domingo, 12 de fevereiro de 2012

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 6


AS MINAS DE PARANAGUÁ

-A pé?...

-Os Torales viajaram a cavalo até Cananeia, no litoral, dali prosseguindo de barco rumo a Paranaguá. As minas de ouro da costa paranaense não eram lá essas coisas. Havia mais lenda do que metal precioso. De qualquer forma, Bartolomeu conseguiu acumular considerável fortuna e entrou na história como um dos principais fundadores de Paranaguá, ao lado de Gabriel de Lara, Heliodoro Ébano, Pedro de Sousa Pereira e outros. Morreu em 1668, aos 71 anos, deixando a família em boa situação.

-Os herdeiros continuaram na mineração?

-Bartolomeu tinha uma filha, que se casou com um paulista e foi para São Vicente levando consigo a mãe viúva; e três filhos homens, que pouco tempo depois migraram para Minas Gerais, atraídos pelo ouro que começava a ser descoberto por lá. O filho adotivo Francisco, o Catu, então com 46 anos, recebeu parte da herança e preferiu subir a serra para tornar-se criador de gado nos campos de Curitiba.

-Já existia Curitiba?

-Estava começando a formar-se a povoação, no local onde está hoje a Praça Tiradentes. Os mineradores do litoral, desiludidos do sonho do ouro fácil, foram mudando de atividade. Muitos deles se deslocaram para Minas Gerais, outros tantos buscaram o planalto. Subiam de canoa, pelos rios, até Morretes, e continuavam a pé utilizando trilhas abertas pelos índios. O roteiro era mais ou menos o que mais tarde viria a ser a Estrada da Graciosa. Em poucos anos Curitiba já rivalizava em importância com Paranaguá e havia intenso comércio
entre os dois núcleos: os curitibanos forneciam bois, cavalos, trigo e erva-mate; do litoral vinham mercadorias estrangeiras: tecidos, bebidas, vinagre, azeite.

-O embrião da comunidade paranaense.

-Correto. A serra do Mar, que antes era um muro entre o litoral e o planalto, passou a ser uma ponte. Catu estabeleceu-se duas léguas ao norte do núcleo pioneiro de Curitiba, numa grande casa de madeira construída em meio a solenes pinheirais.

-Pinheiro, dá-me uma pinha; pinha, dá-me um pinhão...

-Os botânicos chamam o nosso pinheiro de araucaria brasiliensis. É diferente do pinheiro europeu. O da Europa é cônico, tipo árvore de Natal. O nosso lembra uma grande taça. Cresce em linha reta, chegando em média a 30 metros de altura. Alguns atingem 50 metros. Naquele tempo, a araucária era uma árvore nativa, aparecendo em grupos, sem que ninguém plantasse. Descobriu-se depois que o plantio era obra da gralha-azul, pássaro muito bonito que passou a ser um dos símbolos do Paraná. A gralha tem no pinhão o seu alimento favorito. Tira a casca, come a polpa e, previdente como a formiga, enterra boa quantidade de pinhões para serem consumidos na entressafra. Não conseguindo comer todas as sementes escondidas, estas produzem novos pinheirais. Infelizmente, a imprudência dos homens vai pouco a pouco acabando com as nossas preciosas araucárias.

-Catu?...

-Criando gado, cultivando erva-mate e comercializando seus produtos no povoado, Catu viu nascer e desenvolver-se a futura capital paranaense, onde morreu aos 73 anos, em 1695, dois anos após a elevação do arraial de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba à categoria de vila.

-E acaba aí a história do nosso Catu...

-A história de um homem não acaba: desemboca, tal como um rio, na história dos seus descendentes... Catu deixou nove filhos, um dos quais, Henrique Américo Torales, saiu de Curitiba em 1705, aos 18 anos de idade, disposto a estabelecer-se num ponto qualquer ao longo do “Caminho das Tropas”, no comércio de mulas. O caminho atravessava os Campos Gerais, passava por Itararé e continuava até Sorocaba e São Paulo. Vender mulas era ótimo negócio nessa época. Em Minas havia necessidade de muitos desses animais para o transporte do ouro, e os mineradores vinham buscá-los na famosa “Feira de Mulas” de Sorocaba, abastecida pelos criadores do Sul.
Nesse enredo entrou o esperto Henrique Américo.

OS CAMPOS GERAIS

-Esse “Caminho das Tropas” fez história...

