quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Renie Burghardt (A Última Rosa)



The Last Rose
Tradução de Cynara Paiva

Assim que abri meus olhos hoje de manhã, sabia que era dia 25 de outubro de 1966 – data esta que venho temendo por semanas. O primeiro ano do dia mais triste da minha vida, dia em que meu amado esposo Jozsef, de 49 anos, faleceu me deixando viúva.

Jozsef era jardineiro e gostava muito de suas plantas bem cuidadas, que se beneficiavam de sua terna devoção, assim como eu. Ele tinha um toque mágico, tanto com os jardins quanto com sua esposa.

Nosso casamento tinha sido um acordo, é verdade. É muito estranho pensar nisso agora, que eu não quis me casar com Jozsef, mas essa é a mais pura verdade. Lembro do ano de 1916 tão claro como se fosse hoje. Eu tinha acabado de completar 16 anos, e o imperador Franz-Josef da Áustria-Hungria tinha morrido. Por isso, nosso país, a Hungria, naquele ano estava de luto, assim como Jozsef, porque sua primeira esposa, minha tia Anni, havia falecido um ano antes, deixando Jozsef com duas crianças pequenas para criar.

Lembro do choque que eu levei quando Mama veio até mim e disse que Jozsef havia pedido minha mão em casamento.

– Mas eu não quero me casar, Mama, disse com voz chorosa. Além disso, eu amava minha tia Anni. Eu nunca poderia tomar o seu lugar.

– Ele precisa de uma esposa, Terez, e os filhos dela precisam de uma mãe. Anni iria gostar, se você tomasse conta deles, uma vez que ela se foi – Mama disse em voz baixa. – Mas você não precisa decidir agora. Você pode pensar sobre isso por um tempo.

Enquanto fiquei lá sentada, e sem pensar no assunto, eu me lembrei de quando tia Anni e Jozsef se casaram. Eu tinha oito anos, e fui a dama de honra no casamento deles. Ela era uma bela noiva, assim como Joszef em sua farda de soldado da cavalaria, me deixando sem ar aos 8 anos de idade.

Ah! Os soldados da cavalaria daquela época, como eles faziam as jovens ficarem eufóricas! Lembro, ao pensar sobre aquele dia, que eu gostaria de casar com um belo oficial, também. Então, oito anos depois, Jozsef queria se casar comigo, porque seus filhos precisavam de uma mãe e ele de uma esposa.

– Eu quero me casar por amor e não por necessidade – eu disse a ele, com voz chorosa.

– Mas eu farei o meu melhor para lhe fazer feliz. Serei amável e gentil, e talvez um dia, você aprenderá a me amar – Jozsef respondeu. – Meus filhos já te amam, e penso que você também os ama. Podemos formar uma família feliz juntos – ele disse.

Claro, ele estava certo, eu já amava seus dois filhos, e a decisão que tomei foi por causa deles. Então concordei em me casar com Jozsef, e nosso casamento foi simples, mas bonito.

O país estava de luto após a morte de Franz-Josef, e as noivas não podiam se casar usando vestido de noiva. Somente o véu branco era permitido. Eu fiquei comovida quando Jozsef me trouxe um pequeno ramalhete de rosas de seu próprio jardim para carregar como meu buquê de noiva.

Então, após a cerimônia, quando estávamos finalmente a sós, e eu estava morrendo de medo, Jozsef segurou meu rosto com suas mãos, o acariciou e beijou-me ternamente, despertando sentimentos jamais vivenciados. Desde este dia sinto calafrios, mesmo tendo se passado 50 anos. Lembrando daquela noite, e de muitas outras, fico muito agradecida pelo maravilhoso amor de Jozsef. Sim, eu aprendi a amá-lo tão intensamente, que meu amor por ele aumenta a cada dia que passa.

Os jovens de hoje, procuram romances e pensam que um casamento igual ao nosso é o fundo do poço. Bem, usei essa expressão porque agora sou americana, além disso, minha neta a usa sempre. Mas não é o fundo do poço, digo à minha neta. Jozsef era romântico desde o começo. Ele cultivava lindas rosas, e trazia para casa lindos buquês feitos com elas, e eu pude aproveitar seu perfume, e com freqüência, ele me dizia que minhas bochechas eram rosadas e amáveis como suas rosas que eram coradas no centro.

