguém botar por sobre ele as mãos, e as dores e as tensões e as angústias findavam.
Em Ibitiporã, as coisas, lá, viviam em perfeita harmonia; e no âmago de tudo havia um deus de amor, de pazes, de alegrias. Graças, vê-se, à magia e ao calor do cristal.
Sombras na minha vida ocultaram meu sol. Minha alma é uma ilha afogada em ruínas. Desabei-me em meu mar. Mas a fome de ser me faz crer que ainda existe um cristal e um lugar. Preciso reencontrar esse país divino, pôr as mãos no cristal e andar num chão de céu.
O poema acima, O peregrino e o cristal, de autoria do escritor Jafran Bastos, define bem o olhar que ele tem por sua cidade e, também, o sentimento que o acompanha desde o dia em que, aos 21 anos, o menino de Santo Antônio de Pádua, na região noroeste do Estado, saiu da sua terra para estudar e se entregar à alegria do mundo das letras. Como bom entendedor que é, percebeu o tempo, amadureceu e graduou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Hoje, o ilustre paduano é o entrevistado do JB Niterói. Com a riqueza de sua cultura, ele fala sobre o amor por sua cidade, por Niterói, pela literatura, família e trabalho.
Como foi sua infância?
Foi muito boa. Pobre, mas muito boa. Sempre que posso eu volto para rever os amigos e parentes que ficaram por lá. Às vezes, tenho vontade de voltar definitivamente. Mas não dá mais. Pádua é outra e eu também sou outro. Nada ficou igual. Mas sou muito feliz aqui. Tenho minha esposa, os filhos estão criados... Na verdade, enquanto eu morava no Rio, por conta dos estudos, pensava muito em vir para Niterói. Sempre quis morar aqui.
Por que literatura?
Eu aprendi a ler aos 5 anos. Meu pai, semi-analfabeto, que me ensinou. Então eu sempre tive contato com as letras. As coisas foram acontecendo e eu me apaixonei pela leitura. Já aos 7 anos eu escrevia textinhos e poemas infantis.
Você acredita que para ser escritor basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?
As duas coisas, mas a vocação é o ponto de partida. O exercício da escrita te ajuda muito a melhorar a qualidade do texto, mas se você não tiver vocação, o que você está desenvolvendo não flui. O segredo do escritor é saber usar a palavra. Tem que saber aproveitar o que a palavra pode te proporcionar.
Como surge o momento de escrever um livro?
Olha, ninguém parte do nada. Eu entendo que escrever é um processo, um somatório de várias coisas que você vive, de experiências, tanto suas quanto dos outros. No meu livro, eu falo sobre a solidão e a angústia. Não é só sobre meus momentos, mas solidão e angústia do mundo. Todos já viveram momentos como estes. Até Jesus já passou por momentos de solidão. Na cruz ele perguntou: ‘Pai, por que me abandonastes?’ O maior homem da história da humanidade se sentiu angustiado, sozinho... porque os simples mortais não vão se sentir?
Quanto tempo você levou escrevendo o livro?
O grito da ilha foi escrito aos poucos. Na realidade, escrevi sete poemas para um concurso da faculdade, em 1979. Ganhei este concurso e achei que os sete poemas davam um livro. Com o tempo, eu fui escrevendo outros, até que esse ano eu pude reunir todos e lançá-los. Foi um livro que surgiu aos poucos.
Então esse livro é autoral, porque você passou boa parte da sua vida escrevendo-o?
É, a minha pessoa é parte desse livro.
Você acha possível um autor não se envolver com o que ele está escrevendo? Ser neutro?
Não. Acho impossível. Alguma coisa do autor vai ter no livro. Mesmo que seja um estudo científico ou jurídico o autor vai dar sua opinião.
O que você acha dessa moda, que chegou ao Brasil, de livros sendo digitalizados, narrados e gravados em mídia digital?
Eu acho que nada substitui o livro. Infelizmente, o brasileiro é um povo que não tem a cultura da leitura. Essa história toda de CD é boa porque desperta o interesse pela leitura. Mas, nada como ler! Lendo você está centrado, a emoção é toda sua. O sentimento tem que ser do leitor, principalmente quando é poesia.
Qual é a sua opinião sobre as Academias de Letras?
As Academias de Letras são muito importantes porque dão ao livro e ao autor a importância que eles têm. Elas mantêm a integridade da obra, protegem esse acervo literário. Principalmente em um país como o nosso, que não tem o hábito da leitura.
Na sua opinião, que livro da literatura da língua portuguesa deveria ser leitura obrigatória?
São muitos. A nossa literatura é riquíssima. Os Lusíadas, de Luís de Camões, é uma enciclopédia; os romances de Castro Alves; os de Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Graciliano Ramos; o nosso Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis; Olavo Bilac, é outro pilar da cultura brasileira; Cecília Meirelles; Clarice Lispector e Macunaíma, de Mário de Andrade. Mas o leitor brasileiro tem a obrigação de ler Fernando Pessoa.
E por que você indica esses escritores?
Porque eles têm uma qualidade literária mágica.
Paulo Coelho se encaixa nessa qualidade literária?
Eu não gosto do Paulo Coelho, acho o texto dele uma porcaria. No entanto, ele está aí vendendo milhões de exemplares pelo mundo, né? O texto dele é fácil, não precisa pensar muito.
Desses autores todos que você citou, tem algum que te emociona mais?
Fernando Pessoa. É um encanto de escritor!
Em Niterói, há algum escritor que você admira?
Gosto muito do Wanderlino Teixeira Leite Netto, que é muito meu amigo. Tem uma escrita bem elaborada, bem direta. E na poesia admiro a Neuza Peçanha.
Aqui em Niterói há um mercado solidificado para a literatura?
Eu tenho a impressão de que não. Hoje em dia a leitura não é valorizada. Infelizmente!
Como surgiu a oportunidade de trabalhar em jornal?
Eu trabalhava na Petrobras, como revisor de textos, no setor chefiado pelo Ismael Prestes, marido da Estela Prestes. Aí, ela me convidou para fazer a revisão de textos do extinto jornal 7 dias, de propriedade dela. O tempo passou e, há 28 anos, trabalho com a Estela, que é uma pessoa fantástica, sensacional!
Fonte:
http://jbonline.terra.com.br/editorias/textosdoimpresso/jornal/niteroi/2008/09/13/niteroi20080913025.html
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