-A atual rodovia Ponta Grossa-Itararé foi traçada justamente nos rastros dos antigos tropeiros. Mas voltemos a Henrique: ele saiu de casa com a modesta herança deixada pelo pai, cavalgou pelos campos, permaneceu alguns dias em Vila Velha, no meio daquelas rochas cheias de mistérios, alcançou adiante as margens do rio Pitangui, gostou do lugar, parou ali. Comprou um pequeno sítio e, enquanto construía o rancho, hospedou-se numa pousada de jesuítas: um barracão onde os padres reuniam índios para o catecismo e acolhiam viajantes. Nessa hospedaria ele ouviu dos jesuítas muitas histórias, inclusive sobre as antigas reduções do Guairá. Ao revelar que era filho de um índio nascido numa daquelas reduções, seu prestígio subiu. Os religiosos passaram a tratá-lo com especial carinho, a ponto de convidá-lo a residir com eles. Henrique preferiu morar no rancho, mas com o compromisso de fazer as refeições na casa dos padres.

-Moleza...

-A pousada, aos poucos, tornou-se ponto de reunião de toda a vizinhança: fazendeiros, tropeiros, comerciantes, índios. Foi numa dessas reuniões que surgiu a ideia de formar-se o povoado que veio a ser Ponta Grossa. O mais interessante foi a maneira como escolheram o local: soltaram um pombo, combinando que onde ele pousasse seria construída a futura vila. O pombo pousou no alto da colina. E na colina Ponta Grossa nasceu.

-Isso é uma lenda, ou foi de fato assim?...

-Pelo que me consta, a história do pombo é real. Pois bem: Henrique montou seu negócio de mulas, logo se casou, ganhou dinheiro suficiente para comprar outras terras e tornar-se próspero fazendeiro. Morreu em 1772, com 85 anos de idade. Morreu de alegria!

-Com assim?...

-Uma de suas netas, Jurema, de 16 anos, talvez por influência do sangue indígena que carregava, fugira de casa para viver com uma tribo nos campos de Guarapuava. Ocorre que naquele ano de 1772 houve uma tremenda batalha entre tropas curitibanas comandadas pelo coronel Afonso Botelho e os nativos da região. A missão de Botelho era afastar dali os índios para erguer fortificações com o objetivo de impedir que os espanhóis, anteriormente enxotados pelos bandeirantes, reconquistassem a área.

-A menina estava lá?...

-Chegou a Ponta Grossa a notícia de que os índios haviam vencido bravamente a batalha de Guarapuava. Jurema, tendo entrado na briga ao lado dos guerreiros nativos, teria morrido com um tiro no coração. Dois meses depois, entretanto, ela reapareceu em Ponta Grossa, sã e salva, acompanhada por um jovem índio com quem se casara. O tal tiro, em verdade, causara nela apenas leve ferimento.

-Ainda bem...

-Mas o velho Henrique, ao ver a neta esbanjando saúde, foi tomado de tão forte emoção, que teve um infarto.

-O coração explodiu de alegria!

-Com o desaparecimento de Henrique, os negócios da família ficaram sob o comando do filho mais moço, Arnaldo Júlio Torales, pai de Jurema. Os quatro mais velhos viviam em Paranaguá, trabalhando com exportação e importação.

-Jurema ficou com o pai?

-Não quis ficar. Voltou para a tribo com o marido índio. A última notícia que a família teve dela foi por uma carta datada de 1819, dando conta de que Guarapuava, já então definitivamente conquistada pelos brancos, ganhara o título de freguesia. Na mesma carta, dizia que a partir de Guarapuava prosseguia a expansão rumo oeste, na direção de Foz do Iguaçu; e rumo sudoeste, passando por União da Vitória, alcançando Palmas e penetrando no antigo território das Missões do rio Uruguai. Tenho cá comigo o palpite de que a nossa “indiazinha” Jurema acabou se mandando para o Paraguai.

-Retornemos a Ponta Grossa...

-Arnaldo Júlio viveu até 1791, deixando como sucessor o filho Luís Pedro, que, como a irmã Jurema, era rebelde, brigão, mas dotado de forte espírito cívico. Da “dinastia” dos Torales, foi o que teve mais intensa atuação política. Em 1821, aderiu à célebre “Conjura Separatista”, que detonou a campanha pela emancipação do Paraná. Em 1822, organizou uma cavalgada que marchou até o Rio de Janeiro festejando a proclamação da independência do Brasil. Em 1823, foi um dos maiores batalhadores pela promoção de Ponta Grossa à categoria de freguesia. Em 1853, já velhinho, viveu a maior emoção de sua vida: a conquista definitiva da emancipação do Paraná.
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continua…

O e-book pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

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