Ele também cultivava não-me-esqueças, porque sua cor combinava com a cor dos meus olhos. Ao menos era o que sempre me dizia. Ele fez muitas outras coisas românticas também. Mas na maioria das vezes ele me encorajava a ser eu mesma, e quando eu quis montar um negócio, algo inédito para aquela época na Hungria, Jozsef apoiou minha decisão, e os negócios cresceram nos ajudando a prosperar.

Jozsef também era um pai maravilhoso, a rocha de nossa família. Quando nossa única filha, nossa amada filha Ilonka, estava morrendo na flor da idade, aos 19 anos, logo depois de dar a luz a seu primeiro filho, foi a Jozsef que ela chamou. Foi em seus braços que ela deu o seu último suspiro, enquanto eu caía em prantos de dor por tudo, por não poder fazer nada por ela. E foi ele quem me apoiou durante toda a tragédia, me lembrando de que tínhamos a filha de Ilonka para cuidar agora. Tive que superar a minha dor pelo bem da criança.

Jozsef e eu passamos por muitos momentos difíceis durante esses 49 anos de casados – uma guerra terrível, que tirou a vida de seu filho, a perda de todos os bens ao recomeçar a vida em um outro país. Mas também tivemos muitos momentos felizes, como quando nos tornamos bisavós. Nossa linda neta nos presenteou com dois meninos e finalmente tivemos dinheiro suficiente para comprar nossa casa própria.

– Encontrei um lugar perfeito para nós, Terez. É uma casa pequena, estilo colonial, toda branca, com uma linda cerca em volta e uma grande área onde poderei fazer meu jardim novamente. Ah! Irei cultivar tomates de boa qualidade, pimentões húngaros e rosas que irão combinar perfeitamente com a cor de seu rosto – ele disse.

Não importava que meu rosto estivesse ganhando a cor da idade, Jozsef parecia não notar isso.

Rapidamente, seu jardim tornou-se a atração de nossa modesta e étnica vizinhança, e quando ele encontrou, em um catálogo, aquela rosa ancestral exatamente como aquela que ele cultivava na Hungria, parecia que ele tinha acabado de achar um tesouro!

E, naquele ano que passou, eu não estava em condições nem mesmo de olhar para o jardim. Ele somente me lembrava a ausência de Jozsef. Se não fosse por minha neta Zsuzsi, que prefere ser chamada de Suzi, as ervas daninhas teriam tomado conta do jardim. Ela parece ter herdado o dom de Jozsef para lidar com as plantas. Ela tem seu próprio jardim. Seus dois filhos cresceram muito neste último ano, mas eles se parecem muito com seu carinhoso pai, e irei me certificar de que continuam se lembrando dele.

Sim, este dia começou de forma muito triste.

Mas logo aconteceu uma coisa. Assim que me vesti e esperava Suzy chegar para me levar ao cemitério, me senti obrigada a olhar pela janela da cozinha e vi alguma coisa rosa brilhante do lado de fora.

– O que é aquilo? – perguntei a mim mesma. – Seria alguma coisa florescendo? Mas não pode ser. Estamos no final de outubro, e por causa das fortes geadas uma boa parte do jardim morreu.

Abri a porta da cozinha e caminhei em direção ao jardim de rosas de Jozsef, e lá, no canteiro de rosas da Hungria, havia uma rosa linda e perfeita. A última rosa do verão, tão rosa quanto as rosas do meu buquê de casamento, de cinqüenta anos atrás.

À medida que me inclinava para sentir o seu perfume celestial, pude sentir uma inconfundível presença perto de mim. Sabia que tinha encontrado Jozsef novamente, e eu estava tão feliz e em paz. E, quando coloquei a última rosa do verão no seu túmulo, prometi a Jozsef que cuidaria de seu jardim, tão ternamente quanto ele havia cuidado de mim, até chegar o dia de nos encontrarmos no glorioso jardim do mundo vindouro.

Fonte:
Primeiras Traduções.
http://www.ichs.ufop.br/tradufop/?cat=1

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