ENTRE ESSA IRRADIAÇÃO
Entre essa irradiação enorme, que palpita,
É possível que um dia, eu, pálido, a encontrasse,
Como a sonora luz de Vênus Afrodita,
Em meio do caminho, os dois, e face a face...
E que alucinação e que febre esquisita,
Que cegueira de amor e que ilusão falace,
Quando esse girassol, para a luz infinita,
Cá de dentro de mim, então, desabrochasse!
Seriam negros ou dourados os cabelos?
Junto daquela flor, tremeria de zelos?
Não tombaria morto aos pés desse prazer?
Os olhos de que cor? Não sei. Porém suponho
Que seriam assim tão grandes como um sonho...
Mas já passei a vida, e não a pude ver!
UMA CARTA
– Eu te escrevo esta carta, in extremis, Maria,
Deitado aqui por sobre um catre d’hospital,
O corpo exangue, os pés gelados, a mão fria,
E refletindo bem, não sei se faço mal.
Tu te recordas, pois, dessa tarde? Eu me lembro
De tudo. Foi ao pé de uma giesta em flor...
Eu te beijei as mãos, o cabelo... Dezembro
Ardia, enquanto nós mudávamos de cor...
Como sabes, parti noutro dia, bem cedo.
Era preciso ter um nome! Eu me alistei
Entre os que iam talvez morrer nesse degredo,
Em defesa da pátria e em nome de seu rei.
Nunca corri no campo o veado ou a lebre,
E nem mesmo atirei numa simples perdiz,
Mas quando entrei na luta, eu me bati com febre,
Bati-me como um bravo, e saí-me feliz.
No meio da refrega e da fumaça espessa,
Num crepúsculo de betume e vermelhão,
Flutuavas sobre mim, sobre a minha cabeça,
Como se acaso fosse o próprio pavilhão.
Dentro em pouco, também, o meu perfil tamanho
Destaque iluminou, de tal maneira que
Julguei ser um herói, mas um herói d’antanho,
De pluma e capacete e lança e boldriê.
Mas, ontem, ao sair de casa, um camarada
Trouxe-me para ver as linhas de um jornal
Que falava de ti. Olhei. Não disse nada.
Mas para não cair agarrei-me ao portal.
Quando me vi a sós, também, d’aí a pouco,
Tive desejos maus de estrangular alguém,
De te calcar aos pés, de fazer como um louco:
Bater-me contra dez, bater-me contra cem.
Era a hora em que o sol como um ladrão se esconde
Por trás dos serros e para longe de nós:
Tomei a minha espada e caminhei para onde
Eu sabia que estava o inimigo feroz.
Desafiei-os: cinco assaltaram-me, em guarda!
Eu queria morrer nesse combate, sim,
Com a graça, porém, de quem veste uma farda
E tem orgulho de ser um espadachim.
E de fato, que sei? após alguns minutos,
Vibraram-me no peito uma lança, caí
Sob os alfanjes nus desses cossacos brutos...
Mas que importa afinal, se vou morrer por ti! –
Sítio dos Pinhais, Novembro – 1909
SOMBRA
Um dia hei de partir e tu hás de ficar,
Como uma vela que se perdesse no mar,
Por entre o nevoeiro e a cerração escura...
Hás de ficar aqui, ó frágil criatura,
Atirada aos baldões cruéis da sorte má,
Ora de lá p’ra cá, ora de cá p’ra lá...
Tão atroz há de ser, porém, tão esquisito,
Tão despedaçador esse horroroso grito,
Vibrado de través dessas torres de ar,
Que onde quer que eu esteja há de me traspassar,
Há de ferir-me assim com tal desolação,
Com um desespero tal que hei de correr então
De país em país, de cidade em cidade,
Como um doido a tremer de infinita piedade...
E sem que saibas que eu estou presente, enfim,
Eu te possa sorrir, quando penses em mim,
Mas como névoa em torno à palidez da Lua,
E sombra, e nada mais do que uma sombra tua...
A cada passo, então, hei de te acompanhar,
Como uma espécie de gênio familiar.
Eu hei de te seguir, eu que por meus pecados
Só tenho percorrido os caminhos errados
Nessas estradas, mais sutil do que um ladrão,
Como se conduzisse um cego pela mão...
Eu sei o que é um abismo e conheço o perigo,
Onde fores pisar, hei de pisar contigo.
E a dor que te ferir há de ferir-me, pois,
De modo a nos ferir ao mesmo tempo os dois.
