sábado, 14 de setembro de 2019

André Kondo (O Jardim)


O prior do templo de Daitoku, em posição meditativa, aguardava o discípulo que havia cometido a profanação. No Daisen-in, estava cercado pelo venerável jardim zen. A brisa soprava, dando a impressão de que era ela quem ondulava os pedriscos que formavam a seca paisagem. Enquanto isso, um vento já corria pelos corredores do santuário, carregando a tempestuosa sentença que pesava sobre o discípulo: a morte.

Daitoku-ji não era um templo qualquer. Fundado aproximadamente em 1325, havia prosperado na época de Nobunaga e Hideyoshi, os maiores senhores da guerra que o Japão já havia testemunhado. Ambos eram duros na arte da guerra, porém, suaves na arte do chanoyxi. Dois guerreiros aficionados pela cerimônia do chá, que atingiu o requinte da perfeição em Daitoku-ji. Havia sido neste templo que mestre Sen no Rikyu recebeu o seu treinamento zen, elevando o simples ato de beber chá a uma requintada arte, um ritual para elevação da alma.

Há relatos, alguns dizem lendas, de que a fama e a importância de Sen no Rikyu elevaram o seu ego. Rikyu ostentou uma imagem de si próprio no alto do Sanmon, um dos principais portões do templo. Tal atitude custou-lhe a vida. O senhor de todo o Japão, Toyotomi Hideyoshi, guerreiro de humilde origem que havia chegado ao topo por sua sagacidade, ordenou que Rikyu extinguisse o seu ego. Condenado à morte, o seu chá esfriou, para sempre.

Ao profanador discípulo havia sido escolhida a mesma pena. Uma sentença assim proferida por um senhor da guerra até era esperada, porém, ordenada por um prior budista? Todos os monges do templo eram contra a pena de morte, porém, respeitavam sobremaneira o velho prior. Confiavam em sua sabedoria. Assim, observaram, impassíveis, o discípulo a caminho de seu fim.

O que fizera o infrator para merecer tal sentença? A profanação do sagrado jardim zen de Daisen-in, do complexo de templos de Daitoku, era o motivo.

Ante a chegada do condenado, o prior se levantou.

— Primeiro, gostaria de explicar, mais uma vez, a importância de nosso jardim — disse o prior.

O discípulo ruborizou. Mais uma vez, teria que se confrontar com seu ato de vandalismo, sua vergonhosa ação.

— Veja, este jardim não é apenas um monte de pedriscos esparramados pelo pátio, como muitos leigos o veem. Em cada elemento de nosso jardim encontramos uma íntima relação, que demonstra o nosso lugar no universo. Nas ondas desenhadas com os pedriscos, podemos ver o nosso vínculo com a natureza e o destino. Tudo está neste jardim: mutável, imutável, efêmero, eterno… E tudo deve fluir... em equilíbrio...

Com o coração apertado, o discípulo ouvia com atenção.

— Estamos diante do Grande Oceano... Além, no fim da jornada, podemos ver a árvore Bodhi, debaixo da qual o satori foi alcançado e o Buda abençoado com a iluminação.

O vasto pátio coberto de pedriscos, cuidadosamente dispostos como ondas de um grande oceano era um importante local de meditação. Após algumas horas naquele recanto, o prior pediu que o discípulo o acompanhasse pela lateral do Hojo, levando-o até outra parte do jardim: o Mar Interno.

Ali, demoraram-se por mais algumas horas, meditando. Em seguida, se dirigiram para outro canto, onde uma "cascata" de pedriscos brancos descia de uma rocha que representava o mítico Monte Horai. Circundando o sagrado monte, outras rochas representavam o céu e a terra.

Todos os pedriscos do jardim pareciam fluir, naturalmente, como a água: o Grande Oceano, o Mar Interno, a Cascata... o Rio da Vida. Ao chegar nas proximidades deste seco rio, o discípulo passou a se sentir mal. Estava próximo da prova de seu crime, de seu ato de leviandade que o condenara. Prior e discípulo demoraram-se por mais algumas horas diante de uma rocha em forma de barco que singrava o rio de pedriscos. Finalmente, com mais três passos apenas, depararam-se com algo que quebrava a harmonia de todo o jardim.

— E isto, creio que você poderia explicar melhor o que seria — disse o prior ao discípulo.

As mãos trêmulas, os olhos lacrimosos, o coração palpitando, a vergonha, a profanação, o indigno ato... O discípulo caiu de joelhos, diante de sua falha realizada por puro capricho do ego. Em meio a correnteza do rio de pedriscos, represada pelo "Muro", que representa o ponto em que todas as humanas dúvidas convergem, havia um elemento alheio que destoava de tudo. Atravessando o muro, os pedriscos voltavam a fluir no Rio da Vida, mais largo...

Porém, antes do "Muro", o ego.

— Compreendeu o seu ato? Compreendeu que tudo neste jardim é a representação pura da realidade que nos cerca? — perguntou o prior.

— Sim, mestre.

— Sabe que todo ato gera uma consequência...

— Sim.

— Está preparado para morrer? Extinguir o seu ego?

O discípulo, com lágrimas nos olhos, concordou com a cabeça, compreendendo a sabedoria do prior. E cumpriu a sentença, simplesmente, apagando o próprio nome, traçado com o dedo nos pedriscos do jardim.

Fonte:
André Kondo. Contos do Sol Renascente. Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2015.

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