Quando soprar a dor, quando rugir o vento
Sobre a tua alma em flor, num descabelamento;
Quando o desgosto assim, num gesto mau, talvez,
Te prostrar como se fosse uma embriaguez;
Quando quiseres te lançar ao fundo d’água
Do desespero ou então aos açudes da mágoa,
Recorda-te de mim e de quanto eu te quis,
Não por seres feliz, mas sim uma infeliz.
E hás de ouvir minha voz no meio do caminho:
Não toques nesse pão, não bebas desse vinho;
Foge dessa tristeza, afasta esse pesar,
Não chores, meu amor, que me fazes chorar.
Não creias nesse olhar luminoso e risonho:
Não ames, que o amor não é mais do que um sonho.
Quando essa taça um dia alguém te oferecer:
Toda de ouro a ferver espumas de prazer,
Que nem sequer o teu lábio de leve a oscule.
Faze mais do que fez aquele rei de Thule:
Quebra essa taça em mil pedacinhos, e após
Lança os restos ao mar, de uma maneira atroz.
Eu te amo, meu amor, porém falo-te sério:
Eu não creio no amor, o amor é um mistério.
Debatendo-te aí, toda, de norte a sul,
Nunca, nunca verás esse pássaro azul...
E havemos nós de andar assim, anos e anos,
Por entre enganos mil e outros mil desenganos.
E eu sempre a te iludir, e eu sempre a te embalar
Sobre as ondas do mar, do encapelado mar.
E um dia, quando enfim, caindo de fadiga,
Quiseres descansar, descansa, minha amiga.
São horas de dormir, o sono não faz mal,
E eu hei de te fechar os olhos afinal.
Quando o sono vier, não faças cerimônia,
Que a vida não é mais do que uma longa insônia.
Quando o sono vier descendo por aí,
Eu não te acordarei, não chamarei por ti.
Vendo-te adormecer, as mãos em cruz no peito,
Nesse frio lençol envolta sobre o leito,
Depois de te beijar os cabelos reais,
Sabendo que jamais hei de te ver, jamais;
Depois de te beijar as tranças veludosas,
E por no teu caixão os lírios e as rosas,
Eu volverei de novo, ó minha doce irmã,
Eu sombra e nada mais do que uma sombra vã,
Para esse Orco profundo e região infinita
Onde entre sombras vãs a minha sombra habita.
Dezembro – 1909
Fonte:Ao Emílio de Meneses
Entre essa irradiação enorme, que palpita,
É possível que um dia, eu, pálido, a encontrasse,
Como a sonora luz de Vênus Afrodita,
Em meio do caminho, os dois, e face a face...
E que alucinação e que febre esquisita,
Que cegueira de amor e que ilusão falace,
Quando esse girassol, para a luz infinita,
Cá de dentro de mim, então, desabrochasse!
Seriam negros ou dourados os cabelos?
Junto daquela flor, tremeria de zelos?
Não tombaria morto aos pés desse prazer?
Os olhos de que cor? Não sei. Porém suponho
Que seriam assim tão grandes como um sonho...
Mas já passei a vida, e não a pude ver!
UMA CARTA
– Eu te escrevo esta carta, in extremis, Maria,
Deitado aqui por sobre um catre d’hospital,
O corpo exangue, os pés gelados, a mão fria,
E refletindo bem, não sei se faço mal.
Tu te recordas, pois, dessa tarde? Eu me lembro
De tudo. Foi ao pé de uma giesta em flor...
Eu te beijei as mãos, o cabelo... Dezembro
Ardia, enquanto nós mudávamos de cor...
Como sabes, parti noutro dia, bem cedo.
Era preciso ter um nome! Eu me alistei
Entre os que iam talvez morrer nesse degredo,
Em defesa da pátria e em nome de seu rei.
Nunca corri no campo o veado ou a lebre,
E nem mesmo atirei numa simples perdiz,
Mas quando entrei na luta, eu me bati com febre,
Bati-me como um bravo, e saí-me feliz.
No meio da refrega e da fumaça espessa,
Num crepúsculo de betume e vermelhão,
Flutuavas sobre mim, sobre a minha cabeça,
Como se acaso fosse o próprio pavilhão.
Dentro em pouco, também, o meu perfil tamanho
Destaque iluminou, de tal maneira que
Julguei ser um herói, mas um herói d’antanho,
De pluma e capacete e lança e boldriê.
Mas, ontem, ao sair de casa, um camarada
Trouxe-me para ver as linhas de um jornal
Que falava de ti. Olhei. Não disse nada.
Mas para não cair agarrei-me ao portal.
Quando me vi a sós, também, d’aí a pouco,
Tive desejos maus de estrangular alguém,
De te calcar aos pés, de fazer como um louco:
Bater-me contra dez, bater-me contra cem.
Era a hora em que o sol como um ladrão se esconde
Por trás dos serros e para longe de nós:
Tomei a minha espada e caminhei para onde
Eu sabia que estava o inimigo feroz.
Desafiei-os: cinco assaltaram-me, em guarda!
Eu queria morrer nesse combate, sim,
Com a graça, porém, de quem veste uma farda
E tem orgulho de ser um espadachim.
E de fato, que sei? após alguns minutos,
Vibraram-me no peito uma lança, caí
Sob os alfanjes nus desses cossacos brutos...
Mas que importa afinal, se vou morrer por ti! –
Sítio dos Pinhais, Novembro – 1909
SOMBRA
Ao Leôncio Correia
Um dia hei de partir e tu hás de ficar,
Como uma vela que se perdesse no mar,
Por entre o nevoeiro e a cerração escura...
Hás de ficar aqui, ó frágil criatura,
Atirada aos baldões cruéis da sorte má,
Ora de lá p’ra cá, ora de cá p’ra lá...
Tão atroz há de ser, porém, tão esquisito,
Tão despedaçador esse horroroso grito,
Vibrado de través dessas torres de ar,
Que onde quer que eu esteja há de me traspassar,
Há de ferir-me assim com tal desolação,
Com um desespero tal que hei de correr então
De país em país, de cidade em cidade,
Como um doido a tremer de infinita piedade...
E sem que saibas que eu estou presente, enfim,
Eu te possa sorrir, quando penses em mim,
Mas como névoa em torno à palidez da Lua,
E sombra, e nada mais do que uma sombra tua...
A cada passo, então, hei de te acompanhar,
Como uma espécie de gênio familiar.
Eu hei de te seguir, eu que por meus pecados
Só tenho percorrido os caminhos errados
Nessas estradas, mais sutil do que um ladrão,
Como se conduzisse um cego pela mão...
Eu sei o que é um abismo e conheço o perigo,
Onde fores pisar, hei de pisar contigo.
E a dor que te ferir há de ferir-me, pois,
De modo a nos ferir ao mesmo tempo os dois.
Quando soprar a dor, quando rugir o vento
Sobre a tua alma em flor, num descabelamento;
Quando o desgosto assim, num gesto mau, talvez,
Te prostrar como se fosse uma embriaguez;
Quando quiseres te lançar ao fundo d’água
Do desespero ou então aos açudes da mágoa,
Recorda-te de mim e de quanto eu te quis,
Não por seres feliz, mas sim uma infeliz.
E hás de ouvir minha voz no meio do caminho:
Não toques nesse pão, não bebas desse vinho;
Foge dessa tristeza, afasta esse pesar,
Não chores, meu amor, que me fazes chorar.
Não creias nesse olhar luminoso e risonho:
Não ames, que o amor não é mais do que um sonho.
Quando essa taça um dia alguém te oferecer:
Toda de ouro a ferver espumas de prazer,
Que nem sequer o teu lábio de leve a oscule.
Faze mais do que fez aquele rei de Thule:
Quebra essa taça em mil pedacinhos, e após
Lança os restos ao mar, de uma maneira atroz.
Eu te amo, meu amor, porém falo-te sério:
Eu não creio no amor, o amor é um mistério.
Debatendo-te aí, toda, de norte a sul,
Nunca, nunca verás esse pássaro azul...
E havemos nós de andar assim, anos e anos,
Por entre enganos mil e outros mil desenganos.
E eu sempre a te iludir, e eu sempre a te embalar
Sobre as ondas do mar, do encapelado mar.
E um dia, quando enfim, caindo de fadiga,
Quiseres descansar, descansa, minha amiga.
São horas de dormir, o sono não faz mal,
E eu hei de te fechar os olhos afinal.
Quando o sono vier, não faças cerimônia,
Que a vida não é mais do que uma longa insônia.
Quando o sono vier descendo por aí,
Eu não te acordarei, não chamarei por ti.
Vendo-te adormecer, as mãos em cruz no peito,
Nesse frio lençol envolta sobre o leito,
Depois de te beijar os cabelos reais,
Sabendo que jamais hei de te ver, jamais;
Depois de te beijar as tranças veludosas,
E por no teu caixão os lírios e as rosas,
Eu volverei de novo, ó minha doce irmã,
Eu sombra e nada mais do que uma sombra vã,
Para esse Orco profundo e região infinita
Onde entre sombras vãs a minha sombra habita.
Dezembro – 1909
